"Para o auto-sentimento cristão, o homem mais perfeito é o que com mais verdade possa dizer 'eu sou eu'; para a ciência, o homem mais perfeito é o que com mais justiça possa dizer 'eu sou todos os outros' ".
(Álvaro de Campos, Ultimatum)
Nem cá mais verdade.
Nem cá mais justiça.
Para mim, nem uma coisa nem outra. Nem isto:
"O Super-homem será, não o mais forte, mas o mais completo!
O Super-homem será, não o mais duro, mas o mais complexo!
O Super-homem será, não o mais livre, mas o mais harmónico!"
(ibidem)
Nem cá completo.
Nem cá complexo.
Nem cá harmónico.
Homem!
Apenas homem!
Se homem (haja que daí sobre)...
26 comentários:
Apenas Homem?!...
E se for apenas Árvore, também?!
E se for apenas Poema?!
Não: nem mesmo os meus irmãos cães são só cães ou meus irmãos.
E, se ao super-homem molesta a criptonite, não menos verde é a esperança que ridiculariza o Lex Luthor. Falamos do homem e do super-homem, não? São estes, ou quais são? Resta saber, explicitar, definir, o próprio contexto dar a ver.
Bem, mas não importa, o contexto particular.
A questão, em todo o caso, é que "Homem", por exemplo, como "Cão", isso é apenas uma palavra e, logo, um universal.
"Árvore" também. E o que existe, para além da palavra, são árvores a sério, todas diferentes entre si, mesmo quando são da mesma espécie, ou mesmo quando são explicadas por uma mesma biologia. Nesse sentido, toda e qualquer árvore é uma super-árvore, relativamente a cada uma das outras e relativamente ao que fosse a Árvore em si. De resto, não só relativamente a outras árvores presentes, não só assim espacialmente é cada árvore uma super-árvore: senão que, momento a momento, em direcção ao futuro, cada árvore também a si mesma se supera, também de si mesma se distingue.
Ora, nem mesmo os próprios universais e as palavras mesmas podem ser sempre os mesmos e todos iguais. E se em vez de distintos poemas existisse apenas o "Poema" já nem mesmo a palavra "Arte" teria sentido.
Está bem que o senso-comum e os preconceitos, por exemplo, ou os estados totalitários, tendem a limitar essa diferença entre cada peça literária e entre cada poeta. Mas a mim, se também não me importa muito a "complexidade", o que me parece ser mais "perfeito", menos fenecido, e mais "verdadeiro", é "justamente" o contrário: potenciar, para o que se requer certa "harmonização", a unicidade de cada "nota" ou "pausa" e de cada "melodia" formada por elas, a unicidade de cada "vida", de cada "árvore", de cada "homem" ou "mulher", de tal forma que de cada um deles se possa vir a dizer que positivamente supera, que em si mesmo aperfeiçoa, o sentido actual e corriqueiro, tantas vezes falso, das palavras, que são "armas", assinaladas.
"Nem nem" não, pois, e sim "sim sim": "mais perfeito" e ao mesmo tempo "super", "sobre", ou "melhor", "mais belo" ou "mais sábio", dá igual, conquanto se o seja ou faça por ser e a palavra não seja vazia. E, mais do que a separação entre esses universais, o que importa discutir e avaliar é toda a quantidade de exemplos individuais possíveis de "superação", "aperfeiçoamento" e "harmonização" do "bem", da "beleza" e da "verdade".
Quanto ao mais, se «chegamos» ou «não chegamos»: que importa?! «Vamos»: nessa trágica direcção.
Godinho:
«Nunca vivi nada em vão
cada qual sabe do que tem
ninguém pertence a ninguém
seja inimigo ou irmão
seja inimigo ou irmão
temos a nortada na pele
a discutir do farnel
já se perdeu muito pão
já se perdeu muito pão
e as bocas ainda a sonhar
a ver esperanças no ar
quando há certezas no chão»
Outro!
Eu sabia! Leôncio ÓÓrégão... nunca achei o nome normal.
"Dá-me os óculos."
Ocorrem-me as palavras de Cesariny
...
"Todo o homem é teatro de uma inexpugnável autoridade.
Aquele que julga ser possível autorizar ou desautorizar a autoridade de outrem não sabe no que se mete.
Liberdade.
A liberdade conhece-se pelo seu fulgor.
Quatro homens livres não são mais liberdade do que um só. Mas são mais reverbero no mesmo fulgor.
Trocar a liberdade em liberdades é a moda corrente do libertino.
Pode prender-se um homem e pô-lo a pão e água. Pode tirar-se-lhe o pão e não se lhe dar a água. Pode-se pô-lo a morrer, pendurado no ar, ou à dentada, com cães. Mas é impossível tirar-lhe seja que parte for da liberdade que ele é.
