quinta-feira, 30 de setembro de 2010

AZUL

Azul foi ontem quando te ouvi e hoje depois que te li. Azul é quando sonho com o mar e o céu, que se misturam no meu olhar. Brilham as estrelas quando te canto. Fco azul, tão azul como ontem quando te ouvi. Tocas devagar o concerto nº2 de Chopin e o Maestro desmaia no acorde onde tudo é azul, tão azul como hoje quando te li. Se o silêncio pede por pausa, um bater de palmas tímido chama por ti, mais uma vez. Estás azul, tão azul como o céu que agora sorri. No fechar das cortinas descubro o vermelho carmim abraçando com paixão o azul do mundo que veio de ti. Na mistura do branco com o negro, do verde com o azul, és azul, tão azul como nunca vi. Nasce em nós a cor que doce se mistura sem nunca ser única. Dou-te um filho quase azul que abraça o verde sem preconceito. Dou-te um beijo vermelho da cor do sangue que corre entre nós. Azul, quase azul seremos tais na mistura do teu sorriso com meu.
Descansa agora que a noite regressa quase sem cor.

Só no Infinito o finito encontra a sua verdade


Para o homem religioso, a realidade não se esgota na sua imediatidade empírica: para a sua compreensão adequada, a realidade mesma aparece-lhe como incluindo uma Presença que não se vê em si mesma, mas implicada no que se vê. Mediante certas características - a contingência radical, a morte e o protesto contra ela, a exigência de sentido -, a própria realidade se mostra implicando essa Presença sagrada, divina, como seu fundamento e sentido últimos.
Neste quadro, é decisiva a experiência da contingência radical do mundo, de cada homem e cada mulher, mas, como escreveu R. Panikkar, precisamente assim: contigência deriva do latim  cum-tangere, com o sentido de que "tocamos (tangere) os nossos limites" e o "ilimitado toca-nos (cum-tangere) tangencialmente: só no Infinito o finito encontra a sua verdade.

Anselmo Borges, Religião e Diálogo Inter-religioso, 2010, Imprensa da Universidade de Coimbra, pp.37-38

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Colóquio "Religião e (in)felicidade" - Seminário da Boa Nova - 9/10 de Outubro

Colóquios Igreja em Diálogo - Religião e (in)felicidade
Seminário da Boa Nova - Valadares - Vila Nova de Gaia

Dia 9 de Outubro de 2010

10.00: Religião e (in)felicidade: ambiguidades das religiões

Anselmo Borges (Organização do Colóquio)

11.30: Prazeres e beatitude

Teresa Toldy (Universidade Fernando Pessoa)

14.30: Cérebro, prazeres e felicidade

Miguel Castelo-Branco e Nicolás Lori (Universidade de Coimbra)

16.00: Sofrimento, Medicina e o Transcendente

João Lobo Antunes (Universidade de Lisboa)

17.30: Deus e o mal

Andrés Torres Queiruga (Universidade de Santiago)

21.30: As religiões e a paz. O diálogo inter-religioso

Andrés Torres Queiruga e Paulo Borges (Universidade de Lisboa)

Apresentação do livro Religião e Diálogo Inter-Religioso, de Anselmo Borges (Imprensa da Universidade de Coimbra, 2010) e do nº1 da revista Cultura ENTRE Culturas

Dia 10 de Outubro de 2010

9.30: : Memória das vítimas e sentido da História

Manuel Reyes-Mate (CSIC, Madrid)

11.30: Ignorância, sofrimento e Despertar segundo a via do Buda

Paulo Borges (Universidade de Lisboa)

14.30: Elogio do inútil

José Tolentino de Mendonça (Universidade Católica Portuguesa)

16.00: A humanização de Deus

José Maria Castillo (Universidade de Granada)

17.30: Palavra de encerramento

Albino Valente dos Anjos

(Superior Geral da Sociedade Missionária Portuguesa)

"Trata os outros como gostarias que te tratassem"

Alguns aspectos da ética podem justamente ser considerados universais, ou praticamente universais. A reciprocidade, pelo menos, parece ser comum a todos os sistemas éticos. A noção de reciprocidade pode ter servido de base à «regra de ouro» - trata os outros como gostarias que te tratassem -, que eleva a ideia de reciprocidade a um princípio distinto não necessariamente relacionado com o modo como alguém nos tratou no passado. A regra de ouro encontra-se - com diferentes formulações - numa grande variedade de culturas e ensinamentos religiosos, incluindo, numa ordem aproximadamente cronológica, os de Zoroastro, Confúcio, Mahavira, no «Levítico», em Hillel, Jesus, Maomé, Kant e muitos outros. Na última década assistiu-se a uma tentativa de redacção de uma «Declaração de Uma Ética Mundial», uma afirmação de principios que são universalmente aceites em todas as culturas. Este projecto teve início num encontro conhecido como «Parlamento das Religiões do Mundo» - mais estritamente falando, o Segundo Parlamento das Religiões do Mundo, pois este reuniu-se em Chicago em 1993, um século depois da sua primeira reunião. Circulam actualmente diferentes versões da declaração. Uma delas, redigida pelo teólogo Hans Kung e aprovada pelo Segundo Parlamento das Religiões do Mundo, principia com uma exigência fundamental de que «todo o ser humano seja tratado humanamente». Tornando esta exigência mais precisa, refere-se a regra de ouro como «norma irrevogável e incondicional aplicável a todas as áreas da vida». Leonard Swidler, que preside ao Centro para a Ética Mundial, na Universidade de Temple, em Filadélfia, publicou uma versão revista deste documento que considera a própria regra de ouro a regra fundamental da ética.

Peter Singer, Um Só Mundo, 2004, Gradiva, Lisboa, pp.196-197

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Annual Muslim Day Parade Aims To Promote Interfaith Dialogue


28/9/2010

Hundreds of Muslim New Yorkers gathered in Manhattan yesterday for a parade promoting understanding and cooperation between faiths.


The 25th Annual Muslim Day Parade marched down Madison Avenue.

Many Muslims said they made a special effort to come this year amid controversy surrounding the planned Islamic cultural center and mosque near the World Trade Center site.

Organizers say it was a celebration of peace and blessings but also time for Muslims to speak out and protect their rights.

"Stop lying down. The time has come to stand up,” said Muslim Day Parade Chairman Dr. Shafi Bezar. “You stand up and protect your rights."

"We just came here to clarify that we are the average people like everybody else and we are just practicing our religion,” said one parade-goer. “And our religion has the same message as the other religions."

"We are just trying to show that we are a good community to the New Yorkers and everywhere,” said another.

The day's celebrations also included prayer and a bazaar with food, clothing and books from around the world.

fonte: http://manhattan.ny1.com/content/top_stories/126128/annual-muslim-day-parade-aims-to-promote-interfaith-dialogue

4 de Outubro - 18.30 - Dia de São Francisco de Assis / Dia Mundial dos Animais

domingo, 26 de setembro de 2010

"Já estamos no Reino: a eternidade é agora."

André Comte-Sponville

Comte-Sponville faz o elenco das razões que o levam a não crer em Deus, sendo uma das principais a existência do mal: como é que Deus é compatível com tanta maldade e sofrimento no mundo? Mas afirma-se espiritual - prefere a expressão espiritualidade a religiosidade, porque a religião está vinculada em princípio a religiões institucionalizadas -, no quadro de um certo tipo de experiência mística, feito de evidência, de plenitude, silêncio, experiência oceânica, simplicidade, eternidade... Quando falta Deus, há "a plenitude do que é, que não é um Deus, nem um sujeito". Há o Todo, pouco importando os nomes: o ilimitado (Anaximandro), o devir (Heraclito), o ser (Parménides), o Tao (Lao-tsé), a natureza (Lucrécio, Espinosa), o mundo ("o conjunto de tudo o que acontece": Wittgenstein), o real "sem sujeito nem fim" (Althusser), o presente ou o silêncio (Krishnamurti) - "o absoluto em acto e sem pessoa".

Quando não há Deus que nos salva, que é a espiritualidade? "É a nossa relação finita com o infinito ou a imensidade, a nossa experiência temporal da eternidade, o nosso acesso relativo ao absoluto". O que faz viver não é a esperança, mas o amor; o que liberta não é a fé, mas a verdade. "Já estamos no Reino: a eternidade é agora".

Anselmo Borges, Religião e Diálogo Inter-religioso, 2010, Imprensa da Universidade de Coimbra, pp.54-55

Sacrifício - As vítimas do sacrifício e do espírito de sacrifício têm dele uma ideia muito diferente da dos espectadores; mas nunca lhes foi dada a palavra.


- F. Nietzsche, in A Gaia Ciência

Não existe nada mais terrível do que o infinito

124 - No horizonte do infinito. - Deixamos a terra, subimos a bordo! Destruímos a ponte atrás de nós, melhor, destruímos a terra atrás de nós. E agora, barquinho, toma cuidado! Dos teus lados está o oceano; é verdade que nem sempre brame; a sua toalha estende-se às vezes como seda e ouro, um sonho de bondade. Mas, virão horas em que reconhecerás que ele é infinito e que não existe nada mais terrível do que o infinito. Ah, pobre pássaro, que te sentias livre e que esbarras agora com as grades desta gaiola! Desgraçado de ti se fores dominado pela nostalgia da terra, como se lá em baixo tivesse havido mais liberdade... agora deixou de haver «terra»!

