segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
"Sou tudo o que foi, é e será"
"Sou tudo o que foi, é e será, e jamais algum mortal levantou o meu véu" [inscrição na estátua de Ísis, em Saïs, no Egipto]
- Plutarco, Ísis e Osíris, 9, 354 c.
"Um deles aí chegou - levantou o véu da deusa de Saïs. Mas que viu ele? Viu maravilha das maravilhas! - ele mesmo"
- Novalis, Os discípulos em Saïs, Paralipómenos, 2, Petits écrits, tradução e introdução por G. Bianquis, Paris, 1947, p.257.
Ísis foi assumida na tradição ocidental como uma figura da Natureza. Quem lhe ergue o véu e se vê a si mesmo transcende a condição mortal? E quem a viola, como a civilização prometeica contemporânea?
domingo, 30 de janeiro de 2011
Se levarem Vénus...
Mais um capítulo só para Clara distrair-se. Revejo textos antigos. O do diospiro encaixa no meu livro.
Clara chega sempre sorridente. Fala baixo. Ouve só o que quer.
- Então Ana?
Feliz, digo que escrevi, escrevi, escrevi, escrevi! Na estante todos meus desabafos (alguém conhecido assim condenou a minha escrita). Orgulhosa mostro quase 20 páginas A4.
Enquanto acomoda-se no sofá, faço um chá - Flores da Paixão – chá verde com rosas.
Clara avisou-me que ia apontar todos os erros. Aceito como um exercício de humildade.
- Ana, falta a ligação... Não estás a escrever só para ti. Nada é tão óbvio.
- hm
- E depois os diospiros não se descascam!
- Nunca os comi, apenas imaginei.
- Mas está errado amiga. O diospiro abre-se. Chupa-se.
- Deixa-me descacar a fruta Clara. Deixa-me dar dentadas na laranja.
- Eu deixo. Mas está mal. Olha, não te vou largar. Vou ser uma chata. Só vais alterar se achares bem. Mas não te vou poupar.
Hoje, David enviou-me uma mensagem a dizer que eu comesse o fruto como bem quisesse. Quando menos espero apetece-me morder um ananás com casca. Ferir os lábios, sangrar. No meio da dor o suco da fruta a fazer-me feliz.
- Quero mostrar-te a carta que escrevi a Cleo quando Gabriel saiu de casa. Quero expulsar a dor que resta. Importas-te?
- Claro que não.
Ontem, disseram-me que uma energia intrusa tomou conta da mim. Baco, Vénus, Sansão e Dalila moram comigo. Se os expulsar o que vai restar de mim?
Estou tão cansada desta convivência! Por isso, não resisto. Que venha à superfície o que sou.
Como sempre, sigo o meu impulso. Meu Deus que procuro eu? Mostrar que valho a pena? Esta modéstia mentirosa. Vou tirando o disfarce. Dalila não me cortes o cabelo!
A febre volta a tomar conta de mim. Deliro. Quero embebedar-me. Esquecer. Tirar a roupa, perder-me de desejo.
Se me levarem Vénus como vou existir?
- Ana. Acorda linda. Vai correr tudo bem. Contenta-te com o que tens.
Água salgada que limpa o meu rosto. Lágrimas uma seguir as outras. Na garganta um nó! Mãe aparece, dá-me o teu colo que eu hoje sou criança de novo. Faz de conta que me deixo engolir pela onda e tu dizes que sim. Não me puxes para norte mãe, eu quero o sul.
Olha meu corpo cheio de nódoas. Esta é a cor da dor mãe – roxa. Tem um som fundo, quase silencioso. Vem do estômago este grito que ninguém ouve.
Uma bofetada me acorda, Clara assustada, implora:
- Ana... Ana, ACORDA
Na minha face um sorriso mostra que a febre passou. Não sei qual o arquétipo que me ressuscita, sempre que beiro a loucura. Como se nada tivesse acontecido levanto.
No toca-discos Cássia canta:
“Antes de me despedir, o meu pedido final,
Não deixa o samba morrer, não deixa o samba acabar”
Clara pede a carta que escrevi a Cleo.
Lisboa, 15 de Junho de 2005
Querida Cleo,
Um dia ele chegou, abriu a porta e saiu. Eu ainda nem bem tinha começado a saber ajustar minhas omoplatas, adequar a postura correcta, saber inspirar e expirar. Não deu tempo porque a porta se fechava no meu movimento esquecido de respirar.
Na capoeira as galinhas correm para o milho, debicam um a um, gritam desassossegadas, abrem as asas e não voam. Ensurdecedor o ruído das galinhas na capoeira.
Fico pensando que prometi escrever, você está longe do outro lado do mar, lá onde os homens são mais baixos, olhos puxados, hábitos outros. Você está por aí tentando adivinhar se respiro. Confesso que tento, ai como tento fingir que tudo isto aconteceu para meu bem. E assim esotérica vejo na desgraça a luz.
A minha ginecologista diz que tenho quistos no colo do útero porque engoli as palavras e cultivei um jardim de bolinhas sebosas na entrada do meu sexo. Receitou florais de bach, um para o coração, outro para o sono e finalmente, outro para a timidez.. O do coração é para quem sofre de ciúmes e possessividade. Tão bem se ajusta a mim que sempre amei tomando posse do meu amado. O do sono é tão óbvio, serve para dormir! O da timidez para que eu me expresse. Parece que meus quistos assim explodem e dos meus lábios as palavras aparecerão a contar a minha dor.
