sexta-feira, 30 de abril de 2010

Colóquio Internacional "Do diabólico ao simbólico: a filosofia de Vilém Flusser" - 3 e 4 de Maio

Colóquio Internacional "Do Diabólico ao Simbólico: A Filosofia de Vilém Flusser"
Anfiteatro IV, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

Organização: Paulo Borges / Dirk Hennrich; Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa

Segunda-Feira, 3 de Maio

14:30 ABERTURA
15:00 - 15:30 Gustavo Bernardo Krause. - “MEU BEM, VOCÊ NÃO ENTENDEU NADA.” A DÚVIDA DE VILÉM FLUSSER.
15:30 – 16:00 Joaquim Domingues. - O MUNDO NOVO DA LÍNGUA - HOMENAGEM A VILÉM FLUSSER
16: 00 – 16:30 Jorge Leandro Rosa. - A RELAÇÃO COM O INARTICULÁVEL. LINGUAGEM, COMUNICAÇÃO E ONTOLOGIA EM VILÉM FLUSSER.
16:30 – 17:00 – Debate
17:00 – 17: 15 - Intervalo
17:15 – 17:45 José Bragança de Miranda. - A NOÇÃO DE APARATO EM VILÉM FLUSSER
17:45 – 18:15 Jorge Rivera. - SUPERFÍCIES, LINHAS, NÓS: AS OPERAÇÕES DA IMAGINAÇÃO E O PENSAMENTO DE VILÉM FLUSSER.
18:15 – 18:45 Louis Bec. - LE VAMPYROTEUTHIS INFERNALIS: UNE PREUVE D’AMITIÉ (PROJECTION, IMAGES ET VIDÉOS)
18:45 – 19:15 – Debate e encerramento.

Terça-Feira, 4 de Maio

Abertura

11:00 – 11:30 Rui Lopo. - A FILOSOFIA DA LINGUAGEM DE VILÉM FLUSSER
11:30 - 12:00 Dirk-Michael Hennrich. - A “COISA”, EM VILÉM FLUSSER E EUDORO DE SOUZA
12:00 - 12:30 Rodrigo Cunha - O DESIGN SEGUNDO VILÉM FLUSSER.
12:30 - 13:00 Rainer Guldin. - ACHERONTA MOVEBO: DO MEFISTOTÉLICO NA OBRA DE VILÉM FLUSSER
13:00 - 13:30 – Debate e Intervalo para almoço
15:00 – 15:30 – Jacinto Godinho. - O ESPECTADOR DE FLUSSER
15:30 – 16:00 - Paulo Borges. - O DIABÓLICO EM VILÉM FLUSSER
16:00 – 16:30 António Braz Teixeira. - O SAGRADO E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA EM VILÉM FLUSSER
16:30 – 17:00 - Debate
17:00 – 17:15 – Intervalo
17:15 – 17:45 - Apresentação da revista Cultura ENTRE Culturas, com um inédito de Vilém Flusser. Encerramento.
18:30 Louis Bec – ARTAXONOMIQUE ET HYPOZOOLOGIE (na Livraria do Instituto Franco-Português)

Ressurreição e Reincarnação-Renascimento

XXII Jornadas Teológicas
Faculdade de Teologia – Braga

4 a 6 de Maio de 2010

[Entrada Livre]

Tema
«Ressurreição e Reincarnação-Renascimento»

Programa

Dia 4 de Maio (Terça-feira)

21h00

– Introdução
«Diferenciação do universo crencial dos que acreditam na ressurreição e na reencarnação»

Doutor Eduardo Jorge Duque;
Professor na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Católica Portuguesa

– Conferência
«A Ressurreição na perspectiva Bíblica»

D. António José da Rocha Couto, Bispo Auxiliar da Diocese de Braga


Dia 5 de Maio (Quarta-feira)

21h00

–Mesa Redonda:
«E depois da morte? Diálogo entre Budismo e Cristianismo»

Prof. Doutor Paulo Alexandre Esteves Borges – Professor do Departamento de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e Presidente da União Budista Portuguesa.
Título: Nem nascimento, nem morte, nem renascimento: vacuidade e bardo (entre-dois) na experiência budista

Prof. Dr. Carlos Henrique do Carmo Silva – Professor de Filosofia da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa.
Título: «Anástasis – Ressurrectio, nem reincarnação mítica, nem renascimento espiritual»

Moderador: Prof. Doutor João Duque – Director-Adjunto da Faculdade de Teologia – Braga, da Universidade Católica Portuguesa

Dia 6 de Maio (Quinta-feira)

21h00
– Momento musical
– Coro Académico do Centro Regional de Braga da UCP
– Conferência –
«Abordagem contemporânea da Ressurreição em registo teológico»
Prof. Doutor Andrès Torres Queiruga – Professor da Universidade de Santiago de Compostela

A vida é uma narrativa onde a única regra cumprida é que ela acaba. Não importa se a vírgula está desajustada, sequer interessa se o conteúdo é pobre. A vida acaba mesmo que o texto seja criança ou velho. A vida acaba em cada oração impressa. A vida acaba no fim do soneto. A vida acaba em cada rima perdida.

A vida reaparece no teu traço eterno antes que eu te leia o poema.

Doce sem medo a vida diz que é hora de atravessar o espaço, de finalizar o texto, de rimar com fim.

FIM

Deixo o passado adivinhar o gesto enquanto perco a memória do que fui quando parti de ti.

ah ! A vida agora sem verso acaba no FIM.

olha o desenho! lembras de ti outrora, presa no A4? Sem mãos à espera do milagre da ressurreição
olha o desenho! lembras da dor que te invadiu o compasso e sequer um círculo soubeste cumprir?

esquece enquanto recordas.

a vida acabou.

já foste embora.

ADEUS

vou deixar a palavra ser assoprada devagarinho. se começar por uma vogal deixo que a lingua passeie pelo céu da boca até se cansar, quando for uma consoante a língua estará pousada à saída da minha boca. vou assoprar como se assobiasse uma canção devagar, tão devagar que me esqueço do sentido dela. assim a palavra cresce e morre entre o inspirar e expirar. liberta do pensamento a palavra voa sem destino. o silêncio mostra a face em cada intervalo desse meu jeito de estar. um dia quando eu crescer serei somente esse intervalo - um modo de ser sem ser.

Aos pedaços

"Sofrimento que ninguém descreve,
como um peso na alma [...]
é a dor das águas que o moinho mói, é a
dor que não sabe onde é que dói".
Dante Milano


Vivemos num tempo de fragmentação cultural e subjetiva. Um tempo em que a dor, a morte, o amor, a alegria, o sucesso e o fracasso das pessoas que a mídia escolhe para melhor vender seus produtos são tratados como peças de um game de proporções globais. A mesma pessoa, às vezes voluntariamente exposta, outras vitimada ou incensada por alguma espécie de notoriedade que a torna de interesse público, ganha faces diferentes e até contraditórias, segundo o veículo e o repórter ou comentarista.
Os fatos são avaliados, analisados, discutidos, dissecados, julgados e definidos por diversos critérios, em polêmicas que parecem sérias, mas na verdade perdem qualquer credibilidade quando se observa com isenção tudo que se comenta e sentencia a respeito. Falta lógica, falta objetividade e, como se o mundo se tivesse tornado uma torre de Babel, cada qual fala uma língua, sem entender nem se preocupar com a do outro, e todos são donos da verdade.
A intelligentsia-classe-média, representada pela mídia de mais recursos e poder, toma conta dos assuntos e manipula opiniões, às vezes respeitáveis, para dar ao público uma resposta capaz de aplacar inquietações, dúvidas e escrúpulos. Podemos dormir tranquilos. Afinal, quem somos nós, pobres anônimos, pra pensar diferente? Assim se encerra a polêmica e cada qual veste a opinião alheia a seu jeito, como quem veste uma roupa de segunda mão vendida pelos jornais, revistas, canais de televisão, noticiários radiofônicos.
Armado o jogo, vilões, mocinhos, princesas, bandidos, vítimas e algozes ficam nítidos e fáceis de entender. E o drama, a dor alheia, a notícia pungente da primeira manchete ganham um colorido atraente, confortável, divertido até.

