sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

A grande comunidade cósmica



- Jerónimo Bosch, Jardim das Delícias.

"Nós, enquanto partes do universo, somos todos irmãos e irmãs: as partículas elementares, os quarks, as pedras, as lesmas, os animais, os humanos, as estrelas, as galáxias. Houve um tempo no qual estivemos todos juntos sob a forma de energia e partículas originárias, na esfera primordial, depois dentro das gigantes estrelas vermelhas, de seguida na nossa Via Láctea, no sol e na Terra. Somos feitos dos mesmos elementos. E, enquanto seres vivos, possuímos o mesmo código genético dos demais seres vivos, das amibas, dos dinossauros, do tubarão, do macaco-leão dourado, do australopiteco, do homo sapiens-demens contemporâneo. Um vínculo de fraternidade/sororidade une-nos objectivamente, coisa que São Francisco já intuía misticamente no século XIII. Formamos a grande comunidade cósmica. Temos uma origem comum e, certamente, um destino comum"

- Leonardo Boff, Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres [a partir da edição castelhana: Ecología: grito de la Tierra, grito de los pobres, Madrid, Trotta, 2006, p.64].

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Oração dos Indios Navajos

Feliz possa caminhar.
Feliz com abundantes nuvens negras possa caminhar.
Feliz com abundantes chuvas possa caminhar.
Feliz com abundantes plantas possa caminhar.
Feliz por uma senda de polen possa caminhar.
Feliz possa caminhar.
Como aconteceu em dias distantes possa agora caminhar.
Que defronte de mim seja tudo belo.
Que atras de mim seja tudo belo.
Que debaixo de mim seja tudo belo.
Que por cima de mim seja tudo belo.
Que derredor de mim seja tudo belo.
Belo belo acaba aqui. Belo belo acaba aqui.


trad. de Herberto Helder (in Poesia Toda)

Quem se eu gritasse, me ouviria pois entre as ordens
Dos anjos? E dado mesmo que me tomasse
Um deles de repente em seu coração, eu sucumbiria
Ante sua existência mais forte. Pois o belo não é
Senão o início do terrível, que já a custo suportamos,
E o admiramos tanto porque ele tranquilamente desdenha
Destruir-nos. Cada anjo é terrível.
E assim me contenho pois, e reprimo o apelo

De obscuro soluço. Ah! A quem podemos
Recorrer então? Nem aos anjos nem aos homens,
E os animais sagazes logo percebem
Que não estamos muito seguros
No mundo interpretado. Resta-nos talvez
Alguma árvore na encosta que diariamente
Possamos rever. Resta-nos a rua de ontem
E a mimada fidelidade de um hábito,
Que se compraz connosco e assim fica e não nos abandona.
Ó e a noite, a noite, quando o vento cheio dos espaços

Do mundo desgasta-nos o rosto -, para quem ela não é sempre a desejada,
Levemente decepcionante, que para o solitário coração
Se impõe penosamente. Ela é mais leve para os amantes?
Ah! Eles escondem apenas um com o outro a própria sorte.
Não o sabes ainda? Atira dos braços o vazio
Para os espaços que respiramos; talvez que os pássaros
Sintam o ar mais vasto num voo mais íntimo.
(…)
Finalmente não precisam mais de nós os que partiram cedo,
Perde-se docemente o hábito do que é terrestre, como o seio materno
suavemente se deixa, ao crescer. Mas nós que de tão grandes
mistérios precisamos, para quem do luto tantas vezes
o abençoado progresso se origina -: poderíamos passar sem eles?

Excerto da Primeira Elegia de Duíno (Rainer Maria Rilke,1875-1926)

FESTA

Entre touros e porcos - sangue
O homem trabalha todos os dias
Num só, mata a sede e a fome
O corpo treme e fode

Aquele morreu de morte matada
Na cela o grito seco, calado
No corpo, a dor não revelada
Um buraco na terra
Dentro dela, a mulher adúltera
No rosto, a vergonha explorada
Na mão do justiceiro, pedras
Na procissão, um anjo de cera
Nas costas, o peso
 
Entre touros e porcos -  sangue
Ordena a tradição, submissão
Grita o porco por compaixão
Na mão do homem - faca afiada
De morta matada
Morreu apedrejada
Um é preto, outro pobre
Criança sem nome, com fome
Na rua, a procissão
Nas costas, um anjo
Pobres de espírito
Pobres, sem nome
 
Dia de festa

Dá-me teu corpo suado, em nome do Homem
Rega meu ventre de vinho, em nome do Homem
Rasga-me por dentro, em nome do Homem
Amanhã parte, em nome da Liberdade

Ama.

Mário Cesariny e a Filosofia Portuguesa em entrevista a António Cândido Franco




" - Não valoriza a Filosofia Portuguesa?

- Não valorizo, nem desvalorizo. Prefiro chamar-lhe a filosofia dos portugueses. Como movimento não me interessa; enquanto obra de personalidades independentes, sim. Olhe o Agostinho da Silva é forte, apesar daquilo vir também de outro lado qualquer, que ainda não se percebeu onde fica. E os estudos de António Telmo são muito bonitos. É o mínimo que se pode dizer.

- Foram eles que mais falaram do Teixeira de Pascoaes quando todos se calavam.

- É verdade, apesar dalguns deles falarem muito do Pascoaes, para depois virem dizer, como o Mário Garcia, que o Leonardo é melhor"

- Entrevista de Mário Cesariny a António Cândido Franco, in António Cândido Franco, Teixeira de Pascoaes nas palavras do surrealismo em português, Licorne, 2010, pp.41-42.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

JANTAR

Jantei ontem na casa da Aurora. Entre corredores e portas habitam quadros, livros, estantes. Preso ao tecto, no hall de entrada dança uma mandala azul, feita de lixo reciclado.
No caminho para a casa de banho pensei nas voltas que dou à procura de um espaço para respirar. Não fosse o lavagante à minha espera no prato e teria ficado mais um bocado sentada na sanita, ganhando folego.
Existir, nem sempre é fácil. Aqui todas as paredes estão decoradas. Aqui habita a cultura arrumada em prateleiras. Os castiçais são originais. Uns tem mais velas que outros. Perguntam-me se festejei o Hanukkak, no dia 2 de Dezembro.  Como o poderia? Nunca sei a data. A última vez que o celebrei foi na escola primária.
- O lavangante reclama tua presença!
Na sala de jantar, no canto direito um pinheiro lembra o Natal. No meu prato, um lavangante morto faz-se acompanhar de uma salada verde. Em seguida, um perú completa a festa dos animais sacrificados. Estamos na quadra onde todos fazem votos de felicidade. Enquanto ela corta a perna do animal, ele levanta o cálice em nome do amor ao próximo.
Na sala partilha-se um passado que me esqueci. Ele reclama, ela exclama. Se eu pudesse regressava à casa de banho. Não consegui contar todos os azulejos. Uns são mais verdes que os outros. Não sei quantos são.
- Vocês fizeram obras na casa?
- Só na casa de banho. Colocámos as máquinas, lá. Assim ficam longe da cozinha.
Lembro do forno. Dentro dele, restos de perú guardados. No lixo, as cascas dos lavagantes.
Peço desculpas, estou cansada e já passa da meia-noite. Despeço-me agradecida.
Entre abraços e beijos, ansiosa pergunto:
- Não se importam que eu volte cá um dia destes? Preciso acabar de contar os azulejos mais verdes.
A noite está fria. Na minha casa respiro entre quatro paredes namoradeiras. Um dia corro o risco da sala se transformar num corredor, tal é a tentação dessas paredes serem só uma.