O meu amor abriu a porta e saiu. Lá na casa dele, só entro se pedir autorização. Na geladeira dele as frutas e legumes fazem a festa. Almofadas cor de laranja, Bilal na parede a contar em quadrinhos, histórias de amor. Os discos – são tantos- ainda moram aqui, assim quando me viro à direita e vejo o passado, dos clássicos ao jazz, do rock ao pop, os meus brasileiros ainda desarrumados. Quando me visita vai à estante e tira um par de discos. Pouco a pouco a nossa história vai ficando sem peças.
Hoje, disse como está feliz. Abriu a porta de nossa casa, fechou e saiu. Lá na casa dele sozinho acorda quando quer. Se tem companhia para dar o bom dia não sei. Sei que na minha cama tomei seu lugar, me viro a direita e vejo o vazio. Por mais que me toque não vem o orgasmo, estou sozinha.
Da rua vejo sua janela, indiscreta adivinho sua rotina. Por vezes telefona-me e vamos ao supermercado. E assim os dois nos encontramos nos corredores das frutas e congelados. Tão grande foi o ultimo super que só lá voltaremos talvez daqui a dois meses. Assim, não sei que pretexto teremos para estarmos juntos de novo. Tão feliz está ele a viver sozinho.
Meu cunhado telefona e diz que temos de facturar, “Tu não estás motivada”. O informático aproveita e diz que seus erros são fruto da minha tristeza.
Fui trabalhar e doente fiquei, tão mal cabia naquele espaço. Prometi escrever, mas só lembro da porta fechando. Você que está aí desse lado do outro lado do mar adivinhando se ainda respiro. Eu te digo que por vezes me sonho no mar, por vezes me vejo na lama. Seja onde for espirro vezes sem conta porque estou alérgica ao ar.
Assim descanse que entre um espirro e outro vou respirando.
Clara devolve a carta. Calada, sempre calada me abraça. Não há o que corrigir nesse texto
Clara chega sempre sorridente. Fala baixo. Ouve só o que quer.
- Então Ana?
Feliz, digo que escrevi, escrevi, escrevi, escrevi! Na estante todos meus desabafos (alguém conhecido assim condenou a minha escrita). Orgulhosa mostro quase 20 páginas A4.
Enquanto acomoda-se no sofá, faço um chá - Flores da Paixão – chá verde com rosas.
Clara avisou-me que ia apontar todos os erros. Aceito como um exercício de humildade.
- Ana, falta a ligação... Não estás a escrever só para ti. Nada é tão óbvio.
- hm
- E depois os diospiros não se descascam!
- Nunca os comi, apenas imaginei.
- Mas está errado amiga. O diospiro abre-se. Chupa-se.
- Deixa-me descacar a fruta Clara. Deixa-me dar dentadas na laranja.
- Eu deixo. Mas está mal. Olha, não te vou largar. Vou ser uma chata. Só vais alterar se achares bem. Mas não te vou poupar.
Hoje, David enviou-me uma mensagem a dizer que eu comesse o fruto como bem quisesse. Quando menos espero apetece-me morder um ananás com casca. Ferir os lábios, sangrar. No meio da dor o suco da fruta a fazer-me feliz.
- Quero mostrar-te a carta que escrevi a Cleo quando Gabriel saiu de casa. Quero expulsar a dor que resta. Importas-te?
- Claro que não.
Ontem, disseram-me que uma energia intrusa tomou conta da mim. Baco, Vénus, Sansão e Dalila moram comigo. Se os expulsar o que vai restar de mim?
Estou tão cansada desta convivência! Por isso, não resisto. Que venha à superfície o que sou.
Como sempre, sigo o meu impulso. Meu Deus que procuro eu? Mostrar que valho a pena? Esta modéstia mentirosa. Vou tirando o disfarce. Dalila não me cortes o cabelo!
A febre volta a tomar conta de mim. Deliro. Quero embebedar-me. Esquecer. Tirar a roupa, perder-me de desejo.
Se me levarem Vénus como vou existir?
- Ana. Acorda linda. Vai correr tudo bem. Contenta-te com o que tens.
Água salgada que limpa o meu rosto. Lágrimas uma seguir as outras. Na garganta um nó! Mãe aparece, dá-me o teu colo que eu hoje sou criança de novo. Faz de conta que me deixo engolir pela onda e tu dizes que sim. Não me puxes para norte mãe, eu quero o sul.
Olha meu corpo cheio de nódoas. Esta é a cor da dor mãe – roxa. Tem um som fundo, quase silencioso. Vem do estômago este grito que ninguém ouve.
Uma bofetada me acorda, Clara assustada, implora:
- Ana... Ana, ACORDA
Na minha face um sorriso mostra que a febre passou. Não sei qual o arquétipo que me ressuscita, sempre que beiro a loucura. Como se nada tivesse acontecido levanto.
No toca-discos Cássia canta:
“Antes de me despedir, o meu pedido final,
Não deixa o samba morrer, não deixa o samba acabar”
Clara pede a carta que escrevi a Cleo.
Lisboa, 15 de Junho de 2005
Querida Cleo,
Um dia ele chegou, abriu a porta e saiu. Eu ainda nem bem tinha começado a saber ajustar minhas omoplatas, adequar a postura correcta, saber inspirar e expirar. Não deu tempo porque a porta se fechava no meu movimento esquecido de respirar.
Na capoeira as galinhas correm para o milho, debicam um a um, gritam desassossegadas, abrem as asas e não voam. Ensurdecedor o ruído das galinhas na capoeira.
Fico pensando que prometi escrever, você está longe do outro lado do mar, lá onde os homens são mais baixos, olhos puxados, hábitos outros. Você está por aí tentando adivinhar se respiro. Confesso que tento, ai como tento fingir que tudo isto aconteceu para meu bem. E assim esotérica vejo na desgraça a luz.
