domingo, 5 de setembro de 2010

A Esfinge

Porque olhas, com olhar esfíngico, o mar que levanta e move, como um cavalo de Pégaso, as montanhas dos dias que passaram? A Saudade olha-te nos olhos, mas tu olhas o Oceano, a janela de onde vês o dia e a noite. Imóveis. Tornados pedra de lua. Mar de pedra azul, arrefecida.

As tuas mãos são como asas de corvo, jazem sobre o vestido enlutado de uma imagem que te lê. A morte penetra nos teus olhos, como peixe nas águas frias de Inverno. O teu seio é belo e redondo como um fruto de neve. Não cantas, escurece. Falas e matas.

A Saudade é um frio e um vento que sopra os passos passados, escutados desde o princípio do que não tem Princípio. Do que é sem tempo, do que é Origem. Não tem templo o teu deserto. As imagens são ícones lembrando vagamente o ter havido Origem.

Descias ao jardim como quem sobe a imensa escadaria em caracol que conduz à torre de onde saíste. As paredes da casa abatem-se sobre uma tempestade de real. Avistas os melros, e ouves, sonolenta, o teu choro vindo de longe. Desde que a tua cabeça se transformou em gaivota que o mar te estranha o nome e a pálida feição.

Tens na mão a cabeça que te hão-de cortar para que a pedra não entre no tumultuoso mar e petrifique o líquido espumoso de uma antiga espera. Levas no frio dos braços o véu que te tapa o rosto. Ficarás a olhar o mar pelo hialino olhar das corças que tornam à terra e aí ficam até saírem dos seus olhos flores de pedra. Flores, rosas mergulhadas em pensamento e terra.

O Outono despirá os teus véus. As raparigas tocarão violino à sombra dos rios. À sombra dos rios, o sol se deitará para repousar: gigante saudoso dos dias! Setembro enterrará as romãs no poço do jardim. Os dedos. De lá avistaremos a Saudade a futurar-se Dia, de novo.

Impermanentes, os dias, escreverão versos em folhas brancas que não terão medo das palavras dos poetas. Folhas lisas para escorregarem crianças nos jardins que alimentam uma vontade de existir, apesar do olhar sombrio do rios, com as sombras que há em cada coisa que existe nelas.
Tornados pedra, em pleno Verão, os jardins são a memória que se abriga debaixo das árvores. Tocaremos o silêncio com um olhar sem rosto. Um olhar que está atrás do rosto. Chamaremos por um qualquer lugar onde adormecer.
A esfinge, imóvel, cegará sob o olhar esquecido dos ramos. Tapam-na o musgo e as folhas no chão e na corrente. Háo-de varrer a memória como às folhas. A esfinge reconhece o olhar penetrante das pontes e das montanhas. Mas isso é depois do antes, depois de ser cortada a vide e o rosto das manhãs se encolher no silêncio de nenhum verso.

O colo da esfinge, guardiã do silêncio e do grito, é um banco de pedra onde todos estamos sentados a olhar o infinito. A olhar o Sol. Tantos pássaros lhe poisarão nos olhos! Seshey! Guarda o enigma dentro do olhar! Medusa! guarda o olhar dentro do enigma. Serás mais útil aos mortos do que aos vivos!

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