O príncipe pouco romântico casou com a amante feiosa, mas como ousaram quebrar o padrão consagrado dos amores principescos, caíram num irremediável ridículo.
A moça que vegetava (será mesmo que vegetava? Alguém pensou e sentiu com seu cérebro, percorreu as terminações nervosas de seu corpo, experimentou as sinapses que ainda funcionavam nela?), a moça que para todos os efeitos vegetava foi eliminada aos olhos do mundo, sem ao menos gozar da paz e da privacidade que se supõem necessárias a quem vai morrer.
O papa Paulo VI entrou no período final de sua vida e foi filmado, fotografado, visto e revisto enquanto a agonia tomava conta dele em plena janela aberta do Palácio do Vaticano, ao vivo e em cores. E quando já nem esse espetáculo angustioso podiam oferecer, filmaram sua oração calada e humilhada de costas para as câmeras. Qual o sentido dessa notícia, dessas imagens?
Talvez essas figuras, configuradas para o consumo, travestidas de informação, sirvam como um bom suporte para a projeção das dores de cada um, dos conflitos subjetivos, anônimos, que não têm solução ou impõem tanto esforço, tanto desgaste e sofrimento.
Talvez assistindo ao tormento e à agonia alheios, deixando-nos envolver num drama, real ou inventado, que não é nosso, o tempo passe mais depressa e nos poupe de nossa própria dor. Talvez, chorando de pena daquela figura virtual, minha perda fique mais suave, o amor rasgado e o silêncio de uma ausência em minha vida se percam no burburinho que me cerca. Ou o trabalho mal-remunerado, o convívio desgastante, as frustrações, aquilo que grita e pesa dentro de cada um silenciem um pouco.
É tão mais duro e tão mais difícil olhar de frente o que se passa em nós! Temos desejos que nunca se realizam. Sentimos hostilidade por pessoas que não podemos agredir ou afastar; é tanta a ansiedade, angústia que não se sabe de onde vem, tristeza, depressão. Sem que se perceba, a vida individual fica ainda mais vazia diante do grandioso espetáculo das imagens misteriosamente importantes, belas, mágicas, que merecem retratos coloridos e sorriem sempre, belas e inatingíveis. Mas não faz mal que nossos problemas fiquem ainda mais agudos, se temos um anestésico tão poderoso. Sofre-se menos, quando se faz parte da imensa multidão para quem a vida vai passando em branco.

Quinta da Fabrica 1729



quinta-feira, 29 de abril de 2010

A lusofonia não é lusófona, mas universal

A lusofonia não é lusófona, mas universal

(excerto)

A lusofonia não cobre um fundo cultural comum, mas é um espaço de eclosão cultural aberto. Não há uma cultura lusófona, nem as culturas que se encontram no espaço da lusofonia estão marcadas, de forma indelével, por uma mesma intencionalidade destinal. O que se pode dizer é que o espaço lusófono se apresenta ao mundo como a possibilidade de se romper com o regime logocêntrico que marca a vigência da metafísica ocidental enquanto configuração civilizacional criadora de uniformidade e instauradora dum fechamento onto-fenomenológico da experiência humana do mundo em relação ao horizonte grácil da emergência da vida espiritual veiculadora duma cultura eco-eudemoníaca, sem a anomalia sapiensial que separa o humano do animal, a sociedade da natureza, o terrestre do celeste.

A uniformização eurocêntrica leva à destruição das culturas ancestrais que eclodiram para lá dos constrangimentos do totalitarismo da mesmidade sem um avesso de si que a interpelasse à dissolução transmutadora. E aqui cabe uma chamada de atenção para algo que tem que ser atendido com seriedade: a instrumentalização da cultura portuguesa e do pensamento português, nascido à margem da metafísica sem um impulso interno para o outro de si, para os colocar ao serviço dum gesto totalitário análogo à totalitária imposição da mundividência eurocêntrica ao resto do mundo, não só se apresenta como um erro grotesco, como atraiçoa o sentido espiritual da expansividade da vida ética e do pensamento seminal para o ainda não pensado, para o preterido pela tradição metafísica ocidental, próprio do pensamento português e assumido por autores tão importantes quanto, por exemplo, Antero de Quental, Leonardo Coimbra, Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa, José Marinho, Eudoro de Souza, ou Agostinho da Silva, para só referir estes e para não referir os que hoje seguem na sua senda .
E a Língua Portuguesa não é constringente em termos espirituais e existenciais, ou seja, não aparece como um obstáculo até mesmo à sua ultrapassagem – tem sido um útero aberto à emergência de outras vias de apropriação linguística do mundo, coisa própria de uma língua viva, capaz de dar à luz outras línguas.

Por isso, qualquer tentativa de domesticar a língua, de a contratualizar em nome de imperativos económicos e políticos, é um passo na destruição da lusofonia, do que ela tem de mais original e imperioso para o mundo, a sua não constringência em termos espirituais.

A Língua Portuguesa não conhece fronteiras, não se institui como um território mental instaurador de barbarismos. Desse centro de divergência coalescente, não se vê nem estrangeiros nem bárbaros. Ter a Língua Portuguesa como Pátria, indo para além do lugar comum pessoano que tem sido usado para tudo e para nada, é não ser mais do que cidadão do Universo, encarado como o que, a cada instante, em cada um dos existentes e a cada um engloba numa corrente de transcensão transmutadora e re-criadora. É no diverso que se dá a patência da conversão plenificante ao que a tudo excede e, nesse excesso, tudo abraça num amplexo oceânico, sem fundo e sem margens.

- Paulo Feitais, "A lusofonia não é lusófona, mas universal", Cultura ENTRE Culturas, nº1 (Lisboa, 2010), pp.20-21.

arevistaentre.blogspot.com

Heidegger e o Oriente



No próximo dia 29 de Abril, pelas 17h (Anf.IV da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa), Dirk Hennrich dará uma prelecção sobre o tema "Heidegger e o Oriente".

Liberdade de Expressão


quarta-feira, 28 de abril de 2010

O negócio das culturas e o ócio do essencial: o olhar do eremita

"O olhar do eremita tolda-se, recolhe-se mais ainda, a evitar todo este ruído que por fala é tomado. Sim, que a arte hoje vende bem, por isso se pode ser tolerante; a filosofia, nem tanto, donde estar em declínio de valor; as religiões constituem um grande investimento, qual nova expressão do capitalismo do século XXI; e a "exploração do homem pelo homem" é cientificamente desenvolvida em utilidades técnicas e robóticas que quase escravizam o homem com tanta cedência ao bem-estar... Culturas, pois, de interesses e de negócios bem periféricos àquele único ócio do essencial que converte o olhar do eremita ao lugar humilde de um silencioso e transfigurante acolhimento"

- Carlos Silva, "Vocação eremítica e diálogo intercultural - do único e sua diferenciação", Cultura ENTRE Culturas, nº1 (Lisboa, 2010), p.47.

arevistaentre.blogspot.com

Do patriotismo como hábito de preferir o habitual ao estranho




"Sob análise estética verificamos que o habitual é vivenciado como "bonito". esta é a base do patriotismo: a pátria é mais bonita que qualquer outra situação, precisamente porque a sua estrutura fundante passa despercebida. Toda a irrupção que destrua o hábito, toda a "novidade radical", é vivenciada como "feia", horrível. Esta é a base da xenofobia: o estranho é horrível e deve resistir-se a ele"

- Vilém Flusser, in "Da migração dos povos", inédito publicado em Cultura ENTRE Culturas, nº1.

Colóquio Internacional "Do Diabólico ao Simbólico: a filosofia de Vilém Flusser", Anfiteatro IV da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 3 e 4 de Maio.

Um singular pensador checo, que escreveu algumas das suas obras maiores em português do Brasil. Consultem o programa e excertos no blog. A revista Cultura ENTRE Culturas publica um inédito seu e vai ser de novo apresentada no final do Colóquio, no dia 4, pelas 17.30.

vilem-flusser.blogspot.com

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Lançamento do número 1 da Cultura ENTRE Culturas e de Uma Visão Armilar do Mundo - 3ª, 27, Largo do Alecrim, 70





Car@s Amig@s

Convido-vos para o lançamento do número 1 da revista Cultura ENTRE Culturas, por Frei Bento Domingues e Miguel Real, em conjunto com a apresentação do meu último livro Uma Visão Armilar do Mundo, por Paulo Teixeira Pinto. O Dr. Fernando Nobre associa-se ao evento, falando sobre o diálogo intercultural.

