Augusto acordou com um peso estranho na cabeça. A noite tinha corrido sem tempo medido – escura. Melancólica. Nauseado levou a mão à boca numa tentativa frustrada para conter as tripas revoltas. Limpas as vísceras, resta um cheiro desobediente que invade toda existência. Se conseguisse lembrar como é a primavera talvez aliviasse este presente fétido. Há momentos em que a memória inventa o passado, traindo a verdade do sofrimento. Como inventar a dignidade se ela fugiu sem avisar da partida?
Augusto forra o colchão com os últimos lençóis limpos. Um branco fingido veste a cama. Algumas nódoas fazem prova das noites descuidadas. Mesmo que tingisse de preto não conseguiria disfarçar o passado. E preto, nem pensar! Passaria a noite acordado com um medo de morte. Na mesa de cabeceira improvisada repousa um cinzeiro imundo. Nenhum candeeiro resistiu às quedas diárias. No tecto uma lâmpada mal ilumina o chão gasto, disfarçando a poeira acumulada de anos. Um móvel de estilo rococó, encontrado no lixo, arruma o que resta da vida deste homem cansado.
Em pé recorda as noites felizes vividas naqueles lençóis. Uma lágrima tímida dança em seu rosto. Quem inventou que a felicidade não magoa? Assim são as tempestades, furacões, terramotos, tsunamis. Belos quadros recheados de dor.
Deitado quer sonhar, ocupar o tempo que resta entre hoje e amanhã.
Augusto lembra-se do rio que banhava o terreno da casa dos pais. Nem sempre acolhia o obstáculo. Às vezes sem força dividia-se em dois. Tantas vezes Augusto fugiu da dor que dividiu-se em pedaços cada vez mais fracos. De costas encontra o tecto. De bruços encontra o cheiro das penas de um travesseiro antigo.
Longe vai o tempo das caminhadas em Sintra. Qual era o caminho que o distanciava do abismo? Fosse ele qual fosse Augusto o desprezou.
Torturado leva a mão a cabeça. É aí que dói. Nesta ferida que não pára de abrir. Entretido Augusto pesquisa cada saliência. Um líquido desconhecido molha seus dedos. Em criança bastava o leite para alimentar a fome. Depois aprendeu a ler e saciou a curiosidade de outras vidas. Foi temperando o pensamento de condimentos sofisticados.
Talvez o corpo estivesse expulsando o excesso. Esperança de uma nova vida – que seja drenado o pântano. Augusto procura seu canivete – presente da mulher que o amou um dia. Leva devagar, com cuidado a lâmina à ferida. Sem hesitar vai abrindo a cabeça como se construísse um caminho. Doía mas Augusto não sofria, tal era a esperança de um ser renovado.
O sangue banhou a cama. Majestoso, partiu sem dizer adeus.
quinta-feira, 31 de março de 2011
terça-feira, 29 de março de 2011
Qual é a cor do mar de agora?
Vila Celeste, 11 de Maio de 2000
Um panfleto circulou pelas ruas chamando o povo. Rezava assim a publicidade:
Não perca o "Primeiro Desfile Primavera/Verão das Trabalhadoras de Sexo
Da aldeia meia dúzia de jovens, meia centena de velhos. Mais de um milhar de estrangeiros curiosos. Maria envergonhada escondia a mão direita nervosa. A velha espiava pelos binóculos do falecido. Seu José na esquina lambia os beiços. No palco, uma bandeira esvoaçava ao som do refrão:
Somos putas, somos putas
a mais velha profissão
Somos putas, porque não?
Ninoca, trabalhadora da ONG distribuia sorrisos. Com uma embalagem na mão esquerda, gritava:
- Sexo é bom com camisinha! Verdes, amarelas, azuis com sabor a hortelã...
Nenhum partido político compareceu. Nem para apoiar ou censurar. Nestes eventos os políticos perdem-se. Um ou outro ousou aparecer disfarçado de povo.