A minha ginecologista diz que tenho quistos no colo do útero porque engoli as palavras e cultivei um jardim de bolinhas sebosas na entrada do meu sexo. Receitou florais de bach, um para o coração, outro para o sono e finalmente, outro para a timidez.. O do coração é para quem sofre de ciúmes e possessividade. Tão bem se ajusta a mim que sempre amei tomando posse do meu amado. O do sono é tão óbvio, serve para dormir! O da timidez para que eu me expresse. Parece que meus quistos assim explodem e dos meus lábios as palavras aparecerão a contar a minha dor.
O meu amor abriu a porta e saiu. Lá na casa dele, só entro se pedir autorização. Na geladeira dele as frutas e legumes fazem a festa. Almofadas cor de laranja, Bilal na parede a contar em quadrinhos, histórias de amor. Os discos – são tantos- ainda moram aqui, assim quando me viro à direita e vejo o passado, dos clássicos ao jazz, do rock ao pop, os meus brasileiros ainda desarrumados. Quando me visita vai à estante e tira um par de discos. Pouco a pouco a nossa história vai ficando sem peças.
Hoje, disse como está feliz. Abriu a porta de nossa casa, fechou e saiu. Lá na casa dele sozinho acorda quando quer. Se tem companhia para dar o bom dia não sei. Sei que na minha cama tomei seu lugar, me viro a direita e vejo o vazio. Por mais que me toque não vem o orgasmo, estou sozinha.
Da rua vejo sua janela, indiscreta adivinho sua rotina. Por vezes telefona-me e vamos ao supermercado. E assim os dois nos encontramos nos corredores das frutas e congelados. Tão grande foi o ultimo super que só lá voltaremos talvez daqui a dois meses. Assim, não sei que pretexto teremos para estarmos juntos de novo. Tão feliz está ele a viver sozinho.
Meu cunhado telefona e diz que temos de facturar, “Tu não estás motivada”. O informático aproveita e diz que seus erros são fruto da minha tristeza.
Fui trabalhar e doente fiquei, tão mal cabia naquele espaço. Prometi escrever, mas só lembro da porta fechando. Você que está aí desse lado do outro lado do mar adivinhando se ainda respiro. Eu te digo que por vezes me sonho no mar, por vezes me vejo na lama. Seja onde for espirro vezes sem conta porque estou alérgica ao ar.
Assim descanse que entre um espirro e outro vou respirando.
Clara devolve a carta. Calada, sempre calada me abraça. Não há o que corrigir nesse texto
sábado, 29 de janeiro de 2011
sexta-feira, 28 de janeiro de 2011
Lançamento do livro "O Solar de Santana, Museu Municipal de Tondela e a Arquitectura Senhorial da Região", de Inês do Carmo Borges, colaboradora da revista "Cultura Entre Culturas"
No próximo dia 16 de Fevereiro de 2011, quarta-feira, pelas 15 horas, no Museu Municipal de Tondela, será apresentado pelo Prof. Dr. António Filipe Pimentel, Director do Museu Nacional de Arte Antiga, o livro "O Solar de Santana, Museu Municipal de Tondela e a Arquitectura Senhorial da Região", da Dra. Inês do Carmo Borges, colaboradora da revista Entre, desde o seu primeiro número. Na ocasião estará igualmente presente o editor, Dr. Jorge Fragoso, da Editora Palimage.
A obra será lançada também em Lisboa, em data e local a anunciar, do que daremos conta oportunamente.
A obra será lançada também em Lisboa, em data e local a anunciar, do que daremos conta oportunamente.
A fotografia da capa é da autoria de Marcus Garcia Moreira, já aqui muito justamente destacado no blogue da Entre (ver: http://arevistaentre.blogspot.com/2010/05/marcus-garcia-moreira.html).
O projecto gráfico da capa é da responsabilidade de Luiz Pires dos Reys, tendo a execução ficado a cabo de Xénia Pereira Reys, ambos da equipa da revista Entre.
Não se deixe entretanto de visitar o belíssimo blogue da autora, sempre povoado por imagens, palavras e sons de muito encantar:
http://musicaescarlate.blogspot.com
quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
obstáculos
moram comigo
dizem bom dia
às vezes com pressa
vivo com eles
desde criança
devagar, muito devagar
dou conta de cada um
quando os reconheço
agradeço-os pelo nome
feliz de os poder abraçar
e desejar boa viagem
dizem bom dia
às vezes com pressa
vivo com eles
desde criança
devagar, muito devagar
dou conta de cada um
quando os reconheço
agradeço-os pelo nome
feliz de os poder abraçar
e desejar boa viagem
Imagens da sessão de apresentação da revista "Cultura Entre Culturas", no passado dia 25 de Janeiro, na FNAC-Chiado, em Lisboa, onde usaram da palavra António Cândido Franco (Univ. de Évora), Paulo Borges (Univ de Lisboa, e director da revista), António Baptista Lopes, responsável da Âncora Editora e Luiz Pires dos Reys, director de Arte da publicação.
Dr. António Baptista Lopes, director da Âncora Edtª (acima)
Prof. António Cândido Franco (abaixo)
Luiz Pires dos Reys, director de arte (acima)
Prof. Paulo Borges, director da revista (abaixo)
Perspectiva da assistência (acima)
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
MELODIA
calam silenciosas as pedras
montanha que nos alcança
sem pressa,voam gaivotas
nasce outra flor, sem dono.
abraço teu corpo no meu
antes que seja noite
melodia que se repete
pausa que tarda
promessa de novo compasso
dança enquanto a noite
se alonga no amanhecer
e eu te diga adeus
outra vez
montanha que nos alcança
sem pressa,voam gaivotas
nasce outra flor, sem dono.
abraço teu corpo no meu
antes que seja noite
melodia que se repete
pausa que tarda
promessa de novo compasso
dança enquanto a noite
se alonga no amanhecer
e eu te diga adeus
outra vez
Palavras de apresentação da revista "Cultura Entre Culturas", por Luiz Pires dos Reys, ontem na FNAC-Chiado
Pede-me Paulo Borges, director da Cultura Entre Culturas, para que aqui dê a público as palavras proferidas ontem por Luiz Pires dos Reys, director de arte, membro do Conselho de Direcção e colaborador, por ocasião de mais uma sessão de apresentação da revista, desta vez na FNAC-Chiado, em Lisboa.