O acontecimento tem lugar no IADE Chiado Center - Rua do Alecrim, 70, na 3ª feira, 27, pelas 18.30

A revista Cultura ENTRE Culturas é uma revista internacional e intercultural por mim dirigida que publica ensaio, poesia e fotografia. A direcção artística é de Luiz Reys e a edição da Âncora Editora.

Comissão de Honra: François Jullien, Hans Küng, Jean-Yves Leloup, Raimon Pannikar, Matthieu Ricard e Agostinho da Silva (In Memoriam).

Publica neste número inéditos de Vilém Flusser, François Jullien, Hans Küng, Jean-Yves Leloup, Raimon Pannikar e Agostinho da Silva.

Ensaios e textos de Paulo Borges, Maria Sarmento, Paulo Feitais, Rui Lopo, Ricardo Ventura, Carlos Silva, Isabel Santiago, Amon Pinho, Miguel Real, Romana Valente Pinho e Inês Borges.

Poesia de Francisco Soares, Duarte Braga, Rui Fernandes, Luiza Dunas, Dirk Hennrich (aforismos), Francisco Soares e Donis de Frol Guilhade.

Fotografia de Beat Presser, Ilda Castro, Rui Fernandes, Francisco Soares e Adama.

O próximo número (Outubro de 2010) será dedicado a Fernando Pessoa e ao Diálogo Ocidente-Oriente, por ocasião dos 500 anos da chegada dos portugueses a Goa.

Propósitos:

1. Contribuir para o desenvolvimento de uma consciência-experiência integrais, multidimensionais, inter e trans-disciplinares do real e do que possa haver além-aquém do que como tal se designa, enriquecendo criativamente a vida e a existência mediante a compreensiva realização das suas supremas possibilidades.

2. Explorar antigas e novas possibilidades espirituais, mentais, éticas, artísticas, científicas, educativas, ecológicas, comunicacionais, sociais, políticas e económicas, alternativas à crise e declínio do paradigma civilizacional ainda dominante e que obedeçam ao soberano critério do melhor possível para todos os seres sencientes, humanos e não-humanos.

3. Promover o conhecimento e diálogo entre culturas, civilizações, religiões e espiritualidades, bem como entre estas, o ateísmo e o agnosticismo, no espírito da mais ampla imparcialidade e
universalismo.

4. Contribuir para a harmonia e a não-violência na relação do homem consigo, com a natureza e com todos os seres sencientes, capazes de sentir dor, prazer e emoções.

5. Despertar e orientar para estes fins a cultura e a sociedade portuguesas, bem como a comunidade lusófona, valorizando e promovendo as tendências que nelas mais apontem neste sentido

....

Será para mim uma honra a vossa presença.

Saudações

Paulo Borges

sábado, 24 de abril de 2010

Mangelhafte iberische Wörter

a mí me gustan mucho las palabras
pero sé que olvidan
ciertas cosas a las que se llama nada
mucho dicen de uno y de nadie
pero algo no libran
y a mí pues ya me_enfadan las palabras
-------------------------------------------
eu cá pois gosto muito das palavras
porém sei que esquecem
umas poucas quantas coisitas de nada
muito dizem da gente cobiçada
porém algo não trazem
e lá muito não me_agradam as palavras

O inadmissível

Let me not to the marriage of true minds
Admit impediments. Love is not love
Which alters when it alteration finds,
Or bends with the remover to remove:
O no! it is a ever-fixed mark
That looks on tempests and is never shaken;
It is the star to every wandering bark,
Whose worth's unknown, although his height be taken.
Love's not Time's fool, though rosy lips and cheeks
Within his bending sickle's compass come:
Love alters not with his brief hours and weeks,
But bears it out even to the edge of doom.
If this be error and upon me proved,
I never writ, nor no man ever loved.
William Shakespeare

sexta-feira, 23 de abril de 2010

PENSAR ABRIL III

Volvidos trinta e seis anos,
Já não somos os mesmos!
Somos quaisquer outros!

Peregrinamos
Pelos espaços vazios do Mundo,
Avistando-nos com outro rosto.

O rosto da política
Da integração europeia
E da vã inclusão comunitária;
O rosto
Da moeda única,
Da adaptação
Ou da massificação ideológica;

O rosto
Da desagregação
Cultural e apátrida,
Sem identidade;

O rosto,
Cuja voz,
Já não sabe mais cantar
O hino nacional;


O rosto,
Cujos traços e cores,
Já não são mais
Os da nossa bandeira!

Volvidos trinta e seis anos,
Já não somos os mesmos!

O que somos, então?

Um povo errante,
Ainda e sempre,
No resto da cauda da Mundo,
Que outrora conquistámos,
No preciso momento
Em que o perdemos?

Erguemos o Convento de Mafra,
Com o ouro vindo do Brasil.
Edificámos a Torre de Belém
E o Monumento das Descobertas,
À custa de longas e saudosas lágrimas
Dos que sempre partiram,
Dos que nunca chegaram!

Qual Velho do Restelo
Se ousa,
Ainda,
Erguer?

Qual Adamastor
Povoa,
Ainda,
Os nossos mares?

Quais ondas alterosas
Se aprumam,
Nesse mar imenso,
Por onde não velejamos jamais?

Isabel Rosete

"Um homem sabe quando encontrou a sua vocação quando pára de pensar acerca de como viver e começa a viver"

- Thomas Merton, "Thoughts in Solitude".

"é depois, quando o amor se abateu..."

"Não é quando se está em transe de amor, o único momento em que verdadeiramente se ama, que se escreve ou se compõe ou se pinta: é depois, quando o amor se abateu, quando reina o artista, […] e há do amor apenas a lembrança, quase uma reminiscência platónica, no sentido de que foi uma experiência que nos excedeu e de que só poderemos recordar fragmentos e talvez o que menos valha"

- Agostinho da Silva, Sete Cartas a um Jovem Filósofo [1945], in Textos e Ensaios Filosóficos I, p. 240.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

"Perda histórica de confiança" - Carta aberta de Han Küng aos bispos (H. Küng é membro da Comissão de Honra da revista Cultura ENTRE Culturas)

Perda histórica de confiança

Uma carta aberta de Hans Küng

Igrejas vazias – e agora ainda por cima um escândalo: Cinco anos após Bento XVI ter sido eleito Papa, a Igreja Católica vê-se a braços com a maior crise de confiança desde a Reforma.

Venerados bispos,

Joseph Ratzinger, agora Bento XVI, e eu éramos em 1962-1965 os teólogos mais jovens do concílio. Agora somos os mais velhos e os únicos ainda em actividade. Entendi sempre o meu trabalho teológico como sendo também um serviço para a igreja. Assim, no quinto aniversário do pontificado do papa Bento XVI, escrevo-vos uma carta aberta, pois estou preocupado com a nossa igreja, que se debate com a crise de confiança mais profunda desde a Reforma. Não tenho outra maneira de chegar a vós.
Prezei muito o facto de Bento XVI me ter convidado para uma conversa de quatro horas, pouco depois da sua eleição, apesar de eu ser um crítico seu. A conversa foi amigável e deu-me esperança de que o meu antigo colega da Universidade de Tubinga encontrasse o caminho para o prosseguimento da renovação da igreja e do entendimento ecuménico, no espírito do Concílio Vaticano II.