Ser-se livre é possuir-se a capacidade de lutar contra o que nos oprime. Quanto mais perseguido mais perigoso. Quanto mais livre mais capaz.
Do cadáver dum homem que morre livre pode sair acentuado mau cheiro – nunca será um escravo.
Autoridade e Liberdade são uma e a mesma coisa.”
(Mário Cesariny, in “A única real tradição viva, antologia da poesia surrealista portuguesa” assírio & alvim, 1998)
Mas…
Importa saber o que no homem é inexpugnável, não para que ele saia vitorioso, por ser “superior”, em qualquer qualidade, senão que a liberdade vise a virtude e o bem de cada um e o de todos. O olhar amoroso sobre cada coisa é que faz com que cada coisa, paisagem, homem, tudo, seja singular e único. Porque o homem vive na relação com os outros seres e com o divino. (para eles e neles).
Importa, talvez, não tanto saber o que é a Liberdade ou o Homem perfeito ou poderoso, mas querer essa Liberdade para todos os Homens e para todos os seres. Todos! Inclúindo os que não são nem virtuosos nem livres.
Abraço.
Toda a afirmação, por mais abrangente que seja, é oposta à sua contrária. Isso é uma evidência lógica, a qual tem também implicações sociais. Porém, nada de mal vem necessariamente ao mundo por isso e, consoante as sociedades, as implicações sociais podem até ser positivas.
Concordo com o Cesariny. Com efeito, a discussão (mútua sacudidela) salutar, que é a lúdica, ou estética, desinteressada, descomplexada, não calculada, não dogmaticamente moralista, é a que mais nos aproxima da unicidade do outro, ao mesmo tempo que define na prática a nossa própria unicidade. É um tipo de relacionamento com o outro que é mesmo partilha, no qual o próprio se dá como é ou quer e finge ser, recebendo o outro da mesma maneira. Trata-se, pois, duma atitude que se distingue tanto do relativismo libertino em que cada um não acredita entusiasticamente nas suas posições como do autoritarismo em que se faz uso dalgum poder ou fama exterioriores à mensagem comunicada para aumentar ou diminuir a sua reverberação natural.
Não há razão para que nos sintamos desautorizados na ou pela diferença: a liberdade é estar, não indiferente, mas em todo o caso à-vontade. O verdadeiro perigo, até mesmo, e sobretudo, no próprio amor, é o de se dissolverem o outro e o próprio nalguma identidade demasiado comum.
Com mais tempo, já poderemos conversar estas questões muito melhor do que agora me é possível. E nessa discussão futura provavelmente chegaremos a entender-nos muito melhor.
Até à hora.
Há dias, parti os óculos.
«Ó impiedosos deuses da glória e do infortúnio!»
O Supra-homem será o mais menos
Na minha leitura de Nietzsche, a possibildade mais elevada do Homem não é ser o mais menos. Essa é a sua segunda possibilidade mais elevada e uma condição necessária para a possibilidade mais elevada.
Tornar-se no mais menos é metamorfosear-se o espírito de camelo em leão: trata-se da negação, da despersonalização, do esvaziamento, da crítica e de todo o abanar de ombros que liberta o espírito do peso dos ideais e dos hábitos anteriormente carregados (, carregados como se pudessem compensar o deserto em redor do camelo).
A possibilidade mais elevada, entretanto, é a de o leão, que é ainda violento, no sentido em que destroi o seu eu, se metamorfosear em criança. Como criança, e face ao vazio deixado pelo leão (, face ao deserto interiorizado, assumido, pelo leão), a criança joga e cria, ou seja começa a encher de novo o vazio (, cultiva o deserto, planta árvores, nascem oásis), arranja novos ideais e novos hábitos, volta a iludir-se e a errar. E o que cria, ou o que a ilude e o seu erro, isso não é coisa pouca, é um acontecimento real, uma aparição definida: a criança erra e ilude-se porque o que tem que criar é uma coisa singular, que seja o mais possível essa coisa, tal como cada música, poema, árvore ou cão também são únicos.
Sendo assim, pois claro, aos poucos, envelhecendo com o que começou por criar, a criança volta a metamorfosear-se, desta feita de novo em camelo: o seu erro, que é também a paixão e a força capaz de criar, é acreditar, convencer-se, ficar orgulhosa, pelo que aos poucos se vai deixando a descansar à sombra do que já criou e é essa mesma criação que aos poucos lhe vai pesando. E é por isso que o leão volta a ser necessário, é por isso que nunca chegamos definitivamente ao paraíso, é por isso que o paraíso tem de ser continuamente criado e é por isso que uma certa violência não é dispensável, aquela que cada um tem de voltar a exercer sobre os seus próprios hábitos e ideais, para se renovar, para da menorização do que já foi no passado PODER (não dominar os outros mas de preferência) voltar a ser maximamente alguma coisa no presente. E maximamente quer apenas dizer vividamente, definidamente, como uma personagem bem construída, como um poema que não pode ter senão as palavras que tem, como a particular silhueta de cada árvore. (Inumana é a metamorfose desta vontade de poder dar forma e existência ao futuro em uma vontade de poder sobre as outras formas de vida presentes.)