À mesa da sessão, a que presidiu o director da publicação, Prof. Paulo Borges, estiveram presentes igualmente o Prof. António Cândido Franco (Univ. de Évora) e o editor, Dr. António Baptista Lopes, responsável da Âncora Editora. Do evento aqui publicaremos, muito em breve, registo fotográfico.
A seguir transcrevemos, pois, os parágrafos iniciais da comunicação acima referida, podendo, quem deseje ler o texto na íntegra, fazê-lo através do link seguinte:
"Quero deixar desde já claro que não venho aqui hoje apresentar revista nenhuma. Lamento, mas “Cultura Entre Culturas” não é uma …revista.
Uma revista é, por definição – eu diria quase, por definhação –, aquele tipo de objecto, cultural ou não, que (como a própria palavra procura, embora desastrada e algo uroboricamente, dizer) cuida de rever, passar em revista alguma coisa de algum assunto.
Entendendo revista neste sentido, no sentido do media que revê o actual ou o acontecido há pouco, receio que devamos concluir que uma revista é coisa o seu quê funerária, posto que regista e trata e fala do que já não existe senão na memória, ainda que recente nos factos e ainda que verificável nos seus efeitos.
Mas, só pela âncora da memória, pelas emoções que nela tenhamos plasmado ou pelos pensamentos que ela haja suscitado em nós, tais factos permanecem realmente: não já o advento deles, não mais o seu evento. Esses desapareceram já, no fumo do tempo, como em tudo o que faz, ou não, história: e tudo a faz, ainda que mínima. São, pois, puros fantasmas e espectros remanescendo em nós: na memória – sensitiva, emocional ou intelectiva.
Por outro lado, o que pode ser re-visto do que quer que seja de entre – o entre cada coisa e cada outra coisa, o entre cada ser e cada outro ser, o entre cada pessoa e cada outra pessoa, o entre cada acto e cada outro acto, o entre cada tema e cada outro tema, e o entre todos uns e todos os outros – o que pode ser re-visto do que quer que seja de entre, repito, não tem, na verdade, entre-campo ou entre-domínio alguns que lhes seja fundo e fundamento próprios, ou que sequer haja enquanto puro entre-meio ou simples de per-meio.
O entre é propriamente o que não ex-siste: ou porque ainda não suscitou manifestação entre as margens que de si a si apelam diálogo e encontro, ou porque não haverá nada disso de manifestar-se. Ele é, deste modo, o que não é pertença de ninguém e a todos, no entanto, é de comum e livre e permanente acesso."
[...]
terça-feira, 25 de janeiro de 2011
HOJE, 3ª feira, 25, 18.30, FNAC - CHIADO - apresentação do nº2 da Cultura ENTRE Culturas
O nº 2 da revista Cultura ENTRE Culturas será apresentado no dia 25 de Janeiro, pelas 18.30, na FNAC - Chiado, pelo Prof. Dr. António Cândido Franco (Univ. Évora), bem como pelo Director, Paulo Borges, e pelo Director artístico, Luiz Pires dos Reys.
Este número tem como tema "Encontro Ocidente-Oriente" e publica ensaio, poesia, fotografia e pintura.
Colaboradores nacionais: Carlos João Correia, Paulo Borges, Rui Lopo, Ricardo Ventura, Duarte Braga, Maria Sarmento, Ethel Feldman, Sylvia Beirute, Donis de Frol Guilhade, Flávio Lopes da Silva, Miguel Gullander, Miguel Real e Abdul Cadre. Colaboradores estrangeiros: pintor Rômulo de Andrade (Brasil), fotógrafo João Paulo Farkas (Brasil), Dzongsar Khyentse Rinpoche (Butão), monge e cientista Matthieu Ricard (França-Nepal), professores Françoise Bonardel (Sorbonne - França) e Giangiorgio Pasqualotto (Universidade de Pádua - Itália), poeta Vicente Franz Cecim (Brasil), psicólogo Sam Cyrous (Uruguai-Brasil).
A revista publica ainda poesia e textos de Raimon Pannikar, Rumi, Longchenpa, Simeão, o Novo Teólogo, T. S. Eliot e Vergílio Ferreira, bem como dois textos do recentemente falecido pensador António Telmo, entre eles o último que escreveu e deixou inédito.
Uma revista de Todo o Mundo.
arevistaentre.blogspot.com
O próximo número é dedicado a Fernando Pessoa, com um caderno especial sobre Fernando Pessoa e o Oriente, contendo muitos inéditos transcritos do espólio.
À venda nas melhores livrarias do país e na Livraria Couceiro (Santiago de Compostela).
Assinaturas:
Pedidos à editora: 1 Ano (2 números) / 2 Anos (4 números) Portugal: € 30.00 / € 55.00; Europa: € 35.00 / € 65.00; Extra-Europa: € 40.00 / € 75.00.
Pagamento: cheque ou transferência bancária
Âncora Editora - Avenida Infante Santo 52 - 3º esq. 1350-179 Lisboa
tel + 351 213 951 223 fax + 351 213 951 222
e-mail: ancora.editora@ancora-editora.pt
web http://www.ancora-editora.pt
segunda-feira, 24 de janeiro de 2011
"O índio pode salvar a América"
Porque não uma escola de Pensamento Índio, construída segundo padrões índios e orientada por instrutores índios? Porque não uma escola de arte tribal?