Oportunidades perdidas
Infelizmente, as minhas esperanças, assim como as de tantos católicos e católicas empenhados, foram vãs e eu comuniquei isso ao papa Bento XVI em diversas cartas. Ele cumpriu sem dúvida conscienciosamente os seus deveres papais e até já nos deu três proveitosas encíclicas sobre a fé, a esperança e o amor.
Mas no que respeita aos grandes desafios do nosso tempo, o seu pontificado é cada vez mais caracterizado pelas oportunidades perdidas e não pelas ocasiões aproveitadas:
- Perdeu-se a oportunidade de aproximação com as igrejas evangélicas: não são entendidas como igrejas em toda a acepção da palavra, pelo que não é possível reconhecer os seus ministros e realizar celebrações conjuntas da eucaristia.
- Perdeu-se a oportunidade de diálogo com os judeus: o papa reintroduziu uma oração pré-conciliar pela iluminação dos judeus e abre as portas da igreja a bispos cismáticos notoriamente anti-semitas, beatificou Pio XII e entende o judaísmo somente como raiz histórica do cristianismo, e não como comunidade de fé existente com um caminho próprio de salvação. Irritação dos judeus em todo o mundo por causa da homília de 6ª Feira Santa do pregador da Casa Pontifícia, que comparou as críticas ao papa com ódio anti-semita.
- Perdeu-se a oportunidade de diálogo confiante com os muçulmanos: sintomático foi o discurso de Bento em Regensburgo, no qual, mal aconselhado, falou do Islão como uma religião da violência e da desumanidade, tendo provocado uma desconfiança duradoura entre os muçulmanos.
- Perdeu-se a oportunidade de reconciliação com os povos nativos colonizados da América Latina: o papa tem afirmado seriamente que eles “ansiavam” pela religião dos seus conquistadores.


Luta contra a SIDA
- Perdeu-se a oportunidade de ajudar os povos africanos: na luta contra a sobrepopulação através da aprovação de medidas de contracepção e na luta contra a SIDA através da autorização do uso do preservativo.
- Perdeu-se a oportunidade de selar a paz com a ciência moderna: através de um reconhecimento sem reservas da teoria da evolução e da aprovação diferenciada de novos campos da investigação, como a investigação sobre células estaminais.
- Perdeu-se a oportunidade de transformar finalmente o espírito do Concílio Vaticano II na bússola da Igreja Católica dentro do próprio Vaticano e de levar por diante as reformas nele preconizadas.
O último ponto, venerados bispos, é especialmente importante. Este papa tem vindo sempre a relativizar os textos do concílio e a interpretá-los contra o espírito dos pais do concílio, recuando em vez de avançar. Toma até uma posição expressa contra o concílio ecuménico que, segundo o direito canónico católico, constitui a autoridade máxima da igreja católica:
- Admitiu incondicionalmente na igreja bispos da tradicionalista Fraternidade Pio X, ilegalmente ordenados,à margem da igreja católica, que rejeitam o concílio nos seus pontos centrais.
- Promove com todos os meios a missa medieval segundo o rito tridentino e celebra ocasionalmente a eucaristia em latim de costas voltadas para o povo.
- Não cumpre o acordo delineado em documentos ecuménicos oficiais com a Igreja Anglicana (ARCIC), mas tenta atrair para a Igreja Católica Apostólica Romana religiosos anglicanos casados, libertando-os da obrigação do celibato.
- Fortaleceu globalmente as forças anticonciliares no interior da Igreja, através da nomeação para cargos de chefia (secretários de estado, congregação da liturgia, etc.) de pessoas com posições anticonciliares e bispos reaccionários.


Política de restauração falhada
O papa Bento XVI parece distanciar-se cada vez mais da grande maioria do povo católico, que se preocupa cada vez menos com Roma e, na melhor das hipóteses, se identifica apenas com a comunidade e o bispo local. Sei que muitos de vós também sofrem com isso: a política anticonciliar d o papa é inteiramente apoiada pela cúria romana. Esta procura sufocar as críticas no episcopado e na igreja, e desacreditar os críticos por todos os meios.
Através de uma renovada sumptuosidade barroca e de manifestações com impacto nos meios de comunicação social, Roma procura apresentar uma Igreja forte, com um “Vigário de Cristo” absolutista, que reúne nas suas mãos todo o poder legislativo, executivo e judicial.
No entanto, a política de restauração de Bento XVI fracassou. Todas as suas aparições, viagens e documentos não conseguiram alterar, no sentido da doutrina romana, as opiniões da maioria dos católicos acerca de questões controversas, principalmente em termos de moral sexual. E mesmo os encontros de juventude, frequentados sobretudo por agrupamentos carismáticos conservadores, não conseguiram travar o abandono da Igreja por parte de fiéis, nem despertar mais vocações para o sacerdócio.


Abandonados
Serão justamente os bispos quem mais profundamente lamentará este facto: desde o Concílio, dezenas de milhares de sacerdotes abandonaram o sacerdócio, sobretudo devido à lei do celibato obrigatório. A renovação não só de sacerdotes, mas também de congregações religiosas, freiras e irmãos laicos decaiu, tanto em quantidade como em qualidade. A resignação e a frustração alastram no seio do clero e entre os membros mais activos da igreja.
Muitos sentem-se abandonados nas suas necessidades e sofrem na Igreja. Em muitas das vossas dioceses deve acontecer isto: cada vez mais igrejas vazias, seminários vazios, residências paroquiais vazias. Nalguns países as comunidades católicas são fundidas, por falta de padres e frequentemente contra a sua vontade, em “unidades de assistência espiritual” gigantescas, nas quais os poucos padres disponíveis estão completamente sobrecarregados e que apenas servem para simular uma reforma da Igreja.
E eis que aos muitos factores de crise vêm ainda juntar-se escândalos que bradam aos céus: acima de tudo, o abuso de milhares de crianças e jovens por clérigos, nos Estados Unidos, na Irlanda, na Alemanha e noutros países - tudo isto ligado a uma crise de liderança e confiança sem precedentes.


Não ao silêncio
Não se pode calar o facto de que o sistema de encobrimento global de delitos sexuais de clérigos foi dirigido pela Congregação para a Doutrina da Fé do Cardeal Ratzinger (1981-2005), na qual, ainda no pontificado de João Paulo II, os casos foram compilados sob o mais estrito sigilo.
Ainda em Maio de 2001, Ratzinger enviou uma carta solene acerca dos delitos graves („Epistula de delictis gravioribus“) a todos os bispos. Nesse documento os casos de abuso eram colocados sob „Secretum Pontificium“, cuja violação pode implicar severas penas canónicas. É, pois, com justiça que muitos exigem do então prefeito e agora papa um „Mea culpa“ pessoal. Contudo, infelizmente este deixou passar a oportunidade de o fazer na Semana Santa. Em vez disso, fez atestar „urbi et orbi“ a sua inocência através do cardeal decano, no Domingo de Páscoa.
As consequências de todos estes escãndalos para o prestígio da Igreja Católica são devastadoras. Isto é confirmado também por titulares de altos cargos da Igreja. Inúmeros pastores e educadores irrepreensíveis e altamente empenhados são agora vítimas de uma suspeita generalizada.
É a vós, venerados bispos, que cabe perguntar como deve ser o futuro na nossa Igreja e nas vossas dioceses. Contudo, gostaria de vos esboçar um programa de reformas; é algo que fiz por várias vezes, antes e depois do Concílio.

Dêem uma perspectiva à nossa Igreja
Gostaria de fazer apenas seis sugestões, que é minha convicção serem comuns a milhões de católicos que não têm voz:

1. Não calar: O silêncio torna-vos cúmplices de tantos males graves. Muito pelo contrário, nos casos onde considerem determinadas leis, disposições e medidas como contraproducentes, devem dizê-lo publicamente. Não enviem declarações de submissão a Roma, mas sim reivindicações de reforma!

2. Ajudar as reformas: São muitos os que se queixam de Roma, na Igreja e no Episcopado, mas nada fazem. No entanto, quando, numa diocese ou paróquia, os serviços religiosos não são frequentados, a assistência espiritual é pobre, a abertura às necessidades do mundo é limitada, a colaboração ecuménica é mínima, então a culpa não pode ser assacada simplesmente a roma. Bispo, sacerdote ou leigo – cada um faça algo pela renovação da Igreja no âmbito maior ou menor da sua vida. Muitas coisas extraordinárias, tanto a nível paroquial como na totalidade da Igreja, começaram por iniciativas solitárias ou de pequenos grupos. Na vossa qualidade de bispos, há que apoiar e estimular essas iniciativas, e ir ao encontro das queixas fundamentadas dos fiéis, sobretudo agora.