F. Nietzsche, A Gaia Ciência, trad. Alfredo Margarido, 2000, Guimarães Editores, Lisboa, p.140

Da ilimitação da "alma" ou de como em todo o lugar nos podemos descobrir como se já lá estivéssemos

“Ordena à tua alma que se transporte para a Índia e eis que, mais rápida que a tua ordem, ela aí será. Ordena-lhe que passe de seguida ao oceano e eis que, de novo, ela aí estará imediatamente, não por ter viajado de um lugar a outro, mas como se já lá se encontrasse. Ordena-lhe mesmo voar para o céu e ela não terá necessidade de asas: nada lhe pode obstar, nem o fogo do sol, nem o éter, nem a revolução do céu, nem os corpos dos outros astros: mas, cortando através de todos os espaços, ela ascenderá no seu voo até ao derradeiro corpo. E se quisesses ainda romper a abóbada do próprio universo e contemplar o que está além (se é que existe alguma coisa para além do mundo) tu podê-lo-ias”

– Hermes Trismegisto, Corpus Hermeticum, I, XI, 19, texto estabelecido por A. D. Nock e traduzido por A.-J. Festugière, Paris,. Les Belles Lettres, 1991, pp.154-155.

sábado, 25 de setembro de 2010

A religião é uma atitude

Compreende-se que uma religião organizada, com cerimónias e templos, não tivesse para Sanderson atractivos especiais; há em Oundle uma capela e serviços religiosos; mas, para o director, a religião é uma atitude, não é nem uma doutrina, nem um ritual, nem um formulário; a oficina, o campo de jogos, o jardim botânico são templos em que se adora Deus muito melhor que na igreja; toda a vida tem de ser religiosa, não apenas a breve hora de domingo; aí sobretudo se deve reflectir sobre o que se fez e sobre o que se vai fazer, ganhando ao contacto de espíritos irmãos a força moral, a coragem, a nobreza necessárias para a faina.

Agostinho da Silva, Sanderson e a Escola de Oundle, 1990, Ulmeiro, Lisboa, p.64

Fernando Pessoa - Mensagem - António Vieira



PESSOA, Fernando, 1888-1935Mensagem / Fernando Pessoa. - 1934. - [70] p. ; 22,2 x 14,7 cm

Dactiloscrito a tinta preta com emendas e acrescentos autógrafos a lápis e a tinta preta. - Exemplar encadernado em tecido cinzento, com identificação na lombada. - Primeira versão do título dactiloscrita «PORTUGAL», riscada e substituída pelo título supra, a lápis. - Versão completa, com notas manuscritas para tipografia, que inclui folha de rosto e índice autógrafo a tinta preta, com a mesma tinta da numeração das páginas. - Exemplar adquirido em 1990, com o patrocínio da CNCDP. Nota manuscrita sobre anteriores proprietários, na folha de guarda: «Comprado a Antonio Fumaça em 1.10.65. Pertencia ao espólio do Sr. Armando de Figueiredo, da Editorial Império». - Publicado com o título «Mensagem». Lisboa : Parceria António Maria Pereira, 1934.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

"[...] ser místico de todas as religiões e filósofo de todas as filosofias"

[…] Não há hoje no mundo nenhuma crise real de ciência ou de técnica, de política ou de moral, de pedagogia ou de arte. Tudo vem como aspecto ou como projecção de uma crise de pensamento filosófico: a multidão de fenómenos, materiais e espirituais, excedeu as disponibilidades do homem pensante, habituado a sistemas do real, quanto agora se lhe abrem as exigências de concatenar, num todo único e vivido, o real e o possível; habituado a ser apenas filósofo ou apenas místico quando tem que se virar agora a ser simultaneamente místico e filósofo, com a agravante de que, se era místico de uma só religião ou filósofo de uma só filosofia, tem hoje de encarar o ser místico de todas as religiões e filósofo de todas as filosofias"

- Agostinho da Silva, “Vicente: filosofia e vida” [1972], in Textos e Ensaios Filosóficos II, p. 279 [texto sobre o seu amigo e filósofo brasileiro Vicente Ferreira da Silva].

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

China must not miss the opportunity to talk to the Dalai Lama

22/09/2010

Passau, Germany, 21 September, 2010 - "China must not miss this opportunity to talk to the Dalai Lama to resolve the Tibetan issue," said Mr. Roland Koch, the former Minister President of the German state of Hesse. "I believe it is in the Chinese own interest to make peace with the Dalai Lama."

Mr. Koch made these remarks during the 2010 Menschen in Europe Award presentation to His Holiness the Dalai Lama by the Verlagsgruppe Passau.

"This man stands for non-violence," he said. Mr. Koch added that failing to support His Holiness means the gun is right. He called on the free people of the world to stand and do something for the Tibetan people.

His Holiness the Dalai Lama said that he was honored to receive the award. He said that since childhood, he had a close feeling with Deutschland. "You built a new nation from ashes. From immense destruction you have built a strong economy and developed a good democratic system. I admire you all," he said.

His Holiness said that the education system should focus more on human values and quality. Moral ethnics not based on religion but on Secularism. However, Secularism doesn't mean disrespect for religion.

Speaking on the Tibetan issue in response to a question from the panel discussion's moderator, His Holiness said, "Our demand is simple. The Tibetan issue has nothing to do with the Dalai Lama's institution. Tibetan people have placed trust in the Dalai Lama and majority of Tibetan people will listen him. I am one simple person. The Tibetan issue is an issue of 6 million Tibetans. The Chinese try to make the Tibetan issue a Dalai Lama issue."

His Holiness the Dalai Lama said that the 20th century was a century of war and the 21st century should be a century of dialogue and peace. Peace does not mean that there are no more conflicts. "But the goal should be to find for both sides, a solution that is acceptable," he said.

Previous winners have included former United Nations Secretary General, Kofi Annan, Chancellor Angela Merkel (CDU) and the Israeli President Shimon Peres.

fonte: http://www.dalailama.com/news/post/586-china-must-not-miss-this-opportunity-to-talk-to-the-dalai-lama

Papa alerta para secularismo "agressivo"

23/9/2010

Bento XVI renovou ontem os seus alertas contra o “secularismo agressivo que ameaça os valores fundamentais”.

Num balanço à sua recente visita ao Reino Unido (entre 16 e 19 de Setembro), o Papa disse que face a este tipo de secularismo, “a Igreja não se cansa de trabalhar para manter desperta esta tradição espiritual e cultural”.

E pediu aos fiéis que defendam “aquelas verdades morais imutáveis que, iluminadas e confirmadas pelo Evangelho, estão na base de uma verdadeira sociedade humana, justa e livre”. Sobre a sua viagem ao Reino Unido, o Santo Padre classificou-a de “acontecimento histórico” que marcou uma “nova e importante fase” na relação “longa e complexa” entre o país e a Santa Sé.

Foi “uma peregrinação ao coração da história e da actualidade de um povo rico de cultura e fé”.

“Ao dirigir-me aos cidadãos daquele país, encruzilhada da cultura e da economia mundial, tive presente todo o Ocidente, dialogando com o pensamento desta civilização”, acrescentou.

A próxima visita de Bento XVI ao estrangeiro será a Barcelona, nos dias 6 e 7 de Novembro, onde “vai dedicar o templo expiatório da Sagrada Família, do arquitecto catalão Antoni Gaudí, cuja vida e obra estão em análise com vista à beatificação”.

JM

fonte: http://www.jornaldamadeira.pt/not2008.php?Seccao=7&id=162943&sup=0&sdata=

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Muro isola ciganos em cidade eslovaca

27-08-2010
Os habitantes do bairro de Východ, na cidade eslovaca de Michalovce, mandaram construir um muro para os separar dos ciganos que vivem na vizinhança. Os habitantes pagaram todas as despesas do próprio bolso.

O muro tem cerca de dois metros de altura e mais de 25 de comprimento. A comunidade cigana vizinha tem cerca de 1800 elementos, que já se manifestaram contra a edificação.

A população alega que os ciganos do acampamento vizinho sujavam e danificavam as infra-estruturas do bairro. A atitude dos habitantes de Michalovce reveste-se de particular importância depois de a França ter expulsado os ciganos ilegais do país e de outros países europeus ameaçarem seguir a mesma medida.

fonte: http://www.diario.iol.pt/internacional/ciganos-eslovaquia-muro-populacao-michalovce-tvi24/1187665-4073.html

terça-feira, 21 de setembro de 2010

"(...) o Tibete já quase não desperta interesse entre as capitais ocidentais."


O interesse da comunidade internacional na causa tibetana é, na melhor das hipóteses, periférico. A causa tibetana não tem qualquer importância para os países, especificamente para os Estados Unidos, que se sabe intervirem militarmente ou através de sanções económicas em regiões que consideram ter importância económica ou estratégica para os seu próprios interesses. Se o Tibete tivesse grandes quantidades de reservas petrolíferas, o seu destino teria sido marcadamente diferente. Dado que nada mais é que um planalto com 1 221 600 quilómetros quadrados, coberto por gelo permanente, sem qualquer importância estratégica para o Ocidente, o Tibete já quase não desperta interesse entre as capitais ocidentais.

Mayank Chhaya, A Vida do Dalai Lama, 2007, Editorial Presença, Lisboa, p.198

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

XIX ENCONTRO INTER-RELIGIOSO DE MEDITAÇÃO - 3ª, 21, 18.30 - uma iniciativa no espírito ENTRE

XIX ENCONTRO INTER-RELIGIOSO DE MEDITAÇÃO

na Comunidade Bahá’í de Portugal

3ª Feira, 21 de Setembro de 2010, 18H30

“Tão Poderosa é a Luz da Unidade que pode iluminar toda a terra” Bahá’u’llah

A Comunidade Bahá’í de Portugal convida todas as comunidades religiosas, e público em geral, para partilharem connosco estes momentos de tranquilidade em mais um Encontro Inter-Religioso de Meditação.

A recepção será a partir das 18H00 e o Encontro terá início às 18H30 com algumas leituras de textos de cada comunidade presente, seguidos de meditação (25 min.).

“Não pode haver dúvida alguma de que os povos do mundo, de qualquer raça ou religião, derivam a sua inspiração de uma só Fonte divina e são os súbditos de um único Deus”.

Esperemos, pois, que os nossos corações comunguem desta verdade e os nossos espíritos se encontrem na meditação e no silêncio.

Comunidade Bahá’í de Portugal

______________________________________________________________

Av. Ventura Terra, 1 – Lisboa (Junto ao Metro de Telheiras)

Autocarros: 767, 747, 778 (do lado de Telheiras)
750 (2ª Circular – 2ª paragem depois da Churrasqueira do Campo Grande ou 1ª depois da Escola Alemã)

Metro: Telheiras (saída para Escola Alemã)

http://www.paroquia-santo-antonio-campolide.org/

Contactos:
Lisete Marques: lisetemarques@hotmail.com
Tlm: 96 8989167
Ivone Félix Correia: gae@bahai.pt
Tlm: 93 6444511

domingo, 19 de setembro de 2010

E se os anjos andassem pela Terra?