Ser o que se é?

"Sê plenamente o que és, meu caro amigo, e torna-te contagioso" - Agostinho da Silva.

É fácil e gratificante citar isto, mas deveríamos desconfiar por isso mesmo, sobretudo quando visamos autojustificar o nosso comportamento habitual.

Afinal o que quer dizer Agostinho? Sabe alguém o que é? O que somos é o que pensamos, dizemos e fazemos? E alguém "é" algo, na verdade, estático, permanente e definitivo?

domingo, 26 de dezembro de 2010

Universalismo, nacionalismo, patriotismo

Do mesmo modo que o universalismo engrandece os homens e as nações, assim o nacionalismo e o patriotismo estreito os apequenam. Não podes prestar um bom serviço à tua nação, se não cuidares o bem da humanidade e do mundo.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Lugar Presente

A Todos

Cristais surgem
no imprevisível Dia
a névoa veste de igual brancura
ásperas rochas e frágeis construções.
Arrábida traz no ventre
ancestrais murmúrios por decifrar
soam nas cordas do tempo
convento de sonho no beiral do espaço
os pássaros cantam o azul do Sado
a manhã avança
com o brilho da Paz
o Céu acaricia a Serra e o sorriso das Crianças
coroadas dançam no pulsar da Natureza.
Pudesse o momento alcançar a Hora
o Filho consolador
renascer da Pureza
de Natal presente o Amor...

Feliz Natal

Neste Natal

Parto em busca do amanhã. Encontro assistido, presente. Dia em que todos lembram de todos. Quente é o ar que respiro. Abraço o dia. Invento a tua cama, nela me deito - até sempre.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Fiandeira

(Deixo este de Pessoa:
«Entre o sono e o sonho
Entre o sonho e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim...»
[Todo o poema é esta "velação"]:
"E quem me sinto e morre/No que me liga a mim/Dorme onde o rio corre - [que] "Esse rio sem fim.")
Se me permitem, fio aqui este Natal.
Desejo-vos um bom "Entre-natal".)





Dorme! Que os cabelos embranquecem
Na roca em que fias a verdade das vestes:
Nua, repousa o fuso das horas na chama que te vela.
Não há sono nas árvores nem nos frutos
Há em cada entrelaçar do fio, uma narrativa exemplar.

Há em cada ponto que a luz acende, uma malha que cai.
Assim, até à nudez original das vestes, vai fiando sem repousar.
Não há corvos nem pássaros a sobrevoar o Dia!
Dorme! Dentro do tronco nodoso da casca.
Não fia só a roda de fiar, nem só silêncio tece.
Sem janelas, sem porta, Sem torre.
Guarda-te o cão a carne nos dentes.

Dorme ainda! Visitou-a o Sol
E a Lua guarda a corda e o tom do abandono.
Calam-se tarde as vozes! o jardim-sepulcro ainda espera nada.
Dorme! Contam-te a história enquanto dormes.
Escuta a nota desse som: sem ouvidos, sem boca.
Buraco no tecido aberto do ser.
Dentro da casa, as árvores de fora envelhecem
Os ramos que sobem pelo leite dos altos arvoredos.
Imóveis cantam.
É Natal!
Um fio de luz acorda pela janela fechada.
Fias ainda.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

"O estado do mundo está ligado ao estado da nossa mente" - Leonardo Boff




"O estado do mundo está ligado ao estado da nossa mente. Se o mundo está doente isso é sintoma de que a nossa psique também está doente. Há agressões contra a natureza e vontade de domínio porque dentro do ser humano funcionam visões, arquétipos, emoções que conduzem a exclusões e a violências. Existe uma ecologia interior tal como uma ecologia exterior e condicionam-se mutuamente"

- Leonardo Boff, Ecologia: grito da terra, grito dos pobres.

Hoje, 18h, Direitos dos Animais e Equilíbrio Ecológico - debate com o candidato Defensor de Moura




Caros amigos

Hoje, 4. Feira, 22 de Dezembro, às 18h, no Anfiteatro III da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, tem lugar mais um debate sobre Direitos dos Animais e Equilíbrio Ecológico, desta vez com o Dr. Defensor de Moura. Após o debate com o Dr. Fernando Nobre, Defensor de Moura é o segundo candidato presidencial a aceitar um convite enviado a todos e que visa introduzir estes temas na agenda política nacional.

Organização da revista Cultura ENTRE Culturas com o apoio do Partido pelos Animais e pela Natureza e do Movimento Outro Portugal.

Os dois números da revista estarão à venda no evento.

Agradecemos a divulgação e aproveitamos para informar que os dois números da revista estão à venda nas principais livrarias do país, bem como na Livraria Couceiro, na Praza de Cervantes, 6, em Santiago de Compostela, na Galiza.

Assinaturas são bem vindas.

Com votos de Boas Festas e saudações interculturais

Paulo Borges

arevistaentre.blogspot.com

sábado, 18 de dezembro de 2010

"...mudar o Estado"

"O problema dos políticos é o de mudarem o governo: o meu é o de mudar o Estado. Contam eles com o voto ou a revolução. Conto eu com o curso da História e a minha vocação e o meu esforço de estar para além dela" – Agostinho da Silva, Cortina 1 (inédito).

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Pessoa?

Resistindo, dir-se-ia, persistindo modernamente, sempre sem descarrilar, no trilho enigmático do conhece-te-a-ti-mesmo apolíneo, parece ter sido o veredicto de Rimbaud o que não obstante também tomou por preceito.
Foi assim, materializando tudo quanto lhe atravessava o espírito em torno de heterónimas ou ortónimas mas sempre distintas autorias, que à letra levou a consciência fragmentária sua contemporânea: formando, afinal, diversas unidades estilísticas e, com elas, unidades correspondentemente diversas da própria experiência do seu ser Pessoal.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Sugestão de leitura:

http://isabelrosetevozes.blogspot.com/

Saudações poéticas,
IR

Espírito Santo, Tao e Zen segundo Agostinho da Silva

"[...] pouco se fez quanto a teologia do Espírito Santo, em si própria, e nas ligações que parecem existir com atitudes como as do Tao ou as do Zen; talvez, neste ponto, o puro estudo teológico levasse a entender melhor a facilidade e a fecundidade das ligações dos portugueses dos Descobrimentos com as civilizações do Oriente e desse a base de partida para que realmente se unissem as duas formas de comportamento no mundo"

– Agostinho da Silva, “Notas para uma posição ideológica e pragmática da Universidade de Brasília” [1964-1965], in Dispersos, p.245.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

"O reino da vida é um equilíbrio movediço entre o parasitismo e a simbiose" (Michel Serres)

 

"... a grande amizade e o grande amor são aqueles que dão sem pedir..."

"Só sabemos, seguramente, de uma amizade ou de um amor: o que temos pelos outros. De que os outros nos amem nunca poderemos estar certos. E é por isso talvez que a grande amizade e o grande amor são aqueles que dão sem pedir, que fazem e não esperam ser feitos; que são sempre voz activa, não passiva"

Agostinho da Silva, Sete Cartas a um Jovem Filósofo [1945], in Textos e Ensaios Filosóficos I, p. 267.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

ALQUIMIAS
De Ângelo Rodrigues

Introdução
Por Isabel Rosete

Erotismo, sensualidade, irreverência imagética, mesclados por um pensamento de fertilidade singular, que sempre tenta fugir à vulgaridade, ao ridículo do dizer comum das frases feitas, para isto ou para àquilo, tanto na presença dos temas ordinários, como perante a manifestação dos mais insólitos ou hilariantes, são os traços unificadores de Alquimias.