Porque razão a América não se há-de conhecer a si mesma? Porque não há-de estar consciente da sua identidade? Em resumo, porque razão a América não deve ser preservada?
Havia ideias e práticas na vida dos meus antepassados que não foram ultrapassadas pela civilização actual. Havia na nossa cultura elementos benéficos e influências que podiam dilatar qualquer vida. O facto de quase toda a opinião pública precisar de ser alertada sobre isto não é motivo de desânimo. Durante muitos séculos o espírito humano laborou sob a ilusão de que o mundo era plano e milhares de homens acreditaram que os céus eram suportados pela força de um Atlas. O espírito humano ainda não está livre do raciocínio falacioso; ainda não se tornou num espírito aberto e os seus recessos mais profundos ainda não foram varridos de erros.
Mas agora chegou o tempo de inverter uma ordem destrutiva, e é bom que outras raças fiquem a saber que a cultura aborígene da América não era desprovida de beleza. E ainda mais, ao negar-se ao índio os seus direitos e heranças ancestrais, a raça branca está a roubar-se a si mesma. Porém, a América pode ser revitalizada e rejuvenescida se reconhecer uma escola do pensamento nativo. O índio pode salvar a América.
Lutero Urso Em Pé, A Escola de Pensamento Índio, in Miguel Castro Henriques (org. e trad.), O Sopro das Vozes Textos de Índios Americanos, Assírio e Alvim, p.233
Porque razão a América não se há-de conhecer a si mesma? Porque não há-de estar consciente da sua identidade? Em resumo, porque razão a América não deve ser preservada?
Havia ideias e práticas na vida dos meus antepassados que não foram ultrapassadas pela civilização actual. Havia na nossa cultura elementos benéficos e influências que podiam dilatar qualquer vida. O facto de quase toda a opinião pública precisar de ser alertada sobre isto não é motivo de desânimo. Durante muitos séculos o espírito humano laborou sob a ilusão de que o mundo era plano e milhares de homens acreditaram que os céus eram suportados pela força de um Atlas. O espírito humano ainda não está livre do raciocínio falacioso; ainda não se tornou num espírito aberto e os seus recessos mais profundos ainda não foram varridos de erros.
Mas agora chegou o tempo de inverter uma ordem destrutiva, e é bom que outras raças fiquem a saber que a cultura aborígene da América não era desprovida de beleza. E ainda mais, ao negar-se ao índio os seus direitos e heranças ancestrais, a raça branca está a roubar-se a si mesma. Porém, a América pode ser revitalizada e rejuvenescida se reconhecer uma escola do pensamento nativo. O índio pode salvar a América.
Lutero Urso Em Pé, A Escola de Pensamento Índio, in Miguel Castro Henriques (org. e trad.), O Sopro das Vozes Textos de Índios Americanos, Assírio e Alvim, p.233
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Cultura Ameríndia,
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domingo, 23 de janeiro de 2011
Entre tudo e nada: alguma coisa
«Penso
Que o silêncio é imenso.
Entanto,
Se um grilo canta no silêncio,
O seu ínfimo canto
Vence-o.»
- Carlos Queirós, «Breve tratado de não-versificação»
Que o silêncio é imenso.
Entanto,
Se um grilo canta no silêncio,
O seu ínfimo canto
Vence-o.»
- Carlos Queirós, «Breve tratado de não-versificação»
"Ninguém tem necessidade de ir para qualquer outro lado. Todos nós já lá estamos; só falta sabermos que de facto assim é"
"Ninguém tem necessidade de ir para qualquer outro lado. Todos nós já lá estamos; só falta sabermos que de facto assim é. Se eu soubesse realmente quem sou, deixaria de proceder como a pessoa que julgo ser e, se eu deixasse de proceder como a pessoa que suponho ser, saberia quem sou. O que de facto sou - isto se o maniqueu que eu julgo ser me deixar descobrir o que realmente sou - a reconciliação do sim e do não, subsistindo em aceitação total e na abençoada experiêencia do Não-Dois. Em matéria de religião, todas as palavras são obscenas. Toda a criatura que discorre eloquentemente acerca de Buda, de Deus ou de Cristo, merecia que lhe desinfectassem a boca com fenol.
Em virtude da sua aspiração a perpetuar unicamente o sim em todos os pares de coisas antagónicas, o maniqueu que julgo ser não poderá jamais realizar-se na natureza das coisas; condena-se a si próprio a uma frustração incessantemente repetida; a conflitos incessantemente repetidos com outros maniqueus igualmente ambiciosos e frustrados.
Conflitos e frustrações - eis o tema de toda a história e de quase todas as biografias. "Mostrar-te-ei a tristeza" - eis uma frase realista do Buda. Mas ele mostrou igualmente o termo dessa tristeza - o autoconhecimento de cada um, a abençoada experiência do Não-Dois"
- Aldous Huxley, A Ilha, Lisboa, Livros do Brasil, 1999, pp.48-49.
sábado, 22 de janeiro de 2011
"De todas as coisas que fiz, numa vida comprida como a minha, a melhor foi fazer amor, [...] porque através de um corpo está todo o universo"
- Da esquerda para a direita: Délio Vargas, Artur do Cruzeiro Seixas, Paulo Borges, Alexandre Vargas e António Cândido Franco.