Revendo Asas do desejo, de W. Wenders


                                          

A ornitologia
não prevê híbridos nem bichos tristes
mas tem por objeto apenas
aves
– talvez asas.

A solidariedade
com seus pares de asas instantâneas
e fugazes
dispensa documentos.

Um anjo não seria a data certa.
Os anjos fluem no tempo e não têm fim
cadastro ou classe
– são marcas de fantasia sem empresa
e se eles amam
o amor que irradiam é de outra dimensão.

Não sendo assim um anjo será
Lúcifer, o anjo ambíguo,
se não o amante ideal, perfeito e malvestido.



sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Índice do nº2 da Cultura ENTRE Culturas. O nº1 é apresentado hoje, às 19h, na Feira de Alternativas de Sintra (São Pedro)

índice /|/

entre tantos e tanto
| editorial 3

in memoriam

raimon panikkar nove sutras sobre a paz 6

antónio telmo portugal dans la découverte de l’au-delà de l’histoire 7

do oriente e dos orientes a ocidente
| ensaios 5

carlos joão correia
oriente/ocidente: a questão da identidade pessoal 12

rui lopo
da universalidade, do oriente, do orientalismo, da filosofia da religião, do budismo definido como niilismo e do que haja de romântico entre tudo isto. (Diário de uma investigação) 23

amon pinho
cristianismo e vontade, ocidente e crise de espírito: da interpretação niilista de O Budismo ao buda-dharma e ao universalismo, percursos de agostinho da silva 29

paulo borges
fernando pessoa no tibete ou de como pelo bar-do se compreende dom sebastião como o “king of gaps”
e o quinto império como o seu “estranho reino” 41


entre nós e a voz a água corrente
poesia | photo graphia 49

rumi cruz e cristão, de ponto a ponto sondei 50

vicente franz cecim quatro poemas de “Fonte dos que dormem” 51

ethel feldman três poemas 55

maria sarmento marinheiros estáticos(poema entre-órfico) 58

longchenpa um excerto d’ ”A Liberdade Natural da Mente” 60

flávio lopes da silva três poemas e aforismos 62

sylvia beirute três poemas 65

donis de frol guilhade três poemas de “A voz maior que a boca” 68

simeão o novo teólogo hino 38 72

t.s.eliot ”little gidding” – extractos de “Quatro Quartetos” 73

rómulo de andrade três obras de “Berço das águas” 74

joão paulo farkas oito “olhares” duma viagem à Índia 76

dos ocidentes a oriente
81 | éditos e inéditos

82 neurociências e meditação
matthieu ricard

87 Deus, os deuses e o divino sob o olhar do monoteísmo
e do budismo françoise bonardel

as distorções que nós trazemos para o estudo
97 do budismo dzongsar khyentse rinpoche

porquê o Oriente?
105 - uma entrevista a giangiorgio pasqualotto

109 lei dos jentios
(apresentação e notas) ricardo ventura

dest ‘ artes
112 | dos elmos, dos almos
e dos telmos

antónio telmo
113 a identidade religiosa de luís de camões

miguel gullander
117 a meditação do cadáver

sam cyrous
123 da Pérsia ancestral ao Irão actual : do misticismo religioso à
modernidade teocrática

duarte drumond braga
126 notas sobre o “orientalismo” na poesia de Gil de Carvalho

abdul cadre
128 caminho de santiago


sobre escritos
recensões | opinião
miguel real
132 a morte da “filosofia portuguesa”

colaboradores
134 | cv / nota bio-bibliográfica

La Rapsodie Tzigane


Povo autenticamente eleito, os Ciganos não carregam a responsabilidade de nenhum acontecimento nem de nenhuma instituição. Venceram a terra graças ao seu cuidado de nada fundar nela.

E. M. Cioran, Silogismos da Amargura, 2009, Letra Livre, Lisboa, p.99

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Papa inicia hoje visita de quatro dias ao Reino Unido marcada por polémica


Londres, 16 set (Lusa) - O Papa Bento XVI inicia hoje uma visita de quatro dias ao Reino Unido, a primeira visita de Estado de um líder do Vaticano ao país maioritariamente anglicano em 500 anos, mas que tem sido envolvida em polémica.

Na quarta-feira, mais de 50 personalidades britânicas do mundo da ciência e das artes, incluindo o ator Stephen Fry e os escritores Ken Follet e Philip Pullman, criticaram o facto de a deslocação do Papa ser considerada visita de Estado e não apenas uma visita pastoral.

A visita de Bento XVI inclui encontros políticos com o primeiro-ministro, David Cameron, o vice-primeiro-ministro, Nick Clegg, e a líder da oposição, a trabalhista Harriet Harman.

O anúncio da beatificação de John Henry Newman durante a visita, e que demonstra a admiração de Bento XVI pelo teólogo britânico que trocou o anglicismo pelo catolicismo no século XIX, também suscitou de críticas em diversos setores da sociedade britânica.

Uma sondagem divulgada na terça-feira pelo diário The Times referia que apenas 14 por cento dos britânicos são favoráveis à visita de Bento XVI ao Reino Unido.

No sábado, grupos de ativistas dos direitos humanos, militantes a favor do aborto, feministas, defensores dos homossexuais, laicos e humanistas vão manifestar-se em Londres contra a visita papal, apesar dos esforços da hierarquia da Igreja no país em temperar os ânimos.

Hoje, no primeiro dia da visita, Bento XVI será recebido pela rainha Isabel II no palácio escocês de Holyroodhouse e presidirá no Bellahouston Park, em Glasgow, à primeira das três missas campais programadas para a deslocação e que estão também a gerar controvérsia pelo facto de a admissão aos serviços religiosos ser sujeita ao pagamento de bilhete de entrada.

PCR./CSR.

*** Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico ***

Lusa/Fim

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Tristan und Isolde - Prelude

SAGRADA FAMÍLIA

Jacinto Lucas Pires

Teatro, 17€, pp. 114
Estreia dia 16 de Setembro, na Culturgest

“ANTÓNIO Sabem o que é um poodle a roer um osso de pardal? Micro-economia. Sabem o que é o elefante na sala? Macro-economia. Sabem o que é um betinho vegetariano, intelectual e maricas? (Pausa: penteia as sobrancelhas.) Política, política, política! (Ri-se enquanto esfrega os dentes num esforço cada vez mais desesperado.)”

Dados de espectáculo:

Interpretação:
Anabela Almeida Arlete
Duarte Guimarães Pedro
Ivo Alexandre António
Joana Bárcia Maria
Miguel Fragata Filho

Encenação: Catarina Requeijo

Cenário e figurinos: Sara Amado

Desenho de luz: José Manuel Rodrigues

Produção executiva: Hugo Quinta

Co-produção: Culturgest e Teatro Viriato

Jacinto Lucas Pires nasceu no Porto (Portugal) a 14 de Julho de 1974. Estudou Direito na Universidade Católica de Lisboa e Cinema na New York Film Academy. Publicou o seu primeiro livro em 1996 e trabalha como dramaturgo e cineasta.

A sua obra encontra-se publicada em português pelos Livros Cotovia e também em espanhol, croata e tailandês. Várias peças suas estão traduzidas em francês, espanhol, inglês e norueguês. Em Portugal, os seus textos foram encenados por Manuel Wiborg, Ricardo Pais, Marcos Barbosa e João Brites. Alguns dos seus contos foram incluídos em colectâneas na Alemanha, em França, em Itália, na Bulgária, no Brasil e em Espanha. Tem contos em várias antologias portuguesas.

Escreveu e realizou duas curtas-metragens: Cinemaamor (1999) – prémio cine-clube no Festival de Cinema Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira – e B.D. (2004).

A qualidade é precisamente essa, a de escrever como quem pinta ou transcreve para uma pauta o que ouve assobiar na rua. O resultado, pretensiosismo à parte, é excepcional.

Expresso

Outros livros do autor:
(teatro)
Universos e frigoríficos (1997)
Arranha-céus (1999)
Escrever, falar (2002)
Figurantes e outras peças (2005)
Octávio no mundo, in Panos (2006)
Silenciador (2008)

(ficção)
Para averiguar do seu grau de pureza (1996)
Azul-turquesa (1998)
2 filmes e algo de algodão (1999)
Abre para cá (2000)
Do sol (2004)
Perfeitos milagres (2007)
Assobiar em público (2008)

(viagens)
Livro usado — numa viagem ao Japão (2001)

“Que seria de Portugal sem Pessoa e sem Camões? Ou da Rússia sem Tolstói, Dostoiévski e Tchékhov? Ou da Irlanda sem Joyce e Beckett? A literatura melhora os países, mesmo quando é para contar suas derrotas e seus horrores – e sobretudo quando conta suas derrotas e seus horrores. Só por burrice um Estado não defende sua literatura. É uma questão de marketing, para não falar de coisas mais elevadas.”

Isabel Rosete

O Portugal de António Telmo






"Isto é amor: [...] dar um passo sem pés"

“Isto é amor:
voar para um céu secreto,
fazer com que cem véus caiam a cada momento.
Primeiro deixar ir a vida.
Por fim, dar um passo sem pés"

- Rumi

Não paremos de assinar e divulgar a petição pela abolição das touradas: é um imperativo ético!

http://www.peticaopublica.com/PeticaoListaSignatarios.aspx?pi=010BASTA

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Editorial da Cultura ENTRE Culturas nº2 e lançamentos: o próximo na 6ª feira, 17, pelas 19h

Dirk Hennrich apresentará a revista Cultura ENTRE Culturas no V Encontro Alternativas em Sintra, 6ª feira, dia 17, no Largo D. Fernando II, em São Pedro (Sintra), pelas 19 h.

O nº 2 será apresentado no Colóquio Internacional "Oriente-Ocidente: diálogos e cruzamentos", na Sala do Arquivo dos Paços do Concelho (Câmara Municipal de Lisboa), em 11 de Novembro.