Entre a tanga e a treta ou a treta e a tanga (tanto faz!), entre Deus e o Diabo, ou qualquer outra silhueta do género, Ângelo Rodrigues caminha rumo a uma realidade realista (o pleonasmo é propositado) e quase-surrealista, num dizer marcado por uma poética da sensibilidade dos interstícios. Vai às entranhas do trivial e extrai-lhes o sumo e o miolo. Nada passa despercebido aos seus olhos microscópios inscritos numa alma de filósofo. Sim, de filósofo! Aquele que vê para além das aparências e que, tal como o poeta, que também é, sorve os pormenores das coisas-mesmas na sua essência primogénita.

Homens, mulheres, meninas, vampiros e outras criaturas que tais, estão, ao mesmo tempo que pairam e vagueiam, pelas páginas desta antologia policromática e multiforme. Mas, não são os únicos! Também há a Deolinda, os extra-terrestres, a vizinha do lado, o Sebastião e o Sócrates, o Soares e o Manel Feijão que, em competição ou não, partilham o mesmo “esperma sagrado” em qualquer “tourada à portuguesa”.

Espelhos e sonhos, bruxas e papas (sejam lá de quê!) envolvidos em estórias de incógnitas, mistérios, enigmas, por vezes esfíngicos, convidam o leitor a uma saga onde a Palavra – em poesia ou em prosa – fala mais alto, entre os anjos e os homens, entre o céu e o inferno. Mas antes, detenhamo-nos num passo intermédio: o Purgatório, onde os primeiros pecados são redimidos. E depois? Avança-se rumo ao infinito próximo da mortalidade a que estamos, irremediavelmente, sujeitos.

Todos os caminhos de bifurcam por entre o céu azul, a procura da verdade, algures por encontrar, no campo ou na cidade, em qualquer espaço deste mundo, ora visível, ora empoeirado ou enevoado, delimitado por um Tempo que sempre passa e só volta no ressurgimento das memórias do cantar e do celebrar.

Alquimias é, ainda, o esconderijo de muitos segredos onde o autor se revela, de um modo peculiar, também pelas letras das suas canções. Ao pensar e ao poetar, junta-se o musicar. A arte das musas, na sua linguagem universal, circunda o espírito do autor ávido do dito e do não-dito, acompanhado pelas aves do seu paraíso ou pelo cavaleiro das estrelas de um céu claro que lhe/nos indica um certo Destino.

Inventemos, exorcizemos…ousemos uma outra linguagem ou até uma meta-linguagem, de um certo ponto de vista, para dizer o aparentemente inefável, o que é encoberto por um pudor inexplicável, como se tudo no Homem e na Vida não fosse pura naturalidade. É este, seguramente, um dos grandes apelos de Ângelo Rodrigues, sempre para além ou para aquém de qualquer máscara ou dissimulação.

Um espírito sensível e sensibilizado, dialogante e afinado, como é o do autor, abrange e espalha-se por todos os lugares, até mesmo por aqueles que se mostram mais inacessíveis. Acompanha os passeios de Deus e os da Humanidade, bailando no centro das almas, nem sempre dispersas. Está, aí, em parte certa ou incerta, a escutar o Mundo na sua máxima exuberância ou esplendor, como Dionísio, em pleno estado de embriaguez, nas entranhas da Terra, sentindo com os instintos sem afastar a Razão, movendo-se pelo excesso (medido) de todas as hipérboles, ousadas ou não ousadas, mas sempre personificadas e presentificadas nas frontes de todas as noites iluminadas, esperando, expectante, na face oculta do Mistério.

Consagra-se como poeta, e como os poetas, aos silêncios falantes e à peregrinação, inevitável a todos os seres humanos, no campo da Verdade e da Imortalidade, num Éden, outrora perdido, que urge, agora, re-inventar.

Rejeita o tédio e a claustrofobia quotidiana para que não se lhe esgote a alma. Também busca o Amor, tomado como um propósito determinado e um fado (o fado fadado de todos os homens, sem excepção alguma), como uma força implacável que o move, consciente ou inconscientemente, sem eufemismos, na presença do perfume das rosas.

Aqui está, Ângelo Rodrigues, com as suas Alquimias, uma obra de um ecletismo incomparável – conto, poesia, prosa, canções, entrevistas, aforismos, filosofias e outras coisas que tais – acompanhado pelo desejo do Todo, da Plenitude, porém com impaciência, numa espécie de catarsis musical proporcionada pela linguagem das aves migratórias, tão errantes como ele próprio, que ao seu ouvido sussurram, iniciando-lhe e iniciando-nos uma espécie de terapia poética, rondante dos limiares do absoluto, entre os domínios da vida e da Morte, nem sempre em silêncio, nem sempre em oração.

E assim escapa às encruzilhadas paralelas do labirinto do Minotauro, pisando o fio de Ariana visível, quiçá, em qualquer noite de Lua cheia, de onde o nevoeiro se afasta, definitivamente. E porquê? “Porque sim!” Sem perplexão.

Bebamos mais um sonho possível na lúcida loucura das palavras inebriantes deste mago dos mais indecifráveis enigmas, entre o céu e a terra, os mortais e os divinos, num eterno-retorno do outro e do mesmo, por vezes, num certo lastro de dúvida metódica.

Isabel Rosete
Janeiro de 2009

Fernando Pessoa(s)

Amo Pessoa, particularmente Álvaro de Campos, o "engenheiro naval", nascido em Tavira (Algarve, Sul de Portugal), no dia 15 de Outubro de 1980. Escreve «razoavelmente mas com lapsos como dizer “eu próprio” em vez de “eu mesmo”».


«É alto, magro, e um pouco tendente a curvar-se (...) entre o branco e o moreno, cabelo porém liso e normalmente apartado ao lado, monóculo (...). Numas férias fez a viagem ao Oriente de onde resultou o "Opiário". Ensinou-lhe latim um tio beirão que era padre».

Em sintonia com Bernardo Soares, está o autor da «Mensagem», desapartado de Caeiro – «pura e inesperada inspiração» – e de Reis, exemplificação «de uma deliberação abstracta, que subitamente concretiza numa ode».

Mas, «como escrevo em nome dos três?», pergunta Pessoa, a si mesmo, Pessoa ortónimo. A resposta do Poeta é clara em todo o seu aparato enigmático, próprio da heteronomia: «Campos, quando sinto um súbito impulso para escrever e não sei o quê. (O meu semi-heterónimo, Bernardo Soares, que aliás em muitas coisa se parece com Álvaro de Campos, aparece sempre que estou cansado ou sonolento, de sorte que tenha pouco suspensas as qualidades de raciocínio e de inibição; aquela porosa é um constante devaneio (...). Sou eu menos o raciocínio e a afectividade», afirma Fernando Pessoa numa Carta dirigida a Adolfo Casais Monteiro, sobre a origem dos seus heterónimos, publicada na revista «Presença», Nº 49, Junho, 1937.

Isabel Rosete
Não somos Sócrates,
Não abraçamos a Morte
Como um Bem supremo.

A morte do outro,
A morte de nós mesmos,
Sempre esperada,
Sempre adiada,
Sempre próxima,
Sempre distante!

Uma figura do Destino,
Implacável,
Que conduz todas as coisas,
Ao seu próprio fim.
Um estado outro,
Que nem ousamos imaginar.