"De todas as coisas que fiz, numa vida comprida como a minha, a melhor foi fazer amor, fazer amor com pessoas, tocar com as mãos um corpo, porque através de um corpo está todo o universo. Isso é o mais importante, muito mais do que a pintura, a arte, os intelectuais, os livros, essas coisas todas" - Artur do Cruzeiro Seixas (citação de memória), no final de um video ontem projectado no Botequim da Graça, na apresentação do livro de António Cândido Franco, Teixeira de Pascoaes nas palavras do surrealismo em português.
Uma noite histórica, acima documentada, com a presença do próprio Cruzeiro Seixas, que será entrevistado e publicará obras suas no nº4 da Cultura ENTRE Culturas.
sexta-feira, 21 de janeiro de 2011
3ª feira, 25, 18.30, FNAC - CHIADO - apresentação do nº2 da Cultura ENTRE Culturas
O nº 2 da revista Cultura ENTRE Culturas será apresentado no dia 25 de Janeiro, pelas 18.30, na FNAC - Chiado, pelo Prof. Dr. António Cândido Franco (Univ. Évora), bem como pelo Director, Paulo Borges, e pelo Director artístico, Luiz Pires dos Reys.
Este número tem como tema "Encontro Ocidente-Oriente" e publica ensaio, poesia, fotografia e pintura.
Colaboradores nacionais: Carlos João Correia, Paulo Borges, Rui Lopo, Ricardo Ventura, Duarte Braga, Maria Sarmento, Ethel Feldman, Sylvia Beirute, Donis de Frol Guilhade, Flávio Lopes da Silva, Miguel Gullander, Miguel Real e Abdul Cadre. Colaboradores estrangeiros: pintor Rômulo de Andrade (Brasil), fotógrafo João Paulo Farkas (Brasil), Dzongsar Khyentse Rinpoche (Butão), monge e cientista Matthieu Ricard (França-Nepal), professores Françoise Bonardel (Sorbonne - França) e Giangiorgio Pasqualotto (Universidade de Pádua - Itália), poeta Vicente Franz Cecim (Brasil), psicólogo Sam Cyrous (Uruguai-Brasil).
A revista publica ainda poesia e textos de Raimon Pannikar, Rumi, Longchenpa, Simeão, o Novo Teólogo, T. S. Eliot e Vergílio Ferreira, bem como dois textos do recentemente falecido pensador António Telmo, entre eles o último que escreveu e deixou inédito.
Uma revista de Todo o Mundo.
arevistaentre.blogspot.com
O próximo número é dedicado a Fernando Pessoa, com um caderno especial sobre Fernando Pessoa e o Oriente, contendo muitos inéditos transcritos do espólio.
À venda nas melhores livrarias do país e na Livraria Couceiro (Santiago de Compostela).
Assinaturas:
Pedidos à editora: 1 Ano (2 números) / 2 Anos (4 números) Portugal: € 30.00 / € 55.00; Europa: € 35.00 / € 65.00; Extra-Europa: € 40.00 / € 75.00.
Pagamento: cheque ou transferência bancária
Âncora Editora - Avenida Infante Santo 52 - 3º esq. 1350-179 Lisboa
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web http://www.ancora-editora.pt
"As latências querem sair à luz, tornar-se, actualizando-se, estados de consciência"
Muito antes da psicanálise, o Yoga mostrou a importância do papel desempenhado pelo subconsciente. O dinamismo próprio do inconsciente é, segundo o Yoga, o obstáculo mais sério que o yogui terá de superar. Isto porque as latências querem sair à luz, tornar-se, actualizando-se, estados de consciência. A resistência que o subconsciente opõe a todo o acto de renúncia e de ascese, a todo o acto que poderia ter por efeito a libertação do Si, é, digamos assim, o sinal do medo sentido pelo subconsciente à simples ideia de que a massa das latências ainda não manifestadas possa falhar o seu destino, ser aniquilada antes de ter tido tempo de emergir e actualizar-se.
Mircéa Eliade, Patañjali e o Yoga, Relógio D'Água Editores, 2000, p.62
Mircéa Eliade, Patañjali e o Yoga, Relógio D'Água Editores, 2000, p.62
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quinta-feira, 20 de janeiro de 2011
A síntese superativa de capitalismo e socialismo numa economia de mercado ecológico-social
"Mais além da economia planificada e da economia de mercado capitalista (na qual primam os interesses do capital e se descuidam as exigências do trabalho e da natureza), é preciso trabalhar na linha de uma economia de mercado de corte social e ecológico em que se busque o equilíbrio entre os interesses do capital e os interesses sociais e ecológicos, isto é, trabalhar na linha de uma economia de mercado ecológico-social"
- Hans Küng, Proyecto de una ética mundial, Madrid, Trotta, 2006, p.30.
- Hans Küng, Proyecto de una ética mundial, Madrid, Trotta, 2006, p.30.
quarta-feira, 19 de janeiro de 2011
terça-feira, 18 de janeiro de 2011
O "homem mais perfeito" versus o "super-homem"?
"Para o auto-sentimento cristão, o homem mais perfeito é o que com mais verdade possa dizer 'eu sou eu'; para a ciência, o homem mais perfeito é o que com mais justiça possa dizer 'eu sou todos os outros' ".
(Álvaro de Campos, Ultimatum)
Nem cá mais verdade.
Nem cá mais justiça.
Para mim, nem uma coisa nem outra. Nem isto:
"O Super-homem será, não o mais forte, mas o mais completo!
O Super-homem será, não o mais duro, mas o mais complexo!
O Super-homem será, não o mais livre, mas o mais harmónico!"
(ibidem)
Nem cá completo.
Nem cá complexo.
Nem cá harmónico.
Homem!
Apenas homem!
Se homem (haja que daí sobre)...