Publicamos aqui, como aperitivo, o Editorial, que apresenta o conteúdo da revista. Uma forma de garantir e apoiar a revista é assiná-la.

Saudações interculturais

Paulo Borges

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Editorial

Após o primeiro número, cujo tema foi o diálogo intercultural, a Cultura ENTRE Culturas dedica este segundo número ao diálogo entre Ocidente e Oriente, na circunstância oportuna da comemoração dos 500 anos da chegada dos portugueses a Goa. O diálogo Ocidente-Oriente, esses dois grandes pulmões do planeta, tem sido e é cada vez mais a matriz do que de mais significativo surge na história planetária do homem e das manifestações do espírito que nele e em tudo sopra. A cultura portuguesa tem ocupado (para o melhor e o pior) um lugar central nessa interlocução e a nossa revista pretende renovar essa tradição.

Abrimos com uma homenagem a dois vultos que recentemente partiram: Raimon Panikkar, membro da Comissão de Honra da revista e insigne colaborador que nela provavelmente teve a sua última publicação em vida; António Telmo, figura maior do pensamento português contemporâneo, que nos enviou um texto sobre a espiritualidade persa em Luís de Camões e do qual nos honramos por publicar também o seu derradeiro escrito, sobre Raymond Abellio e a descoberta portuguesa do trans-histórico (os nossos agradecimentos a José Guilherme Abreu). Panikkar é um ícone do diálogo Ocidente-Oriente, em particular na vertente europeia-indiana (assumia-se como “cristão-hindu-budista-secular”). Telmo representa a osmose entre filosofia portuguesa e Cabala hebraica. Aos dois o nosso sentido “Até sempre!”.

No que respeita aos ensaios, Carlos João Correia mostra, com o habitual rigor e clareza, como a questão da identidade pessoal, central no Ocidente e no Oriente, se antecipa na filosofia indiana clássica, bramânica e budista. Rui Lopo apresenta uma promissora visão panorâmica da sua investigação sobre a recepção ocidental do budismo (também na cultura portuguesa). Amon Pinho mostra a evolução do pensamento de Agostinho da Silva sobre o budismo e o cristianismo, no contexto de um progressivo ecumenismo paraclético. Paulo Borges assinala a fecundidade do entre em Fernando Pessoa, interpretando o poema “King of Gaps”, bem como as figuras de D. Sebastião e do Quinto Império na Mensagem, a partir da noção tibetana de bar-do (entre-dois, estado intermédio).

Na secção “Éditos e inéditos” a revista continua a contar com a colaboração de figuras de renome internacional. O cientista e monge Matthieu Ricard faz uma estimulante síntese do diálogo entre as neurociências ocidentais e a tradição budista, sob a égide do Dalai Lama, bem como das descobertas científicas recentes acerca dos benefícios da prática regular da meditação para o desenvolvimento pessoal e social. Françoise Bonardel oferece-nos um inédito onde pondera o lugar de Deus, dos deuses e do divino no (mono)teísmo e no budismo, reflectindo sobre as vantagens e riscos do encontro das duas tradições no Ocidente contemporâneo. Dzongsar Khyentse Rinpoche, carismático mestre espiritual tibetano, realizador de cinema e autor de O que não faz de ti um budista, adverte num estilo incisivo para os problemas da transposição do budismo para o Ocidente. Giangiorgio Pasqualotto presenteia-nos com uma entrevista inédita sobre o lugar do Oriente na sua vasta obra e sobre a sua proposta de uma “filosofia intercultural”, equidistante de qualquer centrismo, ocidental ou oriental. Ricardo Ventura transcreve um trecho de um manuscrito português do século XVI, que mostra o lugar pioneiro dos missionários portugueses no conhecimento da cultura hindu no Ocidente. A introdução ao texto também mostra, todavia, os preconceitos religiosos e proselitistas que presidiram a este encontro de culturas, contribuindo por(des)ventura para a paradoxal inibição dos Estudos Orientais no país que mais demandou o Oriente.

Numa secção com textos vários, a visão de António Telmo de um Camões interiormente persa articula-se com a reflexão de Sam Cyrous sobre religião e política na Pérsia antiga e no Irão contemporâneo. O escritor intenso que é Miguel Gullander medita sobre o “cadáver” e a “silenciosa testemunha em tudo o que acontece”. Duarte Braga problematiza o “orientalismo” na poesia de Gil de Carvalho e Abdul Cadre inicia-nos no Caminho de Santiago e nos enigmas dos dois decapitados, Santo Iago e Prisciliano, que bem nota haverem sido dois heréticos, respectivamente entre judeus e cristãos.

Quanto aos poetas, a sua voz surge “entre-calada” pela dos sábios e dos santos homens: será assim doravante.

Abre-se, desde logo – pela mão de Rumi (i.e.“o Romano”) – , com a grandeza da alma sufi, que nos mostra que o Mesmo, o Único, o Insondável, está em todos os corações e lugares; e tão plena e intensamente o está, a ponto de parecer “embriagado, intoxicado e perturbado” aquele que lhe seja lugar, talqualmente os apóstolos do Cristo, no dia de Pentecostes, a quem alguns criam “cheios de vinho doce”(At. 2,13). O Sem Nome, na verdade, tal como vinho, com nada tolera coabitar no coração do homem. É único, e por isso é Único o Único, que em tudo é detectável nesse divino jogo de escondidas que por toda a parte se/nos verifica.

A palavra de Vicente Franz Cecim, primordial e incantatória, virgem como o pulsar amazónico, convoca as “aves profundas” que sobrevoam as “pedras dos dedos da oração”. Ethel Feldman, voz intimista que se nos oferece com o rigor da vibrante lâmina do sentir, enuncia “o voo e via[gem]” do presente, “tempo de sempre / tão tempo de ser”. O verbo de Maria Sarmento, por seu lado, de orvalhada pureza sempre, ressoa ecos do raro “canto mudo das rosas e dos veleiros”: nele “sobe aos lábios um canto, [e] sopram-se segredos”. Sussurrantemente.

Longchenpa, um dos maiores vultos da tradição budista tibetana, fala-nos acerca daquela sabedoria não-dual que emerge da compreensão da natureza, originalmente pura, da mente: a ler como quem não lesse! Flávio Lopes da Silva, em poesia de frescura surpreendente, vai ao ponto de falar-nos de um, não menos surpreendente, “apostador que ao ler um poema dissesse: chega!”. Deixa-nos também um conjunto de vívidos aforismos a ler com todos os olhos.

Sylvia Beirute, que canta sob a luz mediterrânica os al-gharbs de ser viva voz, garante-nos “a certeza de não cabermos numa única possibilidade”; daí, talvez, a pertinência do seu “projecto de ser uma mulher de açúcar” e propor-se assim como “um exemplo de não exemplo”: voz a não perder. De Donis de Frol Guilhade nada se dirá, que sempre prefere nada se diga de quanto haja dizer. Simeão, cognominado “novo teólogo” pela tradição ortodoxa bizantina, exprime suas moções místicas mais abissais, perante o mistério paradoxal da proximidade e inacessibilidade do Divino. Como um selo lacrado a uma “voz já da cascata”, a palavra sábia e rigorosa de T. S. Eliot fala-nos do tempo, do não-tempo nele e do além-tempo em ambos, e em tais termos o faz, que mostra ser “[todo o] poema um epitáfio”. Onde a vida se celebra, a vida para sempre floresce e perdura: ali onde, num entrelaçar de “línguas de fogo” coroantes das crianças, “o fogo e a rosa [são de novo] uma só coisa.”

Raimon Panikkar mostra-nos, num curto mas belíssimo conjunto de nove aforismos (sutras), de que é feita a paz e de como é simples, ainda que não fácil, o fazê-la e o sê-la: texto de uma imensa sabedoria, que, estando a abrir um justo In Memoriam neste número, estaria aqui também no seu mais do que justo lugar. Rómulo Andrade, com a sua arte de primacial pureza, leva a cabo (nas palavras de Ruy Fabiano Rabello) uma “poética que desperta e sinaliza no rumo duma consciência mais clara e solidária entre as pessoas e a própria vida”: a ver, sempre. João Paulo Farkas, o fotógrafo convidado para este número, é senhor de um olhar sobre o homem e a Natureza que, dir-se-ia, nos faz sentir “desaparecidos”, lembrando aquela espantosa palavra de António Maria Lisboa, aliás algures citada na revista: “ver é desaparecer”. E é.

O diálogo entre as culturas e entre cada uma delas e o que a todas transcende e equipara é o grande desafio do nosso tempo. É dele que depende o universalismo autêntico, caminho do meio entre nacionalismo cultural e globalização homogeneizadora. É por essa via que seguimos, criando/descobrindo pontes, mediações, elos. No próximo número em companhia de Fernando Pessoa, comemorando ainda os 75 anos da passagem desse que é um dos expoentes maiores de um trans-Portugal armilar, cumprindo-se e superando-se na mediação de todos com tudo.


Paulo Borges
Luiz Pires dos Reys

"(...) o melhor que pode fazer é tornar-se uma personalidade dupla."

A humanidade ressequiu por causa das religiões que o ensinam permanentemente a opor-se à natureza. E como não é possível opor-se à natureza, o melhor que pode fazer é tornar-se uma personalidade dupla. No portão da frente da casa você é cristão, você é hindu, você é muçulmano, está a mostrar uma mácara ao mundo, uma cara falsa. E na porta das traseiras é natural. Daí que comece a sentir uma luta no seu coração.

Osho, A Conspiração de Deus, 2010, Editora Pergaminho, Lisboa, pp.225-226

Igreja: uma leitura teológica", um artigo de Leonardo Boff

Igreja: uma leitura teológica

08/08/2010

Nos artigos anteriores refletimos sobre uma questão particular, a do poder na Igreja, centralizado no clero e no Papa, de cariz absolutista. Alguns ficaram chocados, mas a verdade é essa mesma. Agora cabe uma reflexão de cunho teológico, quer dizer: considerar as realidades divinas subjacentes à Igreja, entendida como comunidade que se forma a partir da fé em Jesus como Filho de Deus e Salvador universal.