Apavora,
Atormenta…
Sempre está aí
Numa outra face,
Algures oculta.

Sempre está aí
Numa presença, ausente,
Que não queremos presentificar.

IR

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

CIGARRA

Canta a cigarra. Desce a colina sem pressa. Inventa o passo, adorna o compasso. Equilíbrio descontinuado. Sonha com a  Primavera. Sorri da desfeita do tempo. Um dia nasce o sol, noutro vive apagado.
Abraça nos bares, o corpo do viajante. Um passo atrás dita o bom senso. Um passo à frente, adivinha o horizonte. Enquanto dorme, acorda. Enquanto canta, chora. Preguiçosa se entrega na madrugada. Suores a lembrar a montanha. Solitária descobre-se do outro lado.
Canta cigarrra
Canta
que o mal espantas.
No pântano nasce outra flor.

"Sempre fomos um povo de sonhos maiores do que nós"

“Sempre fomos um povo de sonhos maiores do que nós. E só por tê-lo sido, mesmo na aberração ou na vertigem, nos consolamos e nos orgulhamos, até ao absurdo, de ser quem somos. Nisto estão conformes Camões, Vieira e Pessoa, que nos ofereceram em verso os impérios da realidade, do sonho e da virtualidade. A lusofonia é hoje o nosso mapa cor-de-rosa onde todos esses impérios podem ser inscritos, invisíveis e até ridículos para quem nos vê de fora, mas brilhando para nós como uma chama no átrio da nossa alma”

– Eduardo Lourenço, A Nau de Ícaro seguido de Imagem e Miragem da Lusofonia, p.177.

Cultura Lusófona, Cultura Universal


O projecto Cultura ENTRE Culturas prolonga-se na página Cultura Lusófona, Cultura Universal no Facebook, para a qual estão todos convidados: http://www.facebook.com/pages/Cultura-Lusofona-Cultura-Universal/172568096097549


Por uma Lusofonia universalista, aberta a Todo o Mundo

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

PALADAR DA LOUCURA - LANÇAMENTO DIA 18- 18HS. PRÍNCIPE REAL




 Prefácio
“A vida sem fim”

Conheci a poesia intensa de Ethel Feldman quando a sua paixão incendiária e luminosa visitou o meu blogue Serpente Emplumada e o da revista Cultura Entre Culturas. Porque a poesia de Ethel é isso: fogo e luz. Fogo de um amor cuja saudade o recria em tudo e luz de quem redescobre a eternidade dessa fusão a cada instante. Poesia de mulher total, que assume todas as possibilidades do feminino, da carne ao espírito, em seu âmago se celebra o encontro-beijo redentor que suspende a ilusão de haver dois:

“Sou a puta da esquina, sou a virgem Maria.
Se o teu tempo for só de um segundo será nele que inventarei a eternidade.
Se o teu tempo for de um compasso, que seja de pausa, porque urge o silêncio.
Se for um desenho que seja branco – tão intenso.
Eterno é o momento quando me beijas por dentro”

É esse o tempo “sem hora marcada”, o “tempo sem tempo” e por isso “com tempo de ser”, epifania que advém no seio da mais funda embriaguez, essa em que a amada se torna o vinho que o amante bebe, em versos cúmplices da atmosfera do grande Rumi:

“Dá-me vinho antes do amanhecer
Com o cálice a transbordar
Banha-me nele até que embriagada
Eu seja o vinho que agora bebes”

O beijo dos amantes culmina num “eterno abraço” que fulgura no “intervalo” do existir, vazio e espaçoso, “modo de ser sem ser”, pois esta poesia, de paixão e “fogo-posto” sob a pele, também o é de desprendimento, o sapiencial desprendimento da vida que, tal o poema, renasce a cada instante da própria morte e voa ainda para além de si, pela comunhão desse “presente” onde cessa todo o “enredo”:

“Como o poema que nasce em cada estrofe
Morrendo abro caminho à vida”

“Nascer e morrer no mesmo dia. Entre nascer e morrer – voar.
[…]
Qual é o enredo da vida quando se encontra o presente?”

Tal como a vida que há nela, também de si mesma esta poesia se evade, ciente de só se habitar o mundo a partir do tácito abandono das prisões do dizer:

“Se quiseres continuar a estar
Abandona a palavra que te prende”

            Unindo o que visões mais estreitas separam, aqui é a própria paixão que conduz ao cume meditativo em que a presença do mundo se avoluma na consciência de como é “preciosa” essa “vida” que nas mínimas coisas se agiganta, pelos silêncios intervalares que as fazem cintilar na plenitude do vazio que entremostram:

            “Parece que o mundo cresce dia após dia. Uma flor que nunca vi. Uma nota que passou desapercebida. A migalha de pão esquecida na mesa. Preciosa é a vida. Cada intervalo de silêncio ampliado até à plenitude deste imenso e fantástico vazio”

            Tudo isto porque Ethel, ou quem por seu nome assina, vem de “Outras Paragens”, esse “lugar desconhecido” que afinal todos trazemos “mesmo junto do coração”. Se “em cada homem o universo se exibe inteiro”, este belo e comovente livro é também de cada um e de todos nós. Assim nos deixemos adubar da consciência disso, para que, como diz a poeta, em nossa mão também possa nascer uma “flor”, a flor de na sua leitura nos lermos, desencantando esse mais fundo sem fundo que em tudo sem tardar nos espera.
            Obra cuja “façanha” é nascer do coração, bem entremostra toda a imensidade de onde tão singelas e fundas palavras brotam:

            “Quem dera a vida nascesse do fim
            E os que tudo esqueceram
            Amassem quem nunca aprendeu
            Quem dera a vida fosse
            Um leve calafrio na espinha
            Um beijo na boca
            Um tímido ai
            Um dia sem data
            A vida sem fim”

            A vida não é porventura senão isso, Ethel. E este Paladar da Loucura, tão “sem fim” como a vida que canta, confirma o que escreveu Platão:

            “[…] o delírio, segundo o testemunho da Antiguidade, é uma coisa mais bela do que o bom senso: o delírio que vem de um Deus é melhor que um bom senso cuja origem é humana” (Fedro, 244 d).

            Assim é. Assim seja.


Paulo Borges 

"Conhecermos não para sermos donos, mas para sermos mais companheiros das criaturas vivas e não vivas [...]"

"Há quem acredite que a ciência é um instrumento para governarmos o mundo, mas eu preferia ver no conhecimento científico um meio para alcançarmos não domínios mas harmonias. Criarmos linguagens de partilha com os outros, incluindo os seres que acreditamos não terem linguagens. Entendermos e partilharmos a língua das árvores, os silenciosos códigos das pedras e dos astros. Conhecermos não para sermos donos, mas para sermos mais companheiros das criaturas vivas e não vivas com quem partilharmos este universo. Para escutarmos histórias que nos são, em todo momento, contadas por essas criaturas"

- Mia Couto

Lugares onde pode encontrar ainda o nº1 da revista Cultura ENTRE Culturas

Lugares em Lisboa onde se pode encontrar ainda o nº1 da revista Cultura ENTRE Culturas, além do nº2, que está distribuído pelas principais livrarias do país:

Livrarias Letra Livre - Calçada do Combro, 139; Rua da Barroca, 57, na Galeria Zé dos Bois, (Bairro Alto).
Livraria do Instituto Franco-Português, na Av. Luís Bivar, 91.
Botequim da Graça (junto à Igreja da Graça)
Associação Agostinho da Silva, Rua do Jasmim, 11, 2º (ao Príncipe Real, da parte da tarde; contactar: 21 3422783 96 7044286)
Escola Superior de Educação Almeida Garrett - Largo do Sequeira, 7 (junto à Igreja de São Vicente, na Graça).
União Budista Portuguesa - Av. 5 de Outubro, 122, 8º esq. (a partir das 17h).