3. Agir em colegialidade: O Concílio decretou, após um debate intenso e contra a oposição persistente da cúria, a colegialidade do papa e dos bispos , no sentido da história dos apóstolos, na qual Pedro não agia sem o colégio dos apóstolos. Mas, no período pós-conciliar, os papas e a cúria têm vindo a ignorar esta decisão conciliar central. Desde que o papa Paulo VI, apenas dois anos depois do Concílio, publicou uma encíclica em defesa da controversa lei do celibato, sem ter consultado o episcopado, o magistério e a política papais regressaram ao velho estilo não colegial. Até na liturgia o papa se apresenta como autocrata, perante o qual os bispos, de que ele gosta de se rodear, surgem como meros comparsas, sem direitos nem voz. Por isso, venerados bispos, há que agir não apenas individualmente, mas em comunidade com os outros bispos, os sacerdotes e o povo da Igreja, homens e mulheres.

A obediência é devida apenas a Deus
4. A obediência incondicional é devida apenas a Deus: Na sagração solene como bispos, todos fizeram um voto de obediência incondicional ao papa. Mas também todos sabem que a obediência incondicional nunca é devida a uma autoridade humana, mas apenas a Deus. Assim, o vosso voto não deve impedir-vos de dizer a verdade acerca da actual crise da Igreja, da vossa diocese ou do vosso país. Em absoluta conformidade com o exemplo do apóstolo Paulo, que „resistiu [a Pedro] frente a frente, porque merecia censura“ (Gal 2, 11)! Pressionar as autoridades romanas no espírito da fraternidade cristã pode ser legítimo, quando estas não correspondem ao espírito do Evagelho e à sua missão. A utilização das línguas nacionais na liturgia, a alteração das disposições relativas aos casamentos mistos, a aceitação da tolerância, da democracia, dos direitos humanos, do entendimento ecuménico e tantas outras coisas, apenas foram conseguidas graças a uma perseverante pressão vinda de baixo.

5. Procurar soluções regionais: O Vaticano mostra-se frequentemente surdo às reivindicações do episcopado, dos sacerdotes e dos leigos. Tanto mais necessária é, pois, a procura inteligente de soluções regionais. Um problema particularmente delicado, bem o sabeis, é a lei do celibato, oriunda da Idade Média, que está a ser justificadamente posta em causa no contexto dos escândalos de abusos sexuais. Uma alteração contra a vontade de roma parece quase impossível. No entanto, isso não significa que se esteja condenado à passividade: um sacerdote, que após madura reflexão pensa em casar, não teria de renunciar automaticamente ao seu cargo, se o bispo e a comunidade o apoiassem. As várias conferências episcopais poderiam avançar com soluções regionais. Mas o melhor seria procurar uma solução para toda a Igreja. Portanto:

6. Exigir um concílio: Tal como foi necessário um concílio ecuménico para alcançar a reforma litúrgica, a liberdade religiosa, o diálogo ecuménico e interreligioso, o mesmo acontece para a resolução dos problemas que agora eclodem de modo tão dramático. O Concílio de Constança, no século anterior à Reforma, determinou a convocação de um concílio a cada cinco anos, mas essa decisão tem sido ignorada pela cúria romana. Sem dúvida que esta também agora fará tudo para evitar um concílio do qual tem a recear uma limitação do seu poder. É responsabilidade de todos vós levar a cabo a realização de um concílio ou, pelo menos, de uma assembleia representativa do episcopado.

Enfrentar os problemas com sinceridade

É este, venerados bispos, o apelo que vos faço perante uma igreja em crise, pôr na balança o peso da vossa autoridade episcopal, revalorizada pelo Concílio. Nesta difícil situação, os olhos do mundo estão postos em vós. Inúmeras pessoas perderam a confiança na Igreja Católica. Só uma abordagem aberta e séria dos problemas e a adopção das reformas indispensáveis pode ajudar a recuperar essa confiança. Peço-vos com todo o respeito, que cumpram a vossa parte, sempre que possível em colaboração com os outros bispos, mas em caso de necessidade também sozinhos, com „desassombro“ apostólico (Act 4, 29.31). Dêem sinais de esperança e coragem aos vossos fiéis e uma perspectiva à nossa Igreja.

Saúdo-vos na comunhão da fé cristã
Vosso
Hans Küng

terça-feira, 20 de abril de 2010

Lançamento da revista Cultura ENTRE Culturas e do livro Uma Visão Armilar do Mundo

O IADE CHIADO CENTER convida para o lançamento da revista Cultura ENTRE Culturas, apresentada por Frei Bento Domingues e Miguel Real, e do livro Uma Visão Armilar do Mundo, de Paulo Borges, apresentado por Paulo Teixeira Pinto, no próximo dia 27 de Abril, 3ª feira, pelas 18.30, na Rua do Alecrim, nº 70, em Lisboa.



segunda-feira, 19 de abril de 2010

´Colóquio Internacional "Do diabólico ao simbólico: a filosofia de Vilém Flusser"

Colóquio Internacional
Do Diabólico ao Simbólico:
A Filosofia de Vilém Flusser


Anfiteatro IV, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa


Segunda-Feira, 3 de Maio

14:30 ABERTURA

15:00 - 15:30 Gustavo Bernardo Krause. - “MEU BEM, VOCÊ NÃO ENTENDEU NADA.” A DUVIDA DE VILÉM FLUSSER.

15:30 – 16:00 Joaquim Domingues. - O MUNDO NOVO DA LÍNGUA - HOMENAGEM A VILÉM FLUSSER,

16: 00 – 16:30 Jorge Leandro Rosa. - A RELAÇÃO COM O INARTICULÁVEL. LINGUAGEM, COMUNICAÇÃO E ONTOLOGIA EM VILÉM FLUSSER.

16:30 – 17:00 – Debate

17:00 – 17: 15 - Intervalo

17:15 – 17:45 José Bragança de Miranda. - A NOÇÃO DE APARATO EM VILÉM FLUSSER

17:45 – 18:15 Jorge Rivera. - SUPERFÍCIES, LINHAS, NÓS: AS OPERAÇÕES DA IMAGINAÇÃO E O PENSAMENTO DE VILÉM FLUSSER.

18:15 – 18:45 Louis Bec. - LE VAMPYROTEUTHIS INFERNALIS: UNE PREUVE D’AMITIÉ (PROJECTION, IMAGES ET VIDÉOS)

18:45 – 19:15 – Debate e encerramento.


Terça-Feira, 4 de Maio

11:00 – 11:30 Rui Lopo. - A FILOSOFIA DA LINGUAGEM DE VILÉM FLUSSER

11:30 - 12:00 Dirk-Michael Hennrich. - A “COISA”, EM VILÉM FLUSSER E EUDORO DE SOUZA

12:00 - 12:30 Rainer Guldin. - ACHERONTA MOVEBO: DO MEFISTOTÉLICO NA OBRA DE VILÉM FLUSSER

12:30-13:00 – Debate e Intervalo para almoço

15:00 – 15:30 – Jacinto Godinho. - O ESPECTADOR DE FLUSSER

15:30 – 16:00 - Paulo Borges. - O DIABÓLICO EM VILÉM FLUSSER

16:00 – 16:30 António Braz Teixeira. - O SAGRADO E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA EM VILÉM FLUSSER

16:30 – 17:00 - Debate

17:00 – 17:15 – Intervalo

17:15 – 17:45 - Apresentação da revista Cultura ENTRE Culturas, com um inédito de Vilém Flusser. Encerramento.

18:30 Louis Bec – ARTAXONOMIQUE ET HYPOZOOLOGIE (na Livraria do Instituto Franco-Português)

sábado, 17 de abril de 2010

Serge Latouche e a filosofia do decrescimento

Poucas pessoas gostam de ouvir falar em decrescimento ou diminuição do consumo, pois associam-nos a uma diminuição dos prazeres. Não obstante um número cada vez maior de pessoas infelizes e insatisfeitas na nossa sociedade, ainda acreditamos, porque é isso que nos é dito diariamente, que se não consumirmos o bastante, muito e mais ainda, nada somos. O Outro já ouviu comentários como: "Estou-me perfeitamente a borrifar para o que vai acontecer ao planeta ou às gerações futuras, pois não estarei cá para ver." Também existe disto, sim, e não é tão raro como alguns de nós, mais ingénuos, possamos pensar. No entanto, aqueles entre nós, e somos muitos, que se preocupam sim, talvez possam reflectir um pouco sobre o que tem a dizer sobre isto Serge Latouche, um economista e filósofo francês, com a sua filosofia do decrescimento. Segundo Latouche, é preciso descolonizar nosso imaginário. Em especial, desistir do imaginário económico (...) Redescobrir que a verdadeira riqueza consiste no pleno desenvolvimento das relações sociais de convívio em um mundo são, e que esse objetivo pode ser alcançado com serenidade, na frugalidade, na sobriedade, até mesmo em uma certa austeridade no consumo material, ou seja, aquilo que alguns preconizaram sob o slogan gandhiano ou tolstoísta de "simplicidade voluntária".