Notoriamente a intenção primeira de Jesus não foi a Igreja, mas o Reino de Deus, aquela utopia radical de completa libertação. Tanto assim que os evangelistas Lucas, Marcos e João sequer conhecem a palavra Igreja. É somente Mateus que fala três vezes de Igreja. Mas não se realizando o Reino devido à execução judicial de Jesus, foi a Igreja que entrou em seu lugar. O Novo Testamento transmite três formas diferentes de organizar a Igreja: a sinagogal de São Mateus, a carismática de São Paulo e a hierárquica dos discípulos de Paulo, Timóteo e Tito. Esta prevaleceu.

Antes de mais nada, a Igreja se define como comunidade de fiéis. Enquanto comunidade, ela se sente ancorada no Deus cristão que também é comunidade de Pai, Filho e Espírito Santo. Isto significa que a comunidade é anterior às instâncias de poder cujo lugar é no meio dela, como serviço de animação e de coesão. O amor e a comunhão, essência da Trindade, são também a essência teológica da Igreja.

Esta comunidade se sustenta sobre duas colunas: Jesus Cristo e o Espírito Santo. Jesus aparece sob duas figuras: a do homem de Nazaré, pobre, profeta ambulante que pregou o Reino de Deus (em oposição ao Reino de César) e que acabou na cruz; e sob a figura do ressuscitado que ganhou dimensão cósmica estando presente na matéria, na evolução e na comunidade, como antecipação do homem novo e do fim bom do universo.

A segunda coluna é o Espírito Santo. Ele estava presente no ato da criação do cosmos, sempre acompanha a humanidade e cada pessoa, e chega antes do missionário. É ele que suscita a espiritualidade: a vivência do amor, do perdão, da solidariedade, da compaixão e da abertura a Deus. Na Igreja ele mantém vivo o legado de Jesus e é responsável por sua contínua atualização com carismas, pensamentos criativos, ritos e linguagens inovadoras. Santo Irineu (+200) disse bem: Cristo e o Espírito são as duas mãos do Pai com as quais nos alcança e nos salva.

Cristo, por ser a encarnação do Filho, representa o lado mais permanente da Igreja, seu caráter institucional. O Espírito representa o lado mais criativo, seu caráter dinâmico. A Igreja viva é simultaneamente algo estruturado, mas também algo mutante como as inovações que fogem ao controle da instituição.

Diz-se também que a Igreja concreta, como comunidade e como movimento de Jesus, possui duas dimensões: a petrina e a paulina. A petrina (de São Pedro=Papa) é o princípio da Tradição e da continuidade. A dimensão paulina (de São Paulo) representa o momento de ruptura, a criatividade. Paulo deixou o solo judáico e partiu para a inculturação no mundo helênico. Pedro é a organização, Paulo a criação.

Pedro e Paulo se encontram unidos na figura do Papa, herdeiro e guardião das duas vertentes, simbolizadas pelos túmulos dos dois apóstolos em Roma. Ambas se pertencem mutuamente. Mas nos últimos séculos predominou a dimensão petrina, quase afogando a paulina. Tal desequilíbrio deu origem a uma organização eclesiásatica centralista, com o poder em poucas mãos, conservadora e resistente a novo, seja vindo do interior da Igreja mesma, seja da sociedade. O atual Papa é quase exclusivamente petrino, avesso a toda modernidade.

Hoje se impõe recuperar o equilíbrio eclesiológico perdido. A Igreja deve manter a herança intacta de Jesus (Pedro) e ao mesmo tempo renovar as formas de sua realização no mundo (Paulo). Só assim supera seu conservadorismo e mostra sua criatividade na comunicação com os contemporâneos. Ela não pode ser fonte de águas mortas, mas de águas vivas.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

"É nocivo tentar discutir, com base na filosofia ou na metafísica, se uma religião é melhor que outra."

Penso algumas vezes que a religião é como um medicamento para o espírito humano. Não podemos realmente avaliar se um remédio é eficaz independentemente da utilização e da condição específica do doente. Não podemos dizer que o remédio é excelente devido a este ou àquele ingrediente. Se deixarmos de fora o doente e o efeito que o remédio tem nele isso deixa praticamente de ter sentido. O que tem sentido é dizer que no caso de tal doente com tal doença esse remédio é o mais eficaz. Em relação às tradições religiosas é o mesmo: podemos dizer que tal tradição é a mais eficaz para tal indivíduo. É nocivo tentar discutir, com base na filosofia ou na metafísica, se uma religião é melhor que outra. O importante é que seja eficaz para cada caso.

Sua Santidade O Dalai Lama, Ética para o Novo Milénio, 2000, Editorial Presença, Lisboa, pp.164-165

Da necessidade de uma filosofia intercultural imparcial




"Num mundo que anda cada vez mais acelerado para uma comunicação planetária, julgo totalmente absurdo procurar as raízes de pensamentos autóctones para reivindicar alguma originalidade que permita fundar uma qualquer forma de supremacia sobre outras tradições de pensamento. Isto, acredito, vale quer para o Ocidente quer para o Oriente. Hoje já não é possível nem legítimo – se alguma vez o tivesse sido – sustentar a superioridade de um pensamento ocidental, mas resultaria também insustentável uma supremacia do pensamento oriental: por exemplo, se hoje, mais do que antigamente, seria ridículo argumentar que a razão é monopólio dos “filhos” de Aristóteles, seria ainda mais defender que a sabedoria é prerrogativa dos filhos de Confúcio"

- Trecho de uma entrevista inédita do Professor Giangiorgio Pasqualotto, que será integralmente publicada no nº2 da Cultura ENTRE Culturas.

"[...] o amor sem desejo de tudo o que existe no mundo"

"Dizemos que alguma coisa é má apenas porque a nossa visão limitada do mundo a faz aparecer como má, isto é, como oposta ao que seria nosso desejo; as coisas deixarão de ser más (ou boas, como oposto a más), no momento em que transcendermos a nossa visão particular do Universo. (…). Todas as religiões são verdadeiras como linguagem; mas o verdadeiro templo de Deus está na alma do homem que atingiu a felicidade; e o seu verdadeiro culto é o amor sem desejo de tudo quanto existe no mundo"

- Agostinho da Silva, Alcorão.

O Outono do Cérebro

Mais do que uma vez aconteceu entrever o Outono do cérebro, o desfecho da consciência, a última cena da razão, e depois uma luz que me gelava o sangue!

E. M. Cioran, Silogismos da Amargura, 2009, Letra Livre, Lisboa, p.33

domingo, 12 de setembro de 2010

Ave Maria in Syriac - Aramaic. Schlom Lecht Maryam

Schlom Lecht Maryam. Ave Maria in Syriac - Aramaic language.

Syriac belongs to the Semitic family of languages, and is a dialect of Aramaic.

The history of Aramaic goes back to the second millennium B.C. It was "first attested in written form in inscriptions of the tenth century B.C., it still continues to be spoken and written in the late twentieth century A.D. by a variety of communities in the Middle East and elsewhere. At various times over the course of these three thousand or so years of its known history.

The closest immediate predecessors of Syriac, were the languages used in Palmyra (in modern Syria) and Hatra (in modern Iraq) around the time of Jesus. Aramaic continued to be in use among the Assyrian populations of Syria and Mesopotamia despite being dominated by Greek and Parthian/Persian rulers. The majority of these Assyrians later embraced the Christian faith and, although there are a number of short pagan inscriptions.

sábado, 11 de setembro de 2010

Laú

Laú quer dizer, na nossa língua, «meu», e também «teu», o que, por assim dizer, vai dar ao mesmo. Pelo contrário, na língua do Papalagui [Branco, Senhor] não há palavras mais diferentes do que «meu» e «teu». «Meu» designa algo que é minha pertença, e so minha. «Teu» designa algo que só a ti pertence. Diz pois o Papalagui, a respeito de tudo quanto se encontre nas imediações da sua cabana: isto é meu. Ninguém, a não ser ele, tem direito àquilo. Por toda a parte onde vás, e tudo quanto vejas junto do Papalagui, seja fruto, árvore, ribeiro, floresta ou um monte de terra, sempre ele te dirá: «Isto é meu! Toma cautela, não toques no que te não pertence!» E se tu, mesmo assim, tocares, desata a gritar, a chamar-te ladrão, o que é um termo particularmente humilhante, e tudo isso só porque te atreveste a tocar no «meu» do teu próximo. Então, os seus amigos, e bem assim os servos dos chefes de tribo de mais alta estirpe acorrem, acorrentam-te, levam-te para o fale pui pui, e eis-te proscrito para o resto dos teus dias.

Tuiavii de Tiavéa, O Papalagui, Antígona, Lisboa, p.40

"Nunca me tomei a mim mesmo por um ser."

Nunca me tomei a mim mesmo por um ser. Um não-cidadão, um marginal, um zero à esquerda que só existe pelo excesso, pela superabundância do seu nada.

E. M. Cioran, Do Inconveniente de Ter Nascido, Letra Livre, Lisboa, p.157

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Não há entes, apenas entres.

Ser e estar

Em português e castelhano o verbo “ser” vem do latino “sedere”, que significa estar sentado, residir, ficar tranquilo, pousar, etc. “Ser” vem de “sedere”, “estar” de “stare”, estar de pé, que também significa estar a favor de ou contra alguém.

Internamente sentados somos, repousados na sede, no centro, sem qualquer estado/levantamento mental de apego ou aversão. Assim podemos contemplar-nos inseparáveis de tudo. E assim podemos levantar-nos, estar de pé, numa acção não dualista, para o bem de todos, sem preferências nem exclusões.

Uni-Verso

Em 1974 foi encontrado na Etiópia parte do esqueleto de uma mulher que representava o hominídeo mais antigo conhecido até então. Esse nosso antepassado comum baptizado com o nome de “Lucy” terá existido há aproximadamente 3,2 milhões de anos e o seu nome, é sabido, deve-se a no momento da descoberta ter passado na rádio uma música dos Beatles, intitulada “Lucy in the Sky with Diamonds”. Mas alucinação é que a revelação não terá sido, porque em investigações arqueológicas posteriores, nessa mesma região, já foi descoberto um esqueleto que fez recuar os vestígios dos nossos mais velhos ancestrais para 4,4 milhões de anos. Aos mais antigo de todos deu-se o nome de “Ardi”. E, afinal, o que serão 4,4 milhões de anos na existência do planeta, do Universo?