Uma revista de Todo o Mundo

NEVE


Neva na montanha. Em cada vale o abismo tenta a felicidade de quem se perde pelo caminho.
Gritam as gaivotas no alto mar.  Fogem as raposas do caçador.
O Outono ambienta o Inverno. Um colibri descobre-se fora da estação. Perdido, alivia o canto.
Na casa amarela o branco dá conta da cor. Dentro dela, um homem sozinho lamenta o engano. 
Adormece, alivia a dor.  
Acorda, pede socorro.
Lá fora, neva. 
Em cada vale, um rio congelado.
Rema o pescador contra corrente, inventa o isco, mata o peixe.
Fogem as raposas, silencia o colibri.
Uma folha amarela molhada de neve.
Uma flor que não se descobre. Nasce o sol em cada manhã. 
Escorrega a neve, pesada de tanto nevar.
Excesso que atormenta.
Foge o peixe da morte certa.
Uiva o lobo com fome.
Uma ovelha desgarrada, grita.
Nascem  meninos com frio.
Primavera que tarda.
Monta o cavalo a fémea em hora de fome.
Relincha a égua a violência.
Nasce o pobre.
Sacrifício que não se sustenta.
Na beira da estrada, uma vala.
Em todas descobre-se lama.
Na beira do rio um barco sem dono.
Abandonado
Um homem morre.
Desperta na Primavera.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

A vocação universal de Portugal segundo Agostinho da Silva


"Portugal, o grande, o todo, o de amarelos, brancos, pretos e vermelhos, o de islamitas, cristãos, judeus, animistas, budistas, taoistas, o da América, Europa, Ásia, África, Oceânia, o dos municípios, tribos e aldeias, o de monarquias e repúblicas, o dos grandes espaços conhecidos e o dos espaços ignotos ainda, dentro e fora do homem, o Portugal núcleo de formação de uma União Internacional dos Povos para o desenvolvimento, a liberdade e a paz, […] deve, audaciosamente, preceder os outros povos, estabelecendo ensino ou aprendizagem superior que estejam já encaminhados a uma era em que o homem seja plenamente criador e deixe como traço de sua passagem na vida esse aproximar-se cada vez mais da essência da criação divina"


- Agostinho da Silva, "Educação de Portugal [1970]", in Textos Pedagógicos II, pp.126-127.

the unveiled, between space and time

Apresentação de "Descobrir Buda", pelo Professor José Eduardo Reis



Apresentação de Descobrir Buda. Estudos e Ensaios sobre a via do Despertar (10 de Novembro, Colóquio "Oriente-Ocidente: Diálogos e Cruzamentos", Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa)