Convocatória
Precisa-se urgentemente de uma nova geração de amigos da realidade, que adorem ver as coisas como são, para além de todos os juízos e conceitos, e que amem imparcial e incondicionalmente todos os seres e tudo, homens, animais e todas as vidas invisíveis, o ar, a água, a terra, o fogo, o planeta, o inteiro universo.
Tu podes ser um deles! Precisamos urgentemente de ti!
Tu podes ser um deles! Precisamos urgentemente de ti!
segunda-feira, 17 de janeiro de 2011
ENTRE
Intervalo onde nos encontramos. Disseste-me que estaríamos Entre. Inventaste um espaço onde tudo seria possível. Amor que não se cansa. Limite que não se conhece. Uma janela - eterno Entre na paisagem.
Tudo em aberto- intervalo inventado por ti, agora finito.
Quando a unidade procura o vazio e quase chega lá, dita a física que esse encontro nunca se faz por mais próximo que seja, em absoluto não existe.
Dá-me então esse relativo, onde existimos sem forma e limite. Este que cresce quanto mais Entre estivermos.
No limite, vivemos fora dele, sempre a procurar o infinito.
No intervalo que acabaste por definir - ilusão de finito, deixámos de amar.
Aparece o o sol a dizer que é azul
Olho e vejo o espectro
Vem o cego, toca meu seio
diz que é preto
eu o sinto tão sem cor, agora!
Falas do elo que falta, e eu te respondo que é na ausência que vivem os meus textos. O silêncio entre a última e a próxima palavra - ali onde respira o que não deve ser dito.
Dá-me um beijo na boca
Intervalo que somos
Um no outro - agora
Entre um beijo e outro
Procura a semente, cultiva, colhe
Fruta da época - Entre uma estação
e outra
Mortas as maçãs do meu pomar
Sementes de novo
Ama enquanto for tempo
Morre dentro do tempo
Semente de novo
Intervalo que não se acaba
Entre - Sempre
Tudo em aberto- intervalo inventado por ti, agora finito.
Quando a unidade procura o vazio e quase chega lá, dita a física que esse encontro nunca se faz por mais próximo que seja, em absoluto não existe.
Dá-me então esse relativo, onde existimos sem forma e limite. Este que cresce quanto mais Entre estivermos.
No limite, vivemos fora dele, sempre a procurar o infinito.
No intervalo que acabaste por definir - ilusão de finito, deixámos de amar.
Aparece o o sol a dizer que é azul
Olho e vejo o espectro
Vem o cego, toca meu seio
diz que é preto
eu o sinto tão sem cor, agora!
Falas do elo que falta, e eu te respondo que é na ausência que vivem os meus textos. O silêncio entre a última e a próxima palavra - ali onde respira o que não deve ser dito.
Dá-me um beijo na boca
Intervalo que somos
Um no outro - agora
Entre um beijo e outro
Procura a semente, cultiva, colhe
Fruta da época - Entre uma estação
e outra
Mortas as maçãs do meu pomar
Sementes de novo
Ama enquanto for tempo
Morre dentro do tempo
Semente de novo
Intervalo que não se acaba
Entre - Sempre
sábado, 15 de janeiro de 2011
sexta-feira, 14 de janeiro de 2011
"Às vezes a realidade abre um rasgão"
quinta-feira, 13 de janeiro de 2011
SOL
O sol aparece sem dizer bom dia. Abraça quem dorme. Toma conta do dia. Nos dias de festa, fica até tarde.
Preguiçoso, adormece comigo na cama. Morre um homem. Nasce outra flor. Chove. Molha meu corpo de novo.
Nos dias de festa, o sol fica até tarde. Dorme comigo. Morre e nasce. Outra vez.
Nas estações de comboio chegavam homens de fora. Das prisões saíam heróis. Abraços que se prolongavam na canção da liberdade.
Não importa se gritavam sozinhos ou acompanhados, os seus pulmões descobriam caminho e entoavam sem medo:
- Camarada!
Homens que choram, sem vergonha do choro. Em cada abraço a memória da luta pela liberdade. Em cada sorriso, a esperança de um novo dia.
Da minha janela vejo o mar. Conto as ondas que se repetem na minha boca. Quando o sol aparece, abraça-me devagar. Peço a ele que fique e me aqueça, entre ir e voltar.
Os pescadores escolhem o melhor peixe. Os eleitos secam devagar, no sol. Voam morcegos nas noites quentes. Não escolhidos, voltam ao mar os peixes sobreviventes.
Morreu de morte matada. Escapou da fome. Regressou ao mar, o peixe que sobrou na rede do pescador. Cantou o galo pior sorte. Ensaguentado o touro explodiu.
Morrem os pobres - felizes antes de morrerem de fome. Desgraça assistida.
De noite conto as estrelas cadentes. Dançam sempre antes de morrer.
Preguiçoso, adormece comigo na cama. Morre um homem. Nasce outra flor. Chove. Molha meu corpo de novo.
Nos dias de festa, o sol fica até tarde. Dorme comigo. Morre e nasce. Outra vez.
Nas estações de comboio chegavam homens de fora. Das prisões saíam heróis. Abraços que se prolongavam na canção da liberdade.
Não importa se gritavam sozinhos ou acompanhados, os seus pulmões descobriam caminho e entoavam sem medo:
- Camarada!
Homens que choram, sem vergonha do choro. Em cada abraço a memória da luta pela liberdade. Em cada sorriso, a esperança de um novo dia.
Da minha janela vejo o mar. Conto as ondas que se repetem na minha boca. Quando o sol aparece, abraça-me devagar. Peço a ele que fique e me aqueça, entre ir e voltar.
Os pescadores escolhem o melhor peixe. Os eleitos secam devagar, no sol. Voam morcegos nas noites quentes. Não escolhidos, voltam ao mar os peixes sobreviventes.
