quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Fiandeira

(Deixo este de Pessoa:
«Entre o sono e o sonho
Entre o sonho e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim...»
[Todo o poema é esta "velação"]:
"E quem me sinto e morre/No que me liga a mim/Dorme onde o rio corre - [que] "Esse rio sem fim.")
Se me permitem, fio aqui este Natal.
Desejo-vos um bom "Entre-natal".)





Dorme! Que os cabelos embranquecem
Na roca em que fias a verdade das vestes:
Nua, repousa o fuso das horas na chama que te vela.
Não há sono nas árvores nem nos frutos
Há em cada entrelaçar do fio, uma narrativa exemplar.

Há em cada ponto que a luz acende, uma malha que cai.
Assim, até à nudez original das vestes, vai fiando sem repousar.
Não há corvos nem pássaros a sobrevoar o Dia!
Dorme! Dentro do tronco nodoso da casca.
Não fia só a roda de fiar, nem só silêncio tece.
Sem janelas, sem porta, Sem torre.
Guarda-te o cão a carne nos dentes.

Dorme ainda! Visitou-a o Sol
E a Lua guarda a corda e o tom do abandono.
Calam-se tarde as vozes! o jardim-sepulcro ainda espera nada.
Dorme! Contam-te a história enquanto dormes.
Escuta a nota desse som: sem ouvidos, sem boca.
Buraco no tecido aberto do ser.
Dentro da casa, as árvores de fora envelhecem
Os ramos que sobem pelo leite dos altos arvoredos.
Imóveis cantam.
É Natal!
Um fio de luz acorda pela janela fechada.
Fias ainda.

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