Do livro de Paulo Borges que me é dada a honra de fazer a apresentação, gostaria de começar por dizer que no seu título – “Descobrir Buda. Estudos e Ensaios sobre a via do Despertar” – se inscreve uma subtil polarização e uma equivalência simétrica de sentidos, de que talvez não convenha hermeneuticamente abusar, mas que não deixa de fornecer uma via de acesso à leitura do conjunto de textos de que se faz anúncio. A equivalência simétrica de sentidos estabelecida entre o primeiro sintagma “Descobrir Buda” e o último “via do Despertar” é interpolada pela informação de que essa condição de revelação ontológica surge discursivamente reflectida sob a forma de uma subtil polaridade exegética “Estudos e Ensaios”, termos que, por sua vez, na sua simétrica oscilação, correspondem a diferentes ângulos – filosóficos, religiosos, espirituais, mais ou menos discretos, mais ou menos articulados ou mais ou menos convergentes entre si com variações de intensidade de cada um deles – ou seja, correspondem a diferentes vias de aproximação à possibilidade da auto descoberta de ser ou devir Buda, e que o autor se propõe intelectualmente cartografar. Mas se essa simetria de sentidos equivalentes entre o nome “Buda” e o verbo “Despertar” afasta qualquer dúvida quanto à geografia, digamos assim, cultural, intelectual, doutrinal em que se situam estes estudos e ensaios filosóficos, religiosos e espirituais, já o facto de a enunciação de Buda não ser precedida de um artigo definido indica que não estamos perante um livro de iniciação ao pensamento e acção de um venerável fundador de uma religião, nem face a uma descrição sistemática e analítica sobre o seu legado doutrinal e filosófico-religioso – o Buda histórico – mas diante de uma exposição que tem como propósito a auto-inquirição especular e ressonante – o descobrir-se Buda – quanto aos pressupostos, aos desenvolvimentos e os efeitos axiológicos do que assumidamente o autor considera ser uma virtualidade ou possibilidade ontognoselógica. Virtualidade ou possibilidade essa certamente remissível a quem pela primeira vez no tempo e no espaço a indicou por se descobrir e se dar a descobrir como o Buda, o Desperto, mas que neste livro não surge explicitada como um estado afim do da ideia comum de uma suprema realização ou proeza comandada pela consciência subjectiva e pessoal do sujeito biográfico que a manifestou, antes, e sobretudo, como uma condição existencial a um tempo rarefeita e concreta, ou como “um estado de consciência plenamente livre de todos os véus e condicionamentos”. Ora, é sobre as múltiplas formas de se aceder a um tal estado, que, no limite, é insusceptível de ser descrito, explicado e comunicado por via da razão discursiva – e não por acaso logo o segundo texto tem por título “o Silêncio de Buda” –, que Paulo Borges disserta e discorre com o conhecimento adquirido, enriquecido e legitimado pela sua experiência de praticante e discípulo, desde 1983, do corpo vasto de ensinamentos filosóficos, religiosos e espirituais das tradições do Grande Veículo (Mahayana) e do Veículo do Diamante (Vajrayana) do budismo tibetano. E disserta e discorre não só com erudita proficiência, minuciosamente explicitada nas 635 notas de pé de página disseminadas pelos 10 ensaios que constituem o livro, mas também com notável rigor e clareza de linguagem, muitas vezes enriquecida por reinvestimentos semânticos da língua portuguesa, seja por recurso à decomposição silábica de termos com um lastro conceptual originalmente inadequado à abertura da significação pretendida, seja pela tentativa da criação de novos termos vernáculos derivados da terminologia filosófica budista. Disserta e discorre, portanto, a partir da sua experiência de praticante espiritual budista e com a inteligência do estudioso e do ensaísta que, trabalhando criativamente com o quadro de referências que lhe servem de fundamento e orientação, sabe evitar excursos dogmatizantes ou abordagens em tom proselitista dissuasoras da recepção dialogante e crítica das teses que enuncia e problematiza sobre a via do despertar ou do descobrir-se Buda. Disserta e discorre enfim, praticando e tendo em atenção como escreve no prefácio, a “própria exortação do Buda a que as suas palavras não sejam aceites irreflectida e acriticamente”.
Como apreciação geral poderíamos dizer, assim, que estamos perante uma obra que, apesar de coligir um conjunto tematicamente diversificado de textos, na sua maioria escritos para atender a diferentes solicitações académicas e pedagógicas, apresenta uma coerente articulação de propósitos e de sentidos. Articulação de propósitos que se projectam como sendo simultaneamente divulgadores e problematizadores de aspectos fundamentais da filosofia e da prática meditativa budista, derivados quer dos postulados base e “provisórios” associados à verdade relativa das “quatro nobres verdades”, quer das “abissais” e desconcertantes formulações sobre a verdade absoluta reveladas pela sabedoria prática do Buda, transmitidos em obras fundamentais do multiforme e multilingue universo espiritual, intelectual e doutrinário budista e conforme aos seus três ciclos ou veículos de ensinamentos do Hinayana, do Mahayana, do Vajrayana. Aspectos fundamentais esses competentemente processados por uma notável capacidade de assimilação e de explanação sintética do autor, certamente aprofundada e autenticada pela sua própria experiência meditativa e pela sua disponibilidade em aprender de fonte directa com qualificados e reconhecidos professores da tradição budista tibetana, a quem, aliás, presta reverencial tributo no prefácio do livro
Mas articulação também de sentidos, dos mais acessivelmente compreensíveis, como os que são elementar, concisa e claramente comunicados no texto de abertura “Budismo”, aos mais complexos nas suas formulações temáticas e nas aplicações e desenvolvimentos heurísticos, digamos assim, dos operadores conceptuais inferidos da “Via do Buda”, ou do “dharma do Buda” – expressões que, pela abertura supra religiosa e supra eclesiástica que evocam, Paulo Borges considera serem mais adequadas e correctas do que o termo “Budismo” para definir o legado do Buda histórico. Tais formulações, aplicações e desenvolvimentos são vertidos em textos de teor contra-intuitivo, negadores de pontos de vista comuns e perturbadores de consagradas proposições filosóficas, como, por exemplo, o que aborda o conceito budista de karma aplicado à ordem natural e à experiência mental e ética do mundo, ou o que incide sobre a visão búdica da identidade pessoal. Articulação de sentidos que nos parece assim ordenada segundo o princípio do mais simples para o mais complexo, em diferentes planos, e de algum modo seguindo a lógica dos três ciclos ou veículos de ensinamentos do Hinayana, do Mahayana e do Vajrayana, e aparentemente assumida por Paulo Borges como testemunhando níveis de aprofundamento e de progresso espiritual na experiência do desvelamento da condição de Buda. Se bem que essa mesma lógica seja por vezes aplicada ao desenvolvimento do argumento central de cada um dos estudos e ensaios, ela não visa, porém, demonstrar uma hipotética superioridade doutrinal ou eficácia espiritual de um sistema sobre outro, mas tão somente ilustrar a aplicação daquilo que na tradição búdica se designa por “meios hábeis” ou meios de instrução que, visando o despertar das consciências para a verdadeira realidade de si e das coisas, tomam em linha de conta as circunstâncias, os contextos e os níveis de compreensão e de empenhamento dos destinatários a que se dirigem esses meios desbaratadores da “ignorância” e da “ilusão”.
Tendo, portanto, sempre como nexo fundamental de ligação entre os estudos e ensaios o tema da “via do despertar”, este livro aborda essa possibilidade em vários planos, correspondentes a diferentes matérias da filosofia relativos ao ser e agir (os já referidos ensaios sobre a identidade pessoal e sobre as implicações éticas da experiência do mundo) ao conhecer e ao devir (os ensaios com os títulos, respectivamente, “Budismo, ciência e realidade” “o Silêncio de Buda” são disso exemplo), mas também a matérias do domínio do pensamento e da prática religiosa afins do da escatologia e da soteriologia (A morte no Budismo. Da contemplação da impermanência à vida pós-morte e à descoberta da imortalidade), ou do sentido da experiência espiritual, tal como esta se pode comparativamente inferir da noção de vacuidade, explicitada pelo filósofo e místico budista Nagarjuna (século II), e da visão apofática de Deus, de Pseudo-Dionísio Areopagita.
Três traços, porém, me parecem ser os dominantes e comuns a todos os ensaios orientados para a caleidoscópica possibilidade do Despertar: (i) o da compreensão budista, (e cito) “mais de dois mil anos antes de Kant, das ciências cognitivas e da física quântica”, da inseparabilidade entre a realidade e a consciência, entre o mundo e a sua determinação pela actividade mental dos seres que o constituem (o ensaio Budismo, Ciência e Religião, funciona como uma propedêutica a este tópico recorrente); (ii) o da explicitação da noção de vacuidade como se reportando ao ensinamento do Buda sobre a verdadeira natureza, fluida, impermanente e interdependente dos fenómenos materiais e mentais; (iii) o relativo à maneira de se proceder visando a aplicação das terapias adequadas à extinção do sofrimento causado pela incompreensão prática daquelas duas subtis evidências, a da interdependência entre mundo e consciência, e a da vacuidade dos fenómenos. E neste ponto há a salientar que a exigente prática dos ensinamentos budistas visando o “despertar”, inclui também, tal como se pode inferir da leitura de alguns destes estudos e ensaios, a sua própria auto-desconstrução, a sua própria evacuação. É esse aliás o procedimento inscrito na própria estrutura do livro, cujo ensaio axial, inserido a meio da sua ordenação, leva por título ‘“Se vires o Buda, mata-o!’ Ensaio sobre a essência do budismo”, e cujo final se conclui com dois textos sobre o Dzogchen. Sobre esse corpo subtilíssimo e polémico de ensinamentos que, numa perspectiva gradual e no âmbito do budismo tibetano, situando-se para além do radical desconstrutivismo lógico do sábio budista Nagarjuna (século II) e da escola do Madhyamika do Mahayana, se propõe fornecer como instrução última o reconhecimento de que a agitação dualista mental, “tal uma brisa movendo-se através do céu”, é experienciável como manifestação indissociável “da perfeição natural e absoluta de todas as coisas”. Particularmente nestes ensaios se assoma, por mais de uma vez, a tese fundamental de que o “descobrir-se Buda” ou o “despertar” é um estado de consciência que na sua radical inefabilidade só pode ser intelectualmente traduzido e descrito como libertador e liberto dos constrangimentos emocionais e obscurecimentos mentais, como superador das quatro possibilidades de predicação lógica A, não A, A e não-A, nem A nem não-A, ou seja do tetralema necessariamente evocado na própria construção argumentativa da possibilidade desse estado de consciência. Estado que se desvela como uma espécie de retorno ou de reencontro com o fundo sem fundo espiritual da condição da experiência de nós e dos outros, sem pontos de apoio ou de discernível categorização. Fundo sem fundo diante do qual a erudição paciente e pedagógica e a capacidade intelectual e filosófica de Paulo Borges, animada por uma determinação vocacional de generosa partilha do seu saber, se auto-suspende nos limites da funcionalidade e da verdade relativa e dualista em que comummente se situa porque hiperconsciente dos efeitos insidiosos do ensinamento iconoclasta de Nagarjuna – que, mais que uma vez, surge citado no corpo do livro: “Aqueles que mantêm discursos sobre o Buda, o qual transcende todo o discurso, toda a modificação, todos, extraviados pelos seus próprios discursos, não vêem o Tathāgata”
Neste sentido, e como última consideração, gostaria apenas de acrescentar, que talvez o termo mais adequado para sintetizar a modalidade de trabalho que presidiu à composição destes estudos e ensaios de Paulo Borges foi o da tradução: tradução da búdica e experiencial verdade absoluta para a intelectual e humana verdade relativa; tradução de expressões várias da sabedoria budista de origem oriental para o contexto do pensamento, da religiosidade e da espiritualidade ocidental, tradução para a língua, cultura e discurso académico portugueses dessa mesma sabedoria.
Trabalho de tradução esse que, quando bem executado como é o caso, é sempre uma forma de “dizer quase a mesma coisa” na expressão de Umberto Eco, sendo que o dizer aqui é quase o mesmo que não dizer, ou os dois simultaneamente, ou nem um nem outro, ou seja um dizer que se articula como uma espécie de música executada por uma orquestra oculta, e que Paulo Borges traduz como tendo a sua origem neste “espaço livre e absoluto” aquele que fazemos “de conta que não o vemos, que não o somos” e que nos leva geralmente a pensar, a sentir e a agir “que a Liberdade e a Luz não são o nosso Bem mais íntimo e inalienável…”