Morreu de morte matada. Escapou da fome. Regressou ao mar, o peixe que sobrou na rede do pescador. Cantou o galo pior sorte. Ensaguentado o touro explodiu.
Morrem os pobres - felizes antes de morrerem de fome. Desgraça assistida.
De noite conto as estrelas cadentes. Dançam sempre antes de morrer.
Johan Rockstrom: Let the environment guide our development | Video on TED.com
Johan Rockstrom: Let the environment guide our development | Video on TED.com
Johan Rockstrom sobre a necessidade de deixarmos o ambiente natural guiar o desenvolvimento humano e sobre a responsabilidade humana na gestão do planeta.
Johan Rockstrom sobre a necessidade de deixarmos o ambiente natural guiar o desenvolvimento humano e sobre a responsabilidade humana na gestão do planeta.
quarta-feira, 12 de janeiro de 2011
Uma ética global para um só mundo
"Se o grupo junto do qual nos queremos justificar for a tribo ou a nação, a nossa moral será provavelmente tribal ou nacionalista. Se, no entanto, a revolução nas comunicações tiver criado um público global, podemos sentir necessidade de justificar o nosso comportamento junto de todo o mundo. Esta alteração fornece a base material de uma nova ética que servirá os interesses de todos aqueles que vivem neste planeta, e fá-lo-á de uma forma que, apesar de muita retórica, nenhuma ética produziu até agora"
- Peter Singer, Um só mundo. A ética da globalização, Lisboa, Gradiva, 2004, pp.39-40.
terça-feira, 11 de janeiro de 2011
"aquele nada que é tudo"
"Oxalá por saber tanto
me apeteça ficar mudo
só então vendo sem ver
aquele nada que é tudo"
- Agostinho da Silva, Quadras Inéditas, p.88.
me apeteça ficar mudo
só então vendo sem ver
aquele nada que é tudo"
- Agostinho da Silva, Quadras Inéditas, p.88.
"Existe uma potência no espírito, que é só livre"
Eu disse algumas vezes que existe uma potência no espírito, que é só livre. Por vezes disse que ela é uma guarda do espírito; outras vezes que ela é uma luz do espírito; às vezes, que ela é uma centelha. Mas agora eu digo: ela não é nem uma coisa nem a outra, no entanto ela é algo mais elevado do que uma ou a outra, tal como o céu o é em relação à terra. Por isso nomeio-a eu agora de um modo mais nobre do que o fiz, apesar de ela escarnecer de tal nobreza e do seu modo, porque é superior a isso. Ela é livre de todos os nomes e despida de todas as formas, em absoluto livre e desprendida, como Deus em si mesmo é desprendido e livre. [...]
Mestre Eckhart, Tratados e Sermões, Paulinas Editora, 2009, p.192
Mestre Eckhart, Tratados e Sermões, Paulinas Editora, 2009, p.192
Política
«We can see other people's behaviour, but not their experience. This has led some people to insist that psychology has nothing to do with the other person's experience, but only with his behaviour.
The other person's behaviour is an experience of mine. My behaviour is the experience of the other. The task of social phenomenology is to relate my experience of the other's behaviour to the other's experience of my behaviour. Its study is the relation between experience and experience: its true field is inter-experience.
I see you, and you see me. I experience you, and you experience me. I see your behaviour. You see my behaviour. But I do not and never have and never will see your experience of me. Just as you cannot "see" my experience of you. My experience of you is not "inside" me. It is simply you, as I experience you. And I do not experience you as inside me. Similarly, I take it that you do not experience me as inside you.
"My experience of you" is just another form of words for "you-as-I-experience-you", and "your experience of me" equals "me-as-you-experience-me". Your experience of me is not inside you and my experience of you is not inside me, but your experience of me is invisibkle to me and my experience of you is invisible to you.
I cannot experience your experience. You cannot experience my experience. We are both invisible men. All men are invisible to one another. Experience used to be called The Soul. Experience as invisibility of man to man is at the same time more evident than anything. Only experience is evident».
R. D. Laing, «The politics of experience», London, 1967.
The other person's behaviour is an experience of mine. My behaviour is the experience of the other. The task of social phenomenology is to relate my experience of the other's behaviour to the other's experience of my behaviour. Its study is the relation between experience and experience: its true field is inter-experience.
I see you, and you see me. I experience you, and you experience me. I see your behaviour. You see my behaviour. But I do not and never have and never will see your experience of me. Just as you cannot "see" my experience of you. My experience of you is not "inside" me. It is simply you, as I experience you. And I do not experience you as inside me. Similarly, I take it that you do not experience me as inside you.
"My experience of you" is just another form of words for "you-as-I-experience-you", and "your experience of me" equals "me-as-you-experience-me". Your experience of me is not inside you and my experience of you is not inside me, but your experience of me is invisibkle to me and my experience of you is invisible to you.
I cannot experience your experience. You cannot experience my experience. We are both invisible men. All men are invisible to one another. Experience used to be called The Soul. Experience as invisibility of man to man is at the same time more evident than anything. Only experience is evident».
R. D. Laing, «The politics of experience», London, 1967.
segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
A realidade, comovida, agradece mas fica no mesmo sítio. (Mário Cesariny)
A realidade, comovida, agradece
mas fica no mesmo sítio
(daqui ninguém me tira)
chamado paisagem
[…]
Ela sabe que os pintores
os escritores
e quem morre
não gostam da realidade
querem-na para um bocado
não se lhe chegam muito pode sufocar
Mário Cesariny,
Poema VII de “A Cidade Queimada”, in Titânia e a Cidade Queimada (excerto),
Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1977, pág. 92 e seg.
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