Por: Esther Mira

Amor de Marinheiro e de Fadista


terça-feira, 13 de abril de 2010

"a Matéria é a menor das Ilusões, a mais fraca das mentiras"

A partir do sétimo ponto do Tratado da Negação encontramos mais uma consequência da heterodoxa singularidade da visão pessoana. Considerando o "Ser"-"Deus"-"Único" como "essencialmente Ilusão e Falsidade" e "Mentira Suprema", e considerando a manifestação-emanação desse princípio como sua progressiva determinação e negação, natural é que a "Matéria", nível inferior da hierarquia ontognosiológica na perspectiva que lhe aponta um princípio espiritual, surja afinal, enquanto "a maior das negações do Ser" e "o estado [...] mais próximo [...] do Não-Ser", como o nível superior dessa mesma hierarquia ou aquele onde ela mais regressa à fonte indiferenciada de onde procede, nela se dissolvendo. (...) Sendo na "Matéria" que, segundo Baldaya, o "Ser" acede ao estado de maior negação de si e mais se despe da ilusão pensante que o separa do "Não-Ser" primordial, "a Matéria é a menor das Ilusões, a mais fraca das mentiras", de onde proviria a sua maior evidência.

Paulo Borges, O Jogo do Mundo, 2008, Portugália Editora, pp.96-97

O diabólico em Vilém Flusser (início da comunicação no Colóquio Internacional de 3-4 de Maio, Anf. IV, Fac. Letras da Univ. Lisboa

O diabólico em Vilém Flusser

Vilém Flusser é um pensador do diabólico e um pensador diabólico. Enquanto pensador do diabólico, Flusser pensa aquilo que a tradução grega da Bíblia designou como diabolé, o “espírito que semeia a divisão”, de diaballein, lançar de lado, de través [1]. No pensar original de Flusser, o diabo é a própria temporalidade, também histórica, sendo “«influência diabólica» tudo aquilo que tende para a preservação do mundo no tempo”. Pelo contrário, “influência divina” é “tudo que tende para a superação do tempo”. O divino é o que age no “mundo fenomenal” para o “dissolver”, “salvar” e intemporalizar, convertendo-o em “puro Ser”, ao passo que o diabólico é o que o procura manter na sua fenomenalização temporal. Dependendo do ponto de vista, será o divino criador e o diabólico aniquilador ou o divino destruidor e o diabólico conservador [2].

Num heterodoxo mito das origens, que recorda o drama da cisão cosmogónica em Teixeira de Pascoaes e Sampaio Bruno, Flusser concebe a criação de “céus e terra” como o divino arrancar de “um pedaço do “ser em si”, do “puro ser”, para mergulhá-lo na correnteza do tempo”, a qual o altera e fenomenaliza, arrastando-o consigo em “modificações sucessivas”, que são a sua própria irrealização. Esta temporalização é o próprio “diabo” e a sua “queda” é o “progressivo afastar-se do mundo das suas origens”. Nessa medida, o “diabo” é a “criação principal do criador”, a sua “obra-prima”. “Idêntico ao tempo” e inspirador do “espaço”, é ele que configura a experiência do mundo e, nessa medida, identifica-se com o próprio mundo. Sendo aquilo que, na criação, “torna sensível o mundo”, o princípio diabólico é, todavia, “mera parte” dessa criação”, em conflito com o princípio divino [3]. Definido, “no seu aspecto externo”, como “o fluxo do tempo, graças ao qual os fenómenos nos aparecem”, revela-se “o caráter ilusório, enganador, o caráter «maia»”, tradicionalmente atribuído ao diabo [4]. A leitura flusseriana do mito bíblico das origens incorpora assim a noção indiana de maya, configurando o diabo como uma prestidigitação ou i-lusão transcendental que emerge do divino e se lhe opõe, em mais uma flagrante convergência com uma das intuições axiais de Teixeira de Pascoaes. É essa i-lusão que cria os céus para criar a terra, a terra para criar a vida, a vida para criar a humanidade e a humanidade para criar o espírito humano, ou seja, o “espírito que conhece o Bem e o Mal” e assim se institui como “o campo do pecado”. O objectivo ideal da evolução criadora é a produção do “espírito humano perfeitamente diabólico”, mediante o abrasivo dos “pecados capitais” [5].

Considera assim Flusser que “o diabo é-nos muito mais próximo que o Senhor” e que segui-lo é “muito mais cómodo e simples do que perseguir os obscuros caminhos divinos”. “Toda a sinfonia da civilização”, toda a “luta prometéica” da humanidade contra os limites divinos, toda a “evolução como história do progresso” são a própria “história do diabo”, são a sua “obra majestosa” – cujos “exemplos mais nobres” são “ciência, arte e filosofia” - ou, noutro ponto de vista, a “ilusão” por ele criada [6].

O protagonismo diabólico tem portanto origens mais fundas que a mera história dos homens, enraizando-se por um lado na “evolução da vida” – que coliga “o protoplasma quase inerte”, a “formiga devoradora e a humanidade especulante” – e surgindo, por outro, como a “força motriz” da maioria das acções e desejos humanos [7]. Com efeito, o filósofo, num dos lances mais originais e polémicos da obra, recorre à doutrina eclesiástica dos “sete pecados capitais”, mantendo mas reinterpretando a sua nomenclatura tradicional, para designar as potências diabólicas que movem a vida e a humanidade nos diferentes domínios da sua actividade e da sua evolução. Constituindo-se A História do Diabo como uma filosofia do pecado e dos pecados, convém recordar o significado original desta palavra assaz incómoda para a consciência ocidental.

O peccatum latino, do verbo peccare, dar um passo em falso, traduz o grego amartia, que significa “falhar um alvo ou um objectivo”, o qual, por sua vez, traduz o hebreu pâcha, que expressa “o facto de se revoltar” [8]. O engano, o desvio e o fracasso, presentes nas expressões grega e latina, convergem com o sentido de uma projecção oblíqua e dia-bólica, de diaballein, que se desvia e transvia de um rumo certeiro, directo ao objectivo. Se o objectivo é a realização plena de si, por integração na plenitude divina, compreende-se que Jean-Yves Leloup interprete a amartia, a partir de Evagro Pôntico, como o estado em que se está “ao lado de si mesmo”, patente nos vários pecados capitais, entendidos como “sintomas de uma doença do espírito ou doença do ser” [9].

Flusser renova e amplia a tradição das paixões da alma, dando-lhe uma dimensão cosmogónica e cosmológica. Os pecados descrevem uma patologia bio-antropológica, como “sete aspectos de uma mesma atitude” [10].

[1] Cf. Odon Vallet, Petit lexique des mots essentiels, Paris, Albin Michel, 2007, p.61.
[2] Cf. Vilém Flusser, A História do Diabo, São Paulo, Annablume, 2006, pp.21 e 23 24 [manteremos a grafia do português do Brasil, língua em que Flusser escreveu a obra].
[3] Cf. Ibid., pp.33-34.
[4] Cf. Ibid., p.34.
[5] Cf. Ibid., p.45.
[6] Cf. Ibid., pp.22-24.
[7] Cf. Ibid., p.25.
[8] Cf. Odon Vallet, Petit lexique des mots essentiels, Paris, Albin Michel, 2007, pp.178-179.
[9] Cf. Jean-Yves Leloup, Écrits sur l’Hésychasme. Une tradition contemplative oubliée, Paris, Albin Michel, 1999, p.53. Simone Weil esclarece que “O pecado não é uma distância. É uma má orientação do olhar” – L’amour de Dieu et le malheur (1942), in Oeuvres, edição estabelecida sob a direcção de Florence de Lussy, Paris, Gallimard, 1999, p.697.
[10] Cf. Vilém Flusser, A História do Diabo, p.26.