José Eduardo Reis

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

No nº 2 da revista Entre: "Em que medida é que é possível formar o seu espírito para que funcione de forma construtiva, substituindo a obsessão pela satisfação, a agitação pela calma, o ódio pela benevolência? " (Matthieu Ricard)

"Há cerca de vinte anos, a afirmação de que, na hora do nascimento, o cérebro já contém todos os seus neurónios, e que este número não é alterado pelas experiências vividas, constituía um dogma genericamente aceite pelos investigadores das neurociências. Actualmente, sabemos, pelo contrário, que até ao momento da morte se verifica a produção de novos neurónios, difundindo-se até o conceito de neuroplasticidade que dá conta do facto de o cérebro evoluir continuamente em função das nossas experiências, podendo ser profundamente transformado na sequência de um treino específico, como a aprendizagem de um instrumento musical ou de um desporto, por exemplo. Ora, a atenção, o altruísmo e outras qualidades humanas fundamentais podem também ser cultivadas, dependendo igualmente de um saber-fazer que é possível adquirir.
Um dos grandes dramas da nossa época consiste em subestimar consideravelmente a capacidade de transformação do nosso espírito. Os nossos traços de carácter perduram enquanto não fizermos nada para os transformar, ou enquanto deixarmos que as nossas disposições e automatismos não só se mantenham mas até que se reforcem, pensamento após pensamento, dia após dia, ano após ano."
Hoje, dia 7, às 18.30h, no Botequim da Graça, Paulo Borges faz,  com Dirk Hennrich e Rui Lopo, mais uma apresentação do nº2 da revista Cultura ENTRE Culturas, em tertúlia subordinada ao tema Encontro Oriente-Ocidente.  A não perder !!

Hoje, dia 7, 18.30, no Botequim da Graça (junto à Igreja da Graça)


Hoje, dia 7, 18.30, apresento no Botequim da Graça, com Dirk Hennrich e Rui Lopo, o nº2 da revista «Cultura ENTRE Culturas», numa tertúlia com o tema "Encontro Oriente-Ocidente". A revista e o projecto "Cultura ENTRE Culturas", com colaboração internacional, visam promover o diálogo intercultural como um dos grandes desafios do nosso tempo, em prol de um universalismo autêntico, via do meio entre nacionalismo cultural e globalização homogeneizadora.

Uma revista de Todo o Mundo.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Hoje, Domingo, 15.30, "Do sofrimento à felicidade pela sabedoria e pela compaixão"

Encerrarei hoje, às 15.30, o Ciclo de Conferências “Da Dor à
Redenção” com uma palestra intitulada “Do Sofrimento à
Felicidade pela Sabedoria e pela Compaixão”. Apresentarei também o livro Descobrir Buda e o nº2 da revista Cultura ENTRE Culturas.

Sala anexa à Igreja de Santo António de Campolide. Entrada livre.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Visitante

Abriu a porta. Do lado de lá um sorriso deixava adivinhar boa gente.Abriu a janela para arejar a sala. Ofereceu a poltrona do avô. Pediu que se acomodasse enquanto ia à cozinha buscar chá quente do Himalaya. Aquelo rosto era familiar. Reconhecia em seu corpo, abrigo. 
Todos as manhãs preparava um chá para quem pudesse aparecer no fim da tarde com frio. Anos a fio, bebeu o chá sozinha.
Sentada em frente à poltrona vazia, aquecia as mãos na chávena de chá. Olhava o vazio. Enrolada na manta, lembrava de nada. Não conheceu o dono da casa, seu avô. Inventou que a poltrona teria sido dele  e respeitou essa propriedade sem nunca lá se sentar.
A despensa estava cheia de bolachas de canela e gengibre. Quando saía para as compras comprava sempre um pacote, não fosse a casa ficar cheia de gente e faltarem as bolachinhas na hora do chá. Abriu um pacote, esqueceu de verificar que a data de expiração já era de há cinco anos. Pouco importa a data agora. As bolachinhas velhas ainda estavam crocantes.
O tempo dita o limite da vida. É tão curto o tempo de agora. Já quase nascemos fora de prazo.
Da janela da cozinha sentiu a brisa fria do mar. As gaivotas anunciavam peixe morto na beira-mar. A noite estava próxima e corria o risco de passar a hora do chá.
Numa bandeja de prata colocou o bule herdado da casa, as chavenas brancas a lembrarem papel de arroz, um pratinho sem cor repleto de bolachinhas. Umas mais doces, outras picantes. 
Ajoelhou-se delicadamente como se seu corpo tivesse perdido o peso. Serviu o chá. Ofereceu ao visitante uma bolacha fora de prazo.
Em frente, sentou-se. Abraçou com as mãos a sua chávena. Enrolou-se na manta velha da casa. Esperou.
Sorriu. Largou a vontade. Notou o cansaço. Sentou-se criança. Partiu.
Dizem que a morte aparece sem avisar.

Poesia do Eu

A neve tomou conta da minha rua.  Abro a janela, deixo que o frio abrace meu corpo. No céu o fumo é testemunha de outrora. Esvazia a memória, morre a poesia.  Entre a dor que foi e volta, um sorriso intervala o eu.

oh blame not the bard

oh blame not the bard - if he fly to the bowers

where pleasure lies carelessly smiling at fame

he was born for much more and in - happier hours

his soul might have burnt with a holier flame

the string that now languishes loose - over the lyre

might have bent the proud bow of a warrior's dart

and the lip which now breathes - but the song of desire

might have poured the full tide - of a patriot's heart

[...]

Thomas Moore, in Irish Melodies, in Elegant Extracts [...], in Caves do Vinho do Porto, Gaia, 1963 & ss..

Lotus

Chove no pantanal, 
molha o rio,
abraça o lodo

Joga a noiva
arroz semeado
Povoa a colónia 
enquanto for viva


Chora a viúva atrasada
Diz ao amante, 
amo-te  agora que és pó

Voa a borboleta
Encontra o dia
tempo de estar

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

“Examples gross as earth exhort me” (William Shakespeare)



Alternativas para o estado do mundo - unir meditação, política e economia

Vivemos numa era de incertezas e perplexidades. O sonho de progresso da humanidade desde a Revolução Industrial converte-se num pesadelo e o paradigma da nossa civilização entra em colapso, com a ameaça de uma catástrofe ecológica e o sofrimento crescente de homens e animais. Uns vêem a única solução na espiritualidade, outros na política e na economia. Porque não uni-las, coisa que nunca foi tentado à escala global? Porque não investir numa nova geração de políticos e homens de acção que façam da meditação laica, enquanto treino mental para só pensarem no bem de todos, o seu alimento quotidiano e constante? Não será o momento de introduzir exercícios meditativos, que tornem a mente calma, lúcida e sensível, sem qualquer acrescento religioso, em todas as esferas da nossa existência, desde a saúde e a educação à vida empresarial e política? Sinceramente, não vejo outra solução e alternativa para a crescente barbárie em que já nos encontramos.