Nada impede que daqui a uns anos se descubram outros esqueletos, noutras regiões, que eventualmente, recuem mais ainda o início da aventura dos hominídeos na Terra. Mas hoje, em termos arqueólogicos, faz-se corresponder o berço da humanidade aquela região da África Oriental. Terá sido, dizem, a partir daí que se terá iniciado o povoamento do planeta. Ásia, Europa, Oceania e América, por esta ordem, terão sido a pouco e pouco, lentamente, ocupados por populações humanas.

Em cada uma das mais diferentes regiões desenvolveram-se estratégias de sobrevivência que corresponderam a outras tantas formas de organização social. Entre os inúmeros humanos que se disseminaram pelo planeta, foi-se assistindo a diferentes formas de organização da família, da política, de economia, da religião, naquilo a que a Antropologia designa por diversidade cultural. Por exemplo, em relação à organização da família referem-se vários tipos conhecidos como a monogamia, bigamia, poligamia, poliandria; ou quanto à religião, onde se podem falar de sistemas animistas, monoteístas, politeístas; e por aí fora.

Durante algum tempo, no século XIX, os autores evolucionistas classificaram as sociedades tecnologicamente menos desenvolvidas como povos mais atrasados, mais primitivos, quando comparados com as sociedades ocidentais. Depois a Antropologia concluiu pela falta de sustentação científica dessas ideias que afirmavam a superioridade de “uns” em relação a “outros”. Pensemos, por exemplo, na legitimação que algumas dessas ideias deram ao racismo, nazismo, etc. O que na Antropologia, hoje, corresponde mais à verdade científica é que as diferentes sociedades humanas em vez de avançadas ou primitivas, superiores ou inferiores, são simplesmente diferentes. Uma mesma travessia histórica através dos tempos, diferentes usos e costumes que se desenvolveram, diferentes padrões culturais, diferentes formas de organização social. Tantas formas de explicação da natureza e tantas outras possíveis, infinitas. Sempre a mesma incerteza, ou quase…

Hoje, vivemos tempos em que faz mais sentido a valorização da diversidade cultural, do que a afirmação etnocêntrica de universos singulares. O que nos deverá guiar é mais o estabelecimento de pontes, de diálogo, entre diferentes culturas, pela paz!, do que a afirmação desses modelos etnocêntricos. Será nessa abertura ao outro, nessa escuta do outro, em que assentaremos o nosso Estudo. Será a partir da soma das partes que partiremos para a valorização e construção da Unidade. Nada de falsas manipulações, nada de querermos o outro à nossa imagem. Liberdade até de não ser livre. Com regras, claro, até que uma plena emancipação social se instale, até à chegada de uma consciência plena.

Coisa tão estonteante tem sido esta aventura pelo espaço-tempo. Meu Deus…

Luis Santos

"O homem não nasceu para trabalhar, nasceu para criar" - Agostinho da Silva

Eduardo Lourenço, em "O Labirinto da Saudade", escreveu o seguinte:

"Colectiva e individualmente, os Portugueses habituaram-se a um estatuto de privilégio sem relação alguma com a capacidade de trabalho e inovação que o possa justificar, não porque não disponham de qualidades de inteligência ou habilidade técnica análoga à de outra gente por esse mundo, mas porque durante séculos estiveram inseridos numa estrutura em que não só o privilégio não tinha relação alguma com o mundo do trabalho mas era a consagração do afastamento dele."

Também José Gil, em "Portugal, Hoje O Medo de Existir", registou:

"Se o (actual) povo português fosse um povo de intensidades e não de sentimentos e de medo (como Fernando Pessoa caracterizava o povo espanhol contrapondo-o ao português), há muito que teríamos saído do estado de iliteracia e de fragilidade económica em que vivemos. Em vez disso, sofremos de muitos defeitos próprios das sociedades do terceiro mundo: absentismo no trabalho, inércia, dificuldades na formação e na aprendizagem, lentidão, falta de competitividade. Como se tivéssemos sido atingidos por uma doença que nos deixa diminuídos, meio exangues, com um défice de força vital."

Se o primeiro associa a inactividade característica do Português a um estatuto de privilégio desejado, o segundo equipara-a a doença letárgica. Por que é nós, portugueses, não gostamos de trabalhar? Por que é que relacionamos o trabalho com sofrimento, tortura, fadiga, como se este fosse um dever e não um querer? E mesmo quando é um querer, por que é que não o encaramos como um fim em si, mas sim como um meio doloroso, de sacrifício, uma via para atingir um determinado tipo de fim, quer material ou espiritual?

É provável que a palavra trabalho seja proveniente do termo latino tripalium, instrumento romano de tortura. Já os gregos denominavam o acto de criar, agir, confecionar, fabricar, de poiesis que, como sabemos, hoje significa a arte de criar poesia. É interessante constatar que se para os gregos, o acto de fazer está conotado com a poesia, para os romanos o mesmo relaciona-se com tortura. Talvez haja alguma relação entre tripalium e actividade, assim com há entre poiesis e agir. Osho, em "Tantra A Compreensão Suprema" diz o seguinte:

"Lembre-se de duas palavras: uma é «acção», outra é «actividade». Acção não é actividade; actividade não é acção. As suas naturezas são diametralmente opostas. A acção é quando a situação assim o exige; você age, você responde. A actividade é quando a situação não importa, não é uma resposta; você está tão agitado por dentro que a situação não é mais que uma desculpa para estar activo.
A acção vem de uma mente silenciosa - é a coisa mais bela do mundo. A actividade vem de uma mente agitada - é a mais feia. A acção é quando há uma relevância; a actividade é irrelevante. A acção é momento a momento, espontânea; a actividade está carregada com o passado. Não é uma resposta ao momento presente, pelo contrário, está a escoar a agitação que você trouxe do passado para o presente. A acção é criativa. A actividade é muito, muito destrutiva - ela destrói-o a si, ela destrói os outros."

Se para Eduardo Lourenço e  José Gil, o Português não gosta ou não é apto para o trabalho, não será por este ser tripalium, a actividade descrita por Osho como agitada, irrelevante, imbuída de passado, destrutiva, reflexo de uma mente que pode ser conotada com as mesmas características? Se a acção é criativa, espontânea, bela, fruto de uma mente silenciosa que responde momento a momento, não será esta poiesis e não deveria o homem no dia-a-dia fazer da vida uma criação (não um trabalho), como nos diz Agostinho da Silva? Talvez a "consagração do afastamento do trabalho" seja uma tentativa de retorno ao pomar divino, Éden, Terra Pura, sem  véus obscurecedores e dualistas que torturam. Talvez a "doença" portuguesa seja contemplação lusa desse último raio de Sol, que os romanos tanto temiam e que todos os dias se afunda no oceano fazendo o ocaso surgir sentimentos, medo - medo de existir - pois o que é a frágil existência perante o esplendor da morte? Como agir? Como criar? Como penetrar na mente e desvendar os seus mistérios silenciosos, vislumbrantes da saudade arrebatadora de raios impregnados de saúde, de vida(!), regeneradores do estado mórbido que fatalmente se desenha na nossa face?  Como ser poesia e não poeta?

Julgo que é agora oportuno escutar Tilopa:
"Cesse toda a actividade, abandone todo o desejo, deixe os pensamentos erguerem-se e baixarem como as ondas do oceano. (...) Aquele que abandona o desejo e não se agarra a isto e àquilo, apreende o sentido real dado nas escrituras."

Qual o real sentido das escrituras? Não é isso que incessantemente buscamos e ignorantemente apelidamos de trabalho? Não será havermo-nos poema o real da Vida?

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Entre

“Entre a árvore e o vê-la
Onde está o sonho?”

“Entre o que vive e a vida
Para que lado corre o rio?
Árvore de folhas vestida -
Entre isso e Árvore há fio?”

“Deus é um grande Intervalo,
Mas entre quê e quê?...
Entre o que digo e o que calo
Existo? Quem é que me vê?”

– Fernando Pessoa, excertos de "Além-Deus", V.

O significado da queda de D. Sebastião no inter-valo

D. Sebastião

Sperai! Caí no areal e na hora adversa
Que Deus concede aos seus
Para o intervalo em que esteja a alma imersa
Em sonhos que são Deus.

Que importa o areal, a morte e a desventura
Se com Deus me guardei?
É O que eu me sonhei que eterno dura,
É Esse que regressarei.

O segundo poema que tem como título “D. Sebastião” é o primeiro dos cinco “Símbolos” que abrem a terceira parte, “O Encoberto”, da Mensagem de Fernando Pessoa. Nele o poeta volta a dar voz a um rei que – falando sempre como esse ser “que há” e não “que houve”, ou seja, como imortal já dotado da “grandeza” de ser livre da “Sorte” [1] - exorta a que esperem pelo seu regresso aqueles que ainda permanecem escravos da comum condição mortal e humana, reproduzindo a sua submissão ao Destino enquanto cadáveres adiados que procriam [2]. D. Sebastião continua a ser aqui, numa coerência rigorosa, a figura de um rei-Outro, de uma consciência livre e desperta que exorta os que esperam o seu regresso ao mundo dos homens a que não esperem que regresse o mesmo que partiu. Efectivamente, tendo-se convertido No que se sonhou, tendo-se tornado Naquele que se desejou, um ser emancipado do Destino, e sendo isso “eterno”, não pode senão ser “Esse” que regressará. Não faz sentido assim que o esperem com uma expectativa adequada ao que foi e já não é nem poderá jamais tornar a ser, não faz sentido que o esperem com a predominante expectativa sebastianista sobrevivente à possibilidade de regresso físico do rei desaparecido em Alcácer-Quibir e convertida num paradigma da mentalidade portuguesa em épocas de profunda crise e insatisfação, fruto da laicização da esperança messiânica: a expectativa de que surja um mero líder político, redentor da pátria oprimida e decadente, restaurador da ordem e estabilidade ameaçadas e condutor da nação em períodos de incerteza a respeito da identidade e sentido da sua vida histórica. O D. Sebastião de Pessoa exorta a que o esperem, mas não como o Mesmo, antes como Outro: não como mortal, antes como imortal.