sábado, 10 de abril de 2010

Palavras-ovo


Há palavras como missais de neve ou erva
Que vão direitas ao coração da energia
Que entram no pulso da vida:
Plenas,redondas como frutos
Nuas, brilhantes como fogos.
São as palavras da vastidão
São os pólos que acendem a verdade
E essa verdade é a absoluta presença
Do Ausente eterno.
A essas palavras chamo Sagradas,
Nascidas dos lábios do Significador
Pois não pertencem senão à Fonte originária.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Cursos Livres na Associação Agostinho da Silva

Caros Amigos, começa já na próxima 2ª feira, dia 12, um Curso de Introdução ao Pensamento de Agostinho da Silva, dado por vários membros da Direcção da Associação Agostinho da Silva e investigadores da sua obra. No dia 21 começa outro curso, dado por mim, Uma Visão Armilar do Mundo: a vocação universal de Portugal em Camões, Vieira, Pascoaes, Pessoa e Agostinho da Silva, baseado no livro com o mesmo título, que acabo de publicar.
Sempre ao fim da tarde, na Rua do Jasmim, 11, ao Princípe Real, em Lisboa.
Caso queiram participar convém fazerem desde já a inscrição. Podem obter todas as informações na página da AAS: www.agostinhodasilva.pt

Saudações agostinianas

Paulo Borges

quarta-feira, 7 de abril de 2010

"Viver é fazer de conta que não há morte"

"Viver é fazer algo a despeito da evidente futilidade de tudo. Viver é portanto tentar negar a futilidade evidente de tudo. E por que é evidente essa futilidade? Pela morte. Viver é tentar negar a morte. Viver é fazer de conta que não há morte. Mas há. Não é isto espantoso?"

- Vilém Flusser, "O tema exclusivo", in "Da religiosidade".

O minimalismo doutrinal de toda a saudade

«No es lo que nos homologa en la normalidad lo que nos hace semejantes. Es porque estamos solos, porque la noche reina, y porque no sabemos, por lo que cabe al hombre mirarse en los ojos de otro hombre como en un espejo.»
Miguel Morey, «Pequeñas doctrinas de la soledad», Sexto Piso, México D. F. / Madrid, 2007.

COLECÇÃO _ BERARDO












terça-feira, 6 de abril de 2010

CURSO DE INTRODUÇÃO ÀS GRANDES RELIGIÕES (entrada livre)

Programa

7 de Abril - Hinduismo
Saroj Parshotam

14 de Abril - Budismo
Paulo Borges

28 de Abril - Judaismo
Alan Hyat

5 de Maio - Cristianismo
Fr. Bento Domingues

12 de Maio - Islamismo
Sheik David Munir

19 de Maio - Fé Bahá’i
Ivone Félix Correia

Das 18,30 às 20,00h

Contactos: Manuel Lancastre: 91.450.5775 / luisa.lancastre@gmail.com

Centro Nacional de Cultura

Rua António Maria Cardoso, 68, ao Chiado (Lisboa)

ENTRADA LIVRE
...

O diálogo entre culturas e religiões é reconhecidamente um dos grandes desafios do mundo actual e das nossas sociedades multiculturais e multi-religiosas, dependendo dele que a globalização económica e tecnocientífica se acompanhe da promoção de uma cultura da compreensão, da paz e da fraternidade à escala planetária.

Verifica-se, todavia, que tradicionalmente as grandes tradições religiosas não privilegiaram o conhecimento mútuo e o diálogo entre si, não acompanhando as mutações sociais e mentais nem os progressos de disciplinas como a História, a Filosofia e as Ciências das Religiões, que parecem mostrar que as religiões não surgem e não existem como entidades independentes e separadas, participando antes de uma profunda interacção que faz com que o aprofundamento do conhecimento de uma implique o conhecimento de outras.

Esta situação reflecte-se nos encontros inter-religiosos, onde – apesar da boa vontade dos intervenientes, que dão o passo extremamente positivo de se juntarem para se ouvirem – se sente que há ainda um grande desconhecimento da religião que cada um professa e pratica, o que torna difícil aprofundar o diálogo e a compreensão mútua. Isto torna-se particularmente sensível em Portugal, onde, por vários motivos e em contraste com a nossa experiência histórica, não tem havido um grande investimento no conhecimento da diversidade cultural e religiosa do mundo.

Por estas razões tomámos a iniciativa de realizar um Curso de Introdução às Grandes Religiões, onde responsáveis e praticantes das seis grandes tradições religiosas exponham os fundamentos históricos, espirituais e doutrinais das vias religiosas que seguem e as suas singularidades mais salientes. Pretende-se com isto dar a conhecer as grandes religiões, não só naquilo que as faz convergir, mas também naquilo que as diferencia, sem que as separe.

Cremos ser urgente ultrapassar o medo e o incómodo de nos confrontarmos com a diferença no plano religioso e ser apenas o conhecimento das diferenças que permite compreender, aceitar e respeitar plenamente o outro como outro, além de nos permitir esclarecer e aprofundar mais o sentido das nossas próprias experiências e opções espirituais e religiosas. Cremos ser a partir de um sólido conhecimento dos fundamentos da diversidade religiosa que se torna possível estabelecer a base de um verdadeiro diálogo inter-religioso e reconhecer o que afinal não deixa de unir as religiões e fazer delas os ingredientes da maravilhosa polifonia do humano na busca e no encontro do divino ou inefável.

A Comissão Organizadora

Saroj Parshotam (Comunidade Hindu de Portugal)
Paulo Borges (União Budista Portuguesa)
José Carp (Comunidade Israelita de Lisboa)
Manuel Lancastre (Comunidade Mundial de Meditação Cristã)
Sheik David Munir (Comunidade Islâmica de Lisboa)
Ivone Félix Correia (Comunidade Bahá’i de Portugal)

Uma iniciativa com o apoio da revista Cultura ENTRE Culturas:
arevistaentre.blogspot.com

segunda-feira, 5 de abril de 2010

"Toda palavra é uma espada flamejante do diabo"




"A língua é o inimigo visceral da fé, e tudo o que por ela for tocado ficará imune à intervenção do divino. Toda palavra é uma espada flamejante do diabo, e a língua como um todo é um único protesto contra as limitações do intelecto, um grito de articulação contra o inefável, um brado de guerra contra a divindade, uma expressão da inveja do intelecto humano dirigida contra Deus.

[...]

Somos indivíduos, somos intelectos individuais, porque consistimos de palavras (expressões da inveja diabólica contra Deus) consolidadas pela gramática (expressão da avareza diabólica que tenta preservar a realidade por ele criada). A mente humana, essa suprema ilusão de realidade, é a obra mais perfeita do diabo, e é neste sentido que a nossa insistência avarenta na manutenção da nossa individualidade é o triunfo supremo do diabo. O nosso empenho em prol da língua (que é o empenho em prol do nosso intelecto), e nosso empenho em prol da propagação do enriquecimento da língua (que é o empenho em prol da imortalidade do nosso intelecto), é o ponto culminante da carreira gloriosa do diabo. A superação da língua, que seria o abandono do intelecto, implica a perda da nossa individualidade, e, do ponto de vista oposto ao diabo, a salvação da nossa alma"

- Vilém Flusser, A História do Diabo, São Paulo, Annablume, 2006, pp.149-150.

Colóquio Internacional: "Vilém Flusser: do diabólico ao simbólico", Anf. IV, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 3 e 4 de Maio.

Publicado em: vilem-flusser.blogspot.com

Desigualdade ou emancipação?





Jacques Rancière. O mestre ignorante. Cinco lições sobre a emancipação intelectual. 2ed. Trad. Lílian do Valle. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. 192p.



Partindo de uma experiência insólita em sua longa carreira de pedagogo, Joseph Jacotot, professor francês do início do século XIX, apercebeu-se de que o processo de aprendizagem pode não consistir naquilo em que o senso comum e a teoria então vigente (e vigente até hoje, temos que reconhecer) haviam consagrado. O que Rancière denomina de “aventura intelectual” aconteceu-lhe quando, exilado por motivos políticos nos Países-Baixos, Jacotot ocupava o posto de leitor de literatura francesa em meio período. Ignorando o holandês, o mestre não teria como responder às dúvidas de seus alunos sem que alguma coisa em comum o ligasse a eles como canal de comunicação eficiente o bastante. Esse canal se apresentou sob a forma de um livro – o Telêmaco em edição bilíngüe publicada em Bruxelas. Por meio de um intérprete, ele indicou o livro aos estudantes, recomendando que aprendessem, com o auxílio da tradução, o texto francês.