Muito problema se tenta resolver por meio da política: a chave, no entanto, a tem a santidade"

- Agostinho da Silva, Pensamento à Solta, in Textos e Ensaios Filosóficos II, p.152.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

vou fazer muitos poemas e engatar muitas raparigas. e fazê-las
pensar que sou daqueles que passo horas em frente ao mar, a estudar
o voo ascendente dos peixes, a deitar gotas de
cio nas palavras para
que se sintam desejadas. vou fazer muitos poemas de amor, tantos
quantos possíveis para engravidar todas as raparigas solteiras do
mundo que me queiram ler. e ter filhos
que mais tarde vêm ter
à minha porta e ver que eles são aquilo que inventei para serem.
ter nos versos um certo desgosto para que tenham pena e me
atirem beijos do mar em que estão. quando me sentar para
escrever quero ser homem aos poucos, ter a felicidade de uma
rameira ao finalmente chegar a casa, pôr o fogão no mínimo,
abeirar-se da cama e sonhar com o milagre das coisas boas.
vou fazer muitos poemas, tantos que a minha mãe me dirá
para parar se não quiser enlouquecer. mas eu digo-lhe, que
assim seja, que me afunde contra as palavras e o mundo seja
apenas um verso
em que arrisco a vida.
as raparigas solteiras vão ficar palermas ao ler os meus poemas
que falam e soletram
aquilo que elas escondem debaixo das suas saias. vão querer
tatuar frases minhas no fundo das costas para que junto delas
reclame direitos de autor.
e vou rimar fogo e água no mesmo coração,
e vou tirar as botas às letras
maiúsculas, depois abrir a torneira aos dias claros e existir longamente.

as raparigas solteiras não vão querer ficar menstruadas no dia em
que fizer poemas, e o meu pai bater-me-á
se cometer uma qualquer discordância ortográfica, e nem me deixará mudar de linha
enquanto a noite tiver escárnio na língua. as casadas que me perdoem
mas vou fazer muitos poemas para as raparigas solteiras, tirar-lhes
as medidas letra a letra e acabar nos seios delas com uma
menção honrosa. quando escrever quero mijar no tempo
para não perder demora, fazer de conta que a vida me fascina
e ser a terra onde o cão esconde o osso.
inventarei um morto
e roubarei ao Herberto Hélder sangue e luz dos seus livros
para assim cantar como canta o fogo

Vou fazer muitos poemas, tantos que a caneta ejaculará a
sua tinta azul fluorescente por toda a página e as raparigas
solteiras pensarão que a proeza foi toda minha, e
perguntarão à minha mãe onde vou morrer esta noite,
onde guardo o nome dos remédios valiosos
vou escrever nos bilhetes de comboio,
nos manuais de instruções,
nos peitos das aves,
nos sinais de trânsito,
no coração da luz,
no cu do judas,
no céu do meu quarto,
vou ter grandes erecções
só de pensar que nenhum crítico me vai ler, que nas estantes
bibliotecárias só os poetas loucos me dirão, podes vir.
ah, vou fazer tantos poemas que os animais vão querer provar desse pasto,
a lua vai-se algemar e a solidão vai fugir com um italiano.
vou dar cabo das religiões,
entrar no fogo da simbologia,
abrir o túmulo do Fernando Pessoa e sacar-lhe inéditos. e as raparigas
solteiras vão-me admirar toda a eternidade, vão querer casar com
todos os meus eus, os meus mins que andam de cá para lá algures
entre o crânio e os carpos. e eu, assombrado como um deus
a aprender o instinto, a ter amor em cada palavra
e matar
a anterior.
E as raparigas solteiras que não sabiam que matar
era morrer, choram, ao perceberem que o poema afinal, acaba mal

"Os povos serão cultos na medida em que entre eles crescer o número dos que se negam a aceitar qualquer benefício dos que podem"

"Os povos serão cultos na medida em que entre eles crescer o número dos que se negam a aceitar qualquer benefício dos que podem; dos que se mantêm sempre vigilantes em defesa dos oprimidos não porque tenham este ou aquele credo político, mas por isso mesmo, porque são oprimidos e neles se quebram as leis da Humanidade e da razão; dos que se levantam, sinceros e corajosos, ante as ordens injustas, não também porque saem de um dos campos em luta, mas por serem injustas; dos que acima de tudo defendem o direito de pensar e de ser digno"

- Agostinho da Silva, “O Terceiro Caminho”, Diário de Alcestes [1945], in Textos e Ensaios Filosóficos I, p. 217.

16 de Dezembro, 19h - Debate com o Dr. Defensor Moura, candidato presidencial, sobre Direitos dos Animais e Equilíbrio Ecológico



A exemplo do que aconteceu em 24 de Junho, com o Dr. Fernando Nobre, a revista Cultura ENTRE Culturas promove agora um debate público com o Dr. Defensor Moura, enquanto candidato à Presidência da República, sobre os direitos dos animais e a questão ecológica. Serão dirigidos convites aos outros candidatos.

O moderador será Paulo Borges e a organização é da revista Cultura ENTRE Culturas, com o apoio do Partido pelos Animais e pela Natureza e do Movimento Outro Portugal, respectivamente representados na mesa por Paula Pérez (Conselho Nacional do PAN) e Luís Miguel Dantas (Comissão Coordenadora do MOP).

Empenhada em trazer estes temas para a agenda política nacional, a organização agradece ao Dr. Defensor Moura ter aceite o coinvite.

A revista Cultura ENTRE Culturas, dedicada ao diálogo intercultural e ao despertar da consciência cívica para as grandes questões planetárias, estará à venda no evento.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

génese

6ª feira, 3, 19h - Tertúlia "Educar para quê?" e apresentação da "Cultura ENTRE Culturas" na Escola Superior de Educação Almeida Garrett



Abertura das actividades do Centro de Estudos da Lusofonia Agostinho da Silva, na Escola Superior de Educação Almeida Garrett, Largo do Sequeira, 7 (Junto à Igreja de São Vicente, a seguir à Voz do Operário, na Graça)

1 de Dezembro - Dia da interindependência



Nunca houve nações independentes. Todas foram, são e serão interdependentes, ou, quando muito "interindependentes", como gostava de dizer, de nós todos, Raimon Pannikar.

Todavia, nesta interindependência, há que assumir a responsabilidade de a gerir, orientando-a na melhor direcção possível para todos. Sem uma ideia e um projecto não existe uma comunidade, uma nação, um povo. Mas essa ideia, esse projecto, devem ser hoje trans-nacionais, gerando um novo sentimento de comunidade: para além das diferenças nacionais, culturais e linguísticas, a comunidade daqueles que visam um mundo melhor para todos os interindependentes e se decidem a realizá-lo desde já nas suas vidas, sem esperar pelo Estado, sempre ocupado com o que menos importa.

É este o projecto de um Outro Portugal, dimensionado à escala planetária, que se especialize no universal, no abraço ao mundo e a todos os seres vivos.

É este o Portugal que urge fundar, por sobre as ruínas do velho Portugal e do velho mundo que agonizam.

Valete, Fratres!

Agostinho da Silva e Portugal como mediador da interculturalidade

"Portugal descobriu, quase sempre por fora, o Oriente, a África, a América Latina e o de fora trouxe à Europa; precisa agora de os descobrir por dentro e de a eles, neles se dissolvendo, levar a Europa"

- Agostinho da Silva, Pensamento à Solta, in Textos e Ensaios Filosóficos II, p. 151.