Sobre-humano é apenas, talvez, o que recorrentemente resulta da superação do ciclo e da dialéctica entre o menos e o mais: ou seja um Homem que deixa de ser o Homem que é e se torna noutro Homem. E o que há a aprender é, talvez, como não ficar estagnado nalgum estado do ciclo, nalguma figura de Homem, sem no entanto se ser tão fugaz que não se tenha tempo para apreciar e desenvolver rigorosamente cada figura: «hábitos», sim, dizia Nietzsche, ainda que «breves»...
O que vale é que as palavras dão para tudo...
Isso parece-me mórbido, Fausta.
Breve como é a vida, há tempo para descansar à sombra e para brincar ao sol, para fluir com o rio e para remar contra a maré. Assim haja também justas razões e boa vontade.
Apodrecer é quando se morre e é tanto deixar de ser menino como deixar de ser crescido e de ser pai, é tanto não renascer como não ser fértil, é tanto não ter humildade como não ter orgulho e esperança, é tanto não ser aprendiz como não ter qualquer mestria, é tanto ser ingénuo como ser cínico, é tanto o dogmatismo como o relativismo, é tanto o dogmatismo do relativismo como o relativismo do dogmatismo, é todo o ismo, o meu também, se eu der demasiada importância à forma particular que assumem neste momento as ideias nas minhas palavras...
Já viver, entretanto, é, sem excessiva vergonha nem excessiva vaidade, ser alguma coisa, alguém, ou ir sendo várias coisas, todas com os seus defeitos e as suas qualidades, já algo maduras e ainda com certa imaturidade... Creio até que é dessa forma, cuidando cada um melhor de si mesmo e melhorando-se aos poucos, que se evita, para além do sentimento de que "já não servimos", a raiva e o ódio, o incómodo perante o outro, o sentirmos o outro como um atacante, como perturbador da paz, o que é o primeiro passo que damos no sentido de o marginalizar ou destruir...
Bolas!
Ninguém falou das aspas:
"homem mais perfeito"
versus
"super-homem".
Ninguém:
isto é, todo o mundo.
Chiça para o Gil Vicente, mais esta do Todo-o-Mundo e Ninguém!
E porque diacho têm de vir as bigodaças do Zarucatustra do Nietzsche à pachorra da conversa, sempre que se fala de "super-homem". Apre!
Cheira-me logo a bigodeira chamuscada pelo safardana do Mefistófeles!
Houve de tudo por aqui: diarreia, engastos, arrotos, vómitos e espirros! Gostei!
Mas também podia (não) ter gostado.
Mãezinha, ensina-me a ser um conceito. Um que não seja excessivo.
Eu brinco... de princesa. Na outra orelha, o s'ismo mas a imaturidade não deixa que a corte e oferece-me outro brinco para completar a 'toilete.
Currículo. É tudo.
Se eu puder escolher, prefiro ser um engasto,é menos "do entio"!
ATCHIM!!
Leonardo!
"super-homem" = nietzcheano V "super-homem" = banda-desenhada V "super-homem" = "super-camões" pessoano V "super-homem" = ?
"super-homem" nietzschiano = futuro, outro
Homem = nós, agora
vómito = espirro = desgastado = doentio = crítico sem esperança valiosa = esperançoso acrítico = falar sem nada dizer = nada de novo ou inteiro trazer = impotência
excesso de crítica = falta de crítica (de si mesmo enquanto crítico)
currículo = caminho
caminho = verdadeiro, auto-expositivo V caminho = falso, auto-consolador e hetero-menorizador <= razões e necessidades = concretas e não armadas em vagas como querem parecer
verdadeiro = mais difícil = mais interessante = mais fruível a sós e em conjunto
Humil demente com tributo em forma de ver_betinho aqui ao "Grande Dicionário Lusomanicómico Entranhudo":
"Currículo" s.m. (sXII cf IVP) Cu ridículo que os caracóis universitários deixam marcado no chão que julgam que pisam quando se pisam uns aos outros na recíproca baba rebarbativa em que se dão lustro de brilho mate.(Etim. Do latido, por via popular, "Curri cu lo", que daria origem a "dar de frosques", por via eru dita. O mesmo radical dará origem também a "cu ridinho", mas por outra via, incerta esta)
ridículo...
lulucida
«Wert thou all that I wish thee
Great, glorious and free»
Enviar um comentário