“Quando eles haviam atingido a metade do livro primeiro, mandou dizer-lhes que repetissem sem parar o que haviam aprendido e, quanto ao resto, que se contentassem em lê-lo para poder narrá-lo. Era uma solução de improviso, mas também, em pequena escala, uma experiência filosófica, no gosto daquelas tão apreciadas no Século das Luzes. E Joseph Jacotot, em 1818, permanecia um homem do século passado.”



Esperando um resultado desastroso, o mestre pediu então aos alunos que escrevessem em francês o que achavam do texto lido. Era uma avaliação necessária da experiência totalmente empírica imposta pelo acaso. A surpresa no entanto foi das melhores: “seus alunos, abandonados a si mesmos, se haviam saído tão bem dessa difícil situação quanto o fariam muitos franceses”. Constatou que haviam sido capazes de entender o texto e com isso aprender francês o bastante para escrever na nova língua sobre o que haviam lido.



A experiência, capaz de revolucionar seu espírito, levou o pedagogo a desenvolver uma reflexão crítica sobre qual seria de fato a grande tarefa dos mestres. A conclusão a que chegou constitui a heterodoxa teoria, inaceitável para a época, de que ensinar à maneira tradicional – um mestre que “sabe” liberando frações de seu saber para alunos ignorantes – é perpetuar a distância que faz da sociedade (e da escola, seu símbolo) um lugar estruturado em torno de fossos intransponíveis a separar mestre e aluno, quem sabe mais e quem sabe menos, quem manda e quem obedece, quem tem mais ou menos poder. Em resumo: os “melhores da turma” sempre deteriam o poder e a regência dos outros, os que ignoram, os que não conseguiram ser bem-sucedidos e nunca chegariam a sê-lo se não lhes ocorresse o “clique” que permite o acesso a sua verdade mais subjetiva, onde se encontra a fonte dos melhores recursos e o caminho aberto às aptidões intelectuais de cada um.



O esforço para seguir os passos do mestre e assim transpor a distância que separa o aluno dele é um enganoso método de progresso pessoal, segundo o ponto de vista de Jacotot. Porque esse esforço roubará dos discípulos a energia e a espontaneidade de que necessitam para descobrir por si mesmos o que convencionalmente aprendem a ver com os olhos de outros, acumulando saberes parcelados, muitas vezes impossíveis de reter. A experiência era de ordem cartesiana: teria que envolver mais que informações acumuladas. O exercício da curiosidade natural e a vontade genuína de conhecer suprem métodos sofisticados e elaborados que chegam de fora, pelo pensamento arbitrário dos que detêm o poder de ensinar.



A esse processo espontâneo de aprendizagem, Jacotot atribui como resultado um saber que é necessariamente também conhecimento, no sentido de que aquilo que assim se aprende é compreendido e incorporado a um acervo pessoal sob a forma de experiência vivida e indelével.



Por essa e outras razões conexas, Rancière percorre propositadamente um conjunto de atalhos e caminhos que examinam a teoria pedagógica convencional. Sem utilizar conceitos consagrados ou idéias que são pontos pacíficos para os defensores da escola que conhecemos, busca em cada capítulo e em cada item do livro revisitar o processo de aprendizagem com a liberdade de quem descobriu uma nova vertente. A novidade era abolir-se a noção segundo a qual “há seres inferiores e superiores; os inferiores não podem o que podem os superiores”. Essa “hierarquia das inteligências” perpetuaria as desigualdades que beneficiam os detentores do poder.



“Não há inteligência onde há uma agregação, ligadura de um espírito a outro espírito. Há inteligência ali onde cada um age, narra o que ele fez e fornece os meios de verificação da realidade de sua ação.”



A veracidade está no cerne dessa experiência. Assim, é a experiência de cada um – que ele chama “seu próprio negócio” – que o levará ao conhecimento. Um pai ignorante pode levar o filho a adquirir conhecimento, contanto que dê a ele a oportunidade de descobrir por si só esse conhecimento, não como “um pedagogo gentil”, mas como “um mestre intratável” que levará o filho a querer se emancipar. Para isso, todas as faculdades são chamadas: atenção, determinação, persistência, curiosidade. Quando alguém efetivamente aprende alguma coisa, aprende porque quer aprender; e para isso está acima de tudo sozinho, interessado e entregue a sua experiência. Ele quer “adivinhar”, está atento aos indícios e à tradução do que lê, do que vê e analisa.



O traço socrático dessa atitude é bem visível: na base de tudo está o “conhece-te a ti mesmo”. Assim como no caso de Sócrates, que a seu tempo deu origem a uma escola com reflexos políticos em seu meio, o Ensino Universal, como foi chamado mais tarde o pensamento gerado pela aventura intelectual de Jacotot, não conseguiria manter sua força original. Mas na verdade, jamais morreria.

domingo, 4 de abril de 2010

"Estamos emergindo sempre do silêncio primordial e ingênuo que é o paraíso"

"Voltemos, para interpretar a teia lingüística que é o pensamento, ao mito da expulsão do paraíso. Essa expulsão é portanto equivalente a uma expressão, a um grito. Cada palavra é um grito assim, e com cada palavra que pensamos, com cada conceito que formulamos, estamos sendo expulsos do paraíso. A corrente das palavras, a conversação, é o rio que nos arrasta das nossas origens, e pelo indizível que se esconde entre as palavras estamos sempre nas proximidades das nossas origens. Desse indizível, dessas aberturas que a língua conserva para o nada, é que brotam sempre novas palavras, novos pensamentos. Estamos emergindo sempre do silêncio primordial e ingênuo que é o paraíso. Com efeito, essas nossas aberturas para o silêncio ingênuo, essa nossa capacidade para o espanto ante o nada, essa nossa capacidade de gritar o nosso espanto, é sinal da nossa autenticidade. É sinal que ainda estamos na proximidade misteriosa do nada"

- Vilém Flusser, "Pensamento e Reflexão", Da Religiosidade. A literatura e o senso da realidade, São Paulo, Escrituras, 2002, pp.43-44.

Publicado em:
vilem-flusser.blogspot.com

sexta-feira, 2 de abril de 2010

A propósito da Páscoa


Num tempo em que as ressurreições já não são espectaculares como no tempo de Jesus, porque também as crucificações já não o são, é preciso, cada vez mais, procurar no céu, os sinais.
E tal como são os pássaros os que melhor nos podem observar na terra, é da terra que melhor se observam os sinais no céu.
Os anjos partiram com os deuses, os pássaros têm a vista cansada e os astros já não são o que eram, cansados do mau ambiente que criámos para eles.
Todos nos abandonam nesta tarefa de olhar o céu.
Mas como fazê-lo sem implantar bem os pés na terra, este imenso hangar?
E como fazê-lo se não aprendemos ainda a soletrar a mais básica linguagem da terra com seu elementar alfabeto de apenas quatro letras?
Quando a terra, a água, o ar e o fogo significarem, para nós, a estabilidade, a mudança, a inteligência e o amor, quando no fruto que mordermos soubermos ler sem hesitações esta cartilha maternal, quando a escrita das nuvens se tornar eloquente como um anúncio de televisão, quando os braços abertos de todos os Cristos nos falarem de abraços e os pés na cruz nos lembrarem o abandono a que temos votado os nossos próprios pilares, bem podem passar Páscoas pelos nossos cabelos cada vez mais embranquecidos, continuaremos a ser os pilatos que lavam as mãos na água cada vez mais suja.
Mas desconfio que o tempo dos olhos fechados e dos pés ignorados está para acabar. Segreda-mo um Cristo que acaba de passar. Tão rápido, que apenas ficou na fotografia a nuvem que o seguia.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

...o mais cruel de todos os animais

"[...] o homem é o mais cruel de todos os animais.
Nada no mundo lhe deu jamais tanto prazer como as tragédias, as corridas de touros e as crucificações; e no dia em que inventou o inferno, teve o seu paraíso na terra"

- Friedrich Nietzsche, Assim Falava Zaratustra.