Com um sorriso desavergonhado, Oncinha anunciou:
- Povo Celestino! Esta é uma data histórica para todas nós, mulheres. Aqui nesta vila com o nome da nossa padroeira, inauguramos o nosso primeiro desfile.Uma roupa democrática que não escraviza gordas, ou magras e não escolhe idade. A estudante, a senhora casada e até a viúva enlutada pode vestir. Uma roupa que atende a ricos e pobres.
Entre santos e pecadores, o sexo comercial foi legalizado, contra a vontade da igreja pela voz de Régio.
Em Novembro desse ano, Dario resolve moralizar os costumes e toma o poder com Régio.
Anuncia novos impostos. Joga golfe todos os dias. Num campo verde de mentira, feito a dor que a gente sente.
Brutti, sporchi e cattivi e o povo unido jamais será vencido!
Nosso povo virou plástico. Ao menor sinal de fogo - derrete!
Um ginásio a cada esquina. No bar, tofu e aguardente. Em cada semáforo um oriental falsificado que faz Tai-Chi. Na mão direita envergam uma bandeira vermelha.
Queimaram os filmes e do mar só resta o som. Desde então o céu mudou de cor - cinzento. No horizonte ergueu-se um muro a esconder o infinito.
Deus segreda todos os dias qual a cor do mar de outrora. Não sabe qual a cor dele agora.
Um panfleto circulou pelas ruas chamando o povo. Rezava assim a publicidade:
Não perca o "Primeiro Desfile Primavera/Verão das Trabalhadoras de Sexo
Da aldeia meia dúzia de jovens, meia centena de velhos. Mais de um milhar de estrangeiros curiosos. Maria envergonhada escondia a mão direita nervosa. A velha espiava pelos binóculos do falecido. Seu José na esquina lambia os beiços. No palco, uma bandeira esvoaçava ao som do refrão:
Somos putas, somos putas
a mais velha profissão
Somos putas, porque não?
Ninoca, trabalhadora da ONG distribuia sorrisos. Com uma embalagem na mão esquerda, gritava:
- Sexo é bom com camisinha! Verdes, amarelas, azuis com sabor a hortelã...
Nenhum partido político compareceu. Nem para apoiar ou censurar. Nestes eventos os políticos perdem-se. Um ou outro ousou aparecer disfarçado de povo.
Com um sorriso desavergonhado, Oncinha anunciou:
- Povo Celestino! Esta é uma data histórica para todas nós, mulheres. Aqui nesta vila com o nome da nossa padroeira, inauguramos o nosso primeiro desfile.Uma roupa democrática que não escraviza gordas, ou magras e não escolhe idade. A estudante, a senhora casada e até a viúva enlutada pode vestir. Uma roupa que atende a ricos e pobres.
Entre santos e pecadores, o sexo comercial foi legalizado, contra a vontade da igreja pela voz de Régio.
Em Novembro desse ano, Dario resolve moralizar os costumes e toma o poder com Régio.
Anuncia novos impostos. Joga golfe todos os dias. Num campo verde de mentira, feito a dor que a gente sente.
Brutti, sporchi e cattivi e o povo unido jamais será vencido!
Nosso povo virou plástico. Ao menor sinal de fogo - derrete!
Um ginásio a cada esquina. No bar, tofu e aguardente. Em cada semáforo um oriental falsificado que faz Tai-Chi. Na mão direita envergam uma bandeira vermelha.
Queimaram os filmes e do mar só resta o som. Desde então o céu mudou de cor - cinzento. No horizonte ergueu-se um muro a esconder o infinito.
Deus segreda todos os dias qual a cor do mar de outrora. Não sabe qual a cor dele agora.