D. Sebastião exorta ao fim do sebastianismo comum, recordando que o seu fracasso humano, pessoal e histórico não foi senão o reverso do divino dom de uma oportunidade superior a todo o triunfo bélico e a todo o poder e glória mundanos e temporais, necessariamente fugazes. Caindo “no areal e na hora adversa”, segundo a percepção mundana e exterior, D. Sebastião na verdade acedeu ao “intervalo” da imersão da “alma” “em sonhos que são Deus”, concedido pelo divino aos “seus”, ou seja, aos que o buscam acima de tudo, aos seus amigos [3].

O que são este “intervalo”, esta imersão e estes “sonhos que são Deus”? “Intervalo”, do latim intervallum, é o espaço ou distância entre dois pontos ou lugares, que etimologicamente são duas paliçadas ou trincheiras (vallum), também com o sentido de baluartes, defesas, protecções. O “intervalo”, ainda segundo um dos sentidos da palavra latina, sugere-se assim como o repouso ou descanso da “alma” em algo que não a (pré-)ocupa com a construção de limites e muros autoprotectores, o repouso ou descanso da “alma” a respeito de toda a (pré-)ocupação - mental, emocional, verbal ou física - com a separação entre uma coisa e outra, a divisão entre si e o outro, a indiferença, a defesa e o ataque, a dualidade, o medo e a (in)segurança. Livre de tudo isso, é no intervalo disso tudo, na pausa (outro sentido do intervallum latino) de toda essa agitação, que se pode abrir e absorver plenamente “em sonhos que são Deus”. Ou seja, no contexto da Mensagem, viver a “loucura” daquela ânsia de “grandeza” trans-mundana e transcensão de toda a “Sorte” / condição mortal que se converte nisso e é já isso mesmo a que ardentemente aspira. O desejo veemente dessa “grandeza” insuperável é já a vibrante e imanente epifania do divino. Como escreve Pessoa no poema dedicado a D. Fernando: “E esta febre de Além, que me consome, / E este querer grandeza são seu nome / Dentro em mim a vibrar”. É isso que torna o sujeito “cheio de Deus” [4] e é isso, e apenas isso, que o pode ressuscitar, já em vida, de ser a “besta sadia” e “cadáver adiado que procria” [5], vergado pelas indomadas “forças cegas” ao triste contentamento com a vida doméstica e vegetativa. É isso, e apenas isso, que o pode ressuscitar do tempo dos quatro impérios e operar a sua superação no Quinto, a “verdade” pela qual “morreu D. Sebastião” [6], que obviamente já nada tem a ver com qualquer domínio mundano, seja temporal e político, seja de língua e cultura (o que confirma que o Pessoa da Mensagem vai muito mais longe que o dos textos em prosa sobre Portugal e o Quinto Império). Do mesmo modo que em D. Sebastião o ser “que há” transcende o “que houve”, assim também o Quinto Império transcende o plano onde decorre e se dissipa o sonho dos quatro períodos civilizacionais referidos – Grécia, Roma, Cristandade, Europa - , já não podendo propriamente dizer-se que venha temporalmente após eles, enquanto símbolo de uma possibilidade que transcende o tempo e o espaço e que é a própria possibilidade do homem ou da consciência despertar e se imortalizar.

A alma de D. Sebastião está pois “imersa / Em sonhos que são Deus”. O que é, todavia, “Deus”? A palavra procede da raiz indo-europeia dei, que significa “tudo o que brilha”, donde vem o sânscrito deva (deus), o iraniano daeva (demónio) e o português dia [7]. Deus indica não um ser ou um ente, algo que exista e possa ser objecto ou sujeito perante objectos, algo que possa ser visto por alguém ou que veja alguém, mas antes a própria luz invisível que torna todas as coisas visíveis, em termos inteligíveis ou sensíveis, o ilimitado espaço luminoso que é matriz de todas as possibilidades de manifestação e consciência, o fundo sem fundo de todos os fenómenos, o nada inerente ao aparecimento de tudo [8]. É aí que verdadeiramente cai, imerge e reside o D. Sebastião transfigurado, que realiza a suma potencialidade de todo o homem. É nisso que se guarda, baluarte sem defesas e assim inexpugnável pela derrota no “areal”, “a morte e a desventura”. É Isso, afinal, que se sonhou e tornou, num sonho / desejo / imaginação criadora (ou desveladora) que converte o amante na coisa amada, ou seja, que, “por virtude do muito imaginar” (Luís de Camões), realiza isso que imagina, em tudo distinto daquele sonho ilusório e irreal que preside à história do mundo e dos homens e à sucessão dos quatro impérios mundanos, histórico-civilizacionais [9]. “O” que se sonhou, esse “Deus”/matriz intemporal de toda a manifestação, transcende a consciência temporal e a sua ilusão intrínseca, sendo da ordem do eterno. É só “Esse” que D. Sebastião pode regressar, não o rei humano morto ou desaparecido no areal, ou um seu substituto, mitificado pelo sebastianismo e esperado pelos sebastianistas de todos os tempos, mas o sujeito transfigurado em Deus, dei-ficado, ou seja, iluminado. Desperto e livre, em nada se distingue desse espaço primordial, anterior a todas as coisas e de todas envolvente como a matriz que as possibilita, mas que, na experiência mundana e condicionada, apenas se abre nos inter-valos entre uma coisa e outra, entes, pensamentos, palavras e acções.

Cabe a este respeito recordar um fundamental poema inglês de Pessoa, “The King of Gaps”, “O Rei das fendas / brechas / aberturas / hiatos / lacunas / vazios / intervalos / abismos”, que muito ajuda a compreender o “intervalo” em que está imerso o D. Sebastião pessoano. Este “rei desconhecido”, senhor de um “estranho Reino dos Vazios” com o qual coincide, figura isso que há “entre” uma “coisa” e outra “coisa”, o intervalar e não entificado espaço vazio que se desvela entre as entidades, o fundo informe onde as formas se recortam e definem, bem designado como “entre-seres”. Se num sentido parece assumir a função de um Mesmo indiferenciado, perante o qual tudo o que nele se delimita surge como as múltiplas formas da sua alteridade, ou se noutro sentido podemos pensá-lo como o Outro enquanto transcende e envolve todas as formas do mesmo, num outro sentido podemos reconhecer-lhe uma transcensão mais radical, tanto do mesmo como do outro, tanto do idêntico como do diferente, na medida em que estes se constituam no âmbito de uma relação mútua entre formas e entidades que só se torna possível por haver esse espaço não-entitativo do “estranho Reino dos Vazios” que permite a constituição e o reconhecimento da relação e do relacionado. Não-ente que se entremostra no intervalo dos entes, ou seja, das definições do isto e daquilo, “todos pensam que ele é Deus, excepto ele próprio” [10].

[1] Cf. Id., “D. Sebastião, rei de Portugal”, Mensagem, Obras, I, p.1152.
[2] Ibid.
[3] Usamos o termo no sentido que tem na tradição espiritual e mística ocidental: cf. Jean Tauler, Aux “amis de Dieu”, Paris, Le Cerf, 2001; Bernard Gorceix, Amis de Dieu en Allemagne au siècle de Maître Eckhart, Paris, Albin Michel, 1984.
[4] Cf. Fernando Pessoa, “D. Fernando, Infante de Portugal”, Mensagem, Obras, I, p.1151.
[5] Cf. Id., “D. Sebastião, rei de Portugal”, Ibid., p.1152.
[6] Cf. Id., “O Quinto Império”, Ibid., pp.1161-1162.
[7] Cf. Odon Vallet, Petit lexique des mots essentiels, Paris, Albin Michel, 2007, pp.63-64.
[8] Cf. Jean-Yves Leloup, “Notre Père”, Paris, Albin Michel, 2007, pp.173-174. Agostinho da Silva designa-o como “nada que é tudo” – Quadras Inéditas, s.l., Ulmeiro, 1990, p.88. Cf., entre outros estudos, Paulo Borges, “Mestre Eckhart e Longchenpa: do fundo sem fundo primordial como nada e vacuidade”, in AAVV, A Questão de Deus na História da Filosofia, I, organização de Maria Leonor L. O. Xavier, Sintra, Zéfiro, 2008, pp.567-579.
[9] Cf. Fernando Pessoa, “O Quinto Império”, Obras, I, p.1162.
[10] Cf. Fernando Pessoa, Poesia Inglesa, I, edição e tradução de Luísa Freire, Lisboa, Assírio & Alvim, 2000, p.280.