Recepções do Neoplatonismo no Renascimento e na Proto-Modernidade
III Workshop do Projecto "Recepções do Neoplatonismo na História do Pensamento Europeu"
31 de Março e 1 de Abril de 2011
FLUL – Sala 5.2 (Sala de Mestrados)
31 de Março
Moderador: Leonel Ribeiro dos Santos
10:00 Gregorio Piaia (Università di Padova, Itália) Neoplatonismo: Origine e svilluppo di una categoria storico- filosofica
11:00 Pausa para café
Moderador: Paulo Renato de Jesus
11:15 António Pedro Mesquita (Univ. do Minho e CFUL) O comentário neoplatónico alexandrino de Aristóteles
12:00 António Moreira Teixeira (Univ. Aberta e CFUL) Francisco de Holanda e o Neoplatonismo estético no Renascimento
Debate
13:00 Almoço dos Conferencistas
Moderador: Maria Leonor Xavier
15:00 Manuel Duarte Oliveira (IHSIS) Relação entre Neoplatonismo e Pensamento Judaico – Torat ha-Tzimtzum (Theory of Contraction) e a Criação do Universo em fontes do Hassidismo Judaico
15:45 Pausa para café
Moderadora: Filipa Afonso
16:00 António Rocha Martins (CFUL) A recepção de Proclo no pensamento político medieval
16:45 Giampaolo Abbate (CFUL) Aristotelismo e Neoplatonismo na obra Conciliator differentiarum philosophorum et medicorum por Pietro d’Abano
17:30 Maria José Vaz Pinto (FCSH e IFL-UNL) Marsilio Ficino e a mediação plotiniana na redescoberta de Platão
Debate
1 de Abril
Moderadora: Maria Luísa Ribeiro Ferreira
10:00 João Vila-Chã (Università Gregoriana, Roma, Itália) Descobrindo a harmonia entre Platão e Moisés: Leão Hebreu (Juda Abravanel) e o Neoplatonismo do Renascimento
11:00 Pausa para café
Moderadora: Maria Luísa Ribeiro Ferreira
11:15 Paulo Borges (CFUL) "«... e esse nada era Deus». A visão de Deus em Mestre Eckhart"
12:00 Paulo Renato de Jesus (Univ. Lusófona,Porto e CFUL) A reflexividade da ignorância como movimento da verdade: Montaigne e as sombras platónicas
Debate
13:00 Almoço dos Conferencistas
Moderador: Leonel Ribeiro dos Santos
15:00 Guiomar Mafalda Blanc (CFUL) Malebranche e o problema da fundação onto-metafísica da razão
15:45 Pausa para café
Moderador: António Moreira Teixeira
16:00 Maria Luísa Ribeiro Ferreira (CFUL) Ralph Cudworth, um filósofo em contra corrente
16:45 Adelino Cardoso (CHC-UNL) O problema da vida no pensamento de Leibniz
Debate
17:45 Lançamento da obra de Anne Conway, Os Princípios da Filosofia mais Antiga e Moderna. Apresentação por Leonel Ribeiro dos Santos.
segunda-feira, 28 de março de 2011
Apelo aos Lisboetas
De amores se perde
A cidade ao cair da noite.
Flores são necessárias para
Enfeitar quem do amor está perdido.
Tragam tudo o que der e couber
Na cidade em tom romântico,
Escrevam cartas a anunciar
A paixão urbana que vos preenche.
A verdade está na realeza dos vossos gestos.
A noite mantém–se mais limpa
E a cidade agradece.
OBRIGADO!
Diogo Correia
A cidade ao cair da noite.
Flores são necessárias para
Enfeitar quem do amor está perdido.
Tragam tudo o que der e couber
Na cidade em tom romântico,
Escrevam cartas a anunciar
A paixão urbana que vos preenche.
A verdade está na realeza dos vossos gestos.
A noite mantém–se mais limpa
E a cidade agradece.
OBRIGADO!
Diogo Correia
domingo, 27 de março de 2011
O sábio e o estratega
“[…] o pensamento chinês pensou, não o fim e o resultado, mas o interesse ou o proveito, li. Se este proveito é procurado à escala mundial, ele faz o Sábio (como no Clássico das Mutações, Yiking, pensando a globalidade dos processos); a uma escala reduzida, e numa relação antagonista, faz o estratega (