Paulo Borges, in Uma Visão Armilar do Mundo, Lisboa, Verbo, 2010.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Sento-me num banco
Como todos os dias me sento neste banco
De encosto perfeito e quatro pernas
Como podia só ter três pernas
Ou duas
Ou nenhuma

Um banco é uma força construída
Por alguém que imaginou
E eu imagino-me
Sentado
Nas calmas de uma poeira a assentar no chão
A puxar pela cabeça
A ver se estico o pescoço
Para ver o seguimento deste mundo
Mas nada disso acontece
Porque estou sentado
E o sangue estabilizou
Na estrada nacional do silêncio

Às vezes ponho-me a olhar os peixes
Que pairam sobre mim
E a forma como dançam aos pares
E piscam os olhos uns aos outros
Mas sempre sentado nesta cadeira
Que é do tempo do meu avó
Em que também ele se sentava
A atirar pequenas pedras ao infinito
Para que a morte não lhe trouxesse a dor

O meu avô morreu sentado nesta cadeira
Que tem quatro pernas mas não anda
Pois o que anda é o pensamento
E o desejo de construir um lugar
Onde o amor é tão real que parece pessoa
Mas na verdade
Sentei-me num banco vazio
Para assistir ao fim do mundo
E, o que é triste,
é que daqui a nada batem-me à porta

Filosofia no Oriente - Curso Livre - Inscrições abertas na Fac. Letras da Univ. Lisboa



FILOSOFIA NO ORIENTE - CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO: 2010/2011

Inscrições abertas a todos (Informações: 217920000 - pedir para ligar à Secretaria da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa)

Sempre às 5ªs feiras, das 17-20h

Introdução ao Budismo (1ºsemestre) - Prof.Doutor Paulo Borges

I: 1. A vida e o Despertar do Príncipe Siddhartha Gautama. O Sermão de
Benares e as Quatro Nobres Verdades: o sofrimento, sua origem, sua extinção e
a via que aí conduz (o Óctuplo Caminho). O sentido terapêutico, experimental e
não dogmático da via e ensinamento do Buda. Os quatro selos. Atman e
anatman. O debate entre as escolas budistas e bramânicas. Os Três Cestos:
Vinaya, Sutra e Abhidharma. A tradição dos três ciclos de Ensinamento e dos
três níveis da Via: Hinayana, Mahayana e Vajrayana. Arhats, Bodhisattvas e
Mahasiddhas. Vacuidade e interdependência: os doze factores da coprodução
condicionada. A via do meio entre eternalismo e niilismo. A literatura da
Prajnaparamita: O Sutra do Coração e o Sutra de Diamante. Vacuidade e
natureza de Buda: As Estâncias da Via do Meio (Nagarjuna) e o Mahayana
Uttaratantra Shastra (Maitreya/Asanga). A Via do Bodhisattva (Shantideva).
II: 2. Meditação analítica e contemplativa. Calma mental (samatha) e visão
penetrante (vipashyana). As quatro meditações fundamentais: 1 - o valor da
preciosa existência humana, rara e difícil de obter; 2 - a impermanência e a
morte; 3 - a acção (karma) e a lei da causalidade; 4 - os sofrimentos dos seis
mundos do ciclo da existência (samsara). O Refúgio nas Três Jóias, Buda,
Dharma e Sangha. O Bodhicitta, ou espírito de Iluminação, relativo – em
aspiração e em acção – e absoluto. As quatro meditações ilimitadas: amor,
compaixão, alegria e equanimidade. A “troca” e outros exercícios de meditação.
As seis paramitas, virtudes ou perfeições transcendentes: generosidade, ética,
paciência, diligência, concentração e sabedoria.

Filosofia e Mitologia na Cultura Tradicional Indiana (1ºsemestre) -
Prof.Doutor Carlos João Correia

Sinopse: Este curso tem como objectivo analisar os princípios das escolas
filosóficas desenvolvidas na Índia antiga, entre o séculos VI a.C. e XII d.C.
(sāṃkhya, yoga, vedānta, mīmāṃsā, vaiśeṣika, nyāya, buddha dharma e
jainismo). Será igualmente seu propósito estudar as concepções filosóficas que
envolvem os textos védicos - em particular, as Upaniṣads - assim como obras de
índole poético-mitológica, com especial relevo dado ao Mahābhārata e ao
Rāmāyaṇa.

Mística Cristã e Gnose Oriental (2ºSemestre) – Professor Carlos H. do C.
Silva

Ponto introdutório: Actualidade do “diálogo de espiritualidades” e perspectiva
crítica da Filosofia da Religião.
1. Origens helénicas da mística e ‘categorias hebraicas’ na ulterior síntese cristã
da ‘Teologia Mística’.
2. Dos Mistérios gregos à tradição indo-ária: paralelos na gnose oriental,
sobretudo no hinduismo (Upanixadas, Yoga, também Budismo- Prajñapâramitâ…).
3. Principais configurações da espiritualidade cristã e sua releitura gnóstica,
também comparada com o pensamento oriental.
4. Confronto entre a transcendência e o carácter dialógico da «experiência
mística» na tradição cristã e o sentido imanentista e sobretudo gnóstico da unio
mystica ‘oriental’.
Ponto conclusivo: Natureza da experiência espiritual e a definição da “gnose”:
unidade ou união; enstasis ou êxtase; absolvição ou libertação…

Oriente/Ocidente: diálogos e cruzamentos (2ºsemestre)
- (Coord. Prof.Doutor Paulo Borges e Carlos João Correia).

Este curso tem como seu objectivo investigar a presença da filosofia e da cultura
oriental na filosofia ocidental (Neoplatonismo, Renascença e Filosofia Moderna,
Idealismo e Romantismo Alemão, Filosofia Contemporânea) e no pensamento
português. Em cada sessão será convidado um docente ou investigador para
apresentar as suas conclusões sobre o tema em análise.

http://www.carlosjoaocorreia.com/oriente

domingo, 5 de setembro de 2010

Sonhando com Alberto Caeiro

Não sinto nada, se nada sinto

Não sinto nada, se nada sinto, enquanto sinto. Não sei a cor do poema, nem a tonalidade da cor. Se o que que sinto fosse sentido, tudo teria feito sentido.

Um dia se não me faltar coragem
Digo a ele que quero casar. Por detrás de uma coluna, escondida, acompanho-o todos os dias. Chega às nove, pede um café. Enrola um cigarro. Quando tira a caneta estremeço.
- Uma aguardente José...
Com o copo na mão esquerda, no bloco de notas escreve um verso. Se a minha sombra tocasse seus pés sentiria de leve o seu pulsar. Quando cruzasse as pernas saberia se era feliz a rima.
- Mais um café...
No almoço ele se vai. No jantar sonho que come o dia.
Quando me deito ajoelho, junto as mãos em respeito a Nosso Senhor e prometo:
- Amanhã Senhor, digo ao senhor Caeiro que é de Sua vontade que eu seja sua esposa até que a morte nos separe.
Se me beijar vou beber todas suas palavras já escritas. Quando suspirar vou sentir seu coração inquieto.
Ah, Senhor o amor terá o tempo da borboleta que ele escreve em seus versos.
Se o senhor Caeiro hesitar abro meus braços, dou de boa vontade um abraço. Peço em segredo mais um poema.
Amanhã Senhor, amanhã.


Sinto a noite agora noite, tão noite, que noite me sinto 

A Esfinge

Porque olhas, com olhar esfíngico, o mar que levanta e move, como um cavalo de Pégaso, as montanhas dos dias que passaram? A Saudade olha-te nos olhos, mas tu olhas o Oceano, a janela de onde vês o dia e a noite. Imóveis. Tornados pedra de lua. Mar de pedra azul, arrefecida.

As tuas mãos são como asas de corvo, jazem sobre o vestido enlutado de uma imagem que te lê. A morte penetra nos teus olhos, como peixe nas águas frias de Inverno. O teu seio é belo e redondo como um fruto de neve. Não cantas, escurece. Falas e matas.

A Saudade é um frio e um vento que sopra os passos passados, escutados desde o princípio do que não tem Princípio. Do que é sem tempo, do que é Origem. Não tem templo o teu deserto. As imagens são ícones lembrando vagamente o ter havido Origem.

Descias ao jardim como quem sobe a imensa escadaria em caracol que conduz à torre de onde saíste. As paredes da casa abatem-se sobre uma tempestade de real. Avistas os melros, e ouves, sonolenta, o teu choro vindo de longe. Desde que a tua cabeça se transformou em gaivota que o mar te estranha o nome e a pálida feição.

Tens na mão a cabeça que te hão-de cortar para que a pedra não entre no tumultuoso mar e petrifique o líquido espumoso de uma antiga espera. Levas no frio dos braços o véu que te tapa o rosto. Ficarás a olhar o mar pelo hialino olhar das corças que tornam à terra e aí ficam até saírem dos seus olhos flores de pedra. Flores, rosas mergulhadas em pensamento e terra.

O Outono despirá os teus véus. As raparigas tocarão violino à sombra dos rios. À sombra dos rios, o sol se deitará para repousar: gigante saudoso dos dias! Setembro enterrará as romãs no poço do jardim. Os dedos. De lá avistaremos a Saudade a futurar-se Dia, de novo.

Impermanentes, os dias, escreverão versos em folhas brancas que não terão medo das palavras dos poetas. Folhas lisas para escorregarem crianças nos jardins que alimentam uma vontade de existir, apesar do olhar sombrio do rios, com as sombras que há em cada coisa que existe nelas.
Tornados pedra, em pleno Verão, os jardins são a memória que se abriga debaixo das árvores. Tocaremos o silêncio com um olhar sem rosto. Um olhar que está atrás do rosto. Chamaremos por um qualquer lugar onde adormecer.
A esfinge, imóvel, cegará sob o olhar esquecido dos ramos. Tapam-na o musgo e as folhas no chão e na corrente. Háo-de varrer a memória como às folhas. A esfinge reconhece o olhar penetrante das pontes e das montanhas. Mas isso é depois do antes, depois de ser cortada a vide e o rosto das manhãs se encolher no silêncio de nenhum verso.

O colo da esfinge, guardiã do silêncio e do grito, é um banco de pedra onde todos estamos sentados a olhar o infinito. A olhar o Sol. Tantos pássaros lhe poisarão nos olhos! Seshey! Guarda o enigma dentro do olhar! Medusa! guarda o olhar dentro do enigma. Serás mais útil aos mortos do que aos vivos!

sábado, 4 de setembro de 2010

Brilharam teus olhos
Alcançou tua voz a natureza
Fazendo de ti amigo
do peixe que te vence

Pode a loucura matar-te
Tua lonjura será alívio
dos homens bem comportados
que surdos,  perderam há anos
o som que os rodeia

Entre o velho e o mar
Nasces tu desencontrado
na cidade que não te acolhe
e gritas sem educação:
Sinto-me bem na natureza
Que ela não fala!

Grito contigo em surdina
o que não se explica
ancas generosas
desejo que se transcende

silenciosa é a poesia
amor que se sente
um olhar fugaz
fazendo do tempo
nosso presente. 

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Um breve relâmpago

Um breve relâmpago
ilumina a escuridão:
garça gritando a noite.

O grito da noite
Esgarça-se branco
Num breve relâmpago.

- Matsuo Bashô

Não sei a cor do poema, nem a tonalidade da cor.
Se o que que sinto fosse sentido, tudo teria feito sentido. 

Sinto a noite agora noite, tão noite, que noite me sinto.

E agora que sinto, sem tudo sentir,
diz-me poeta o que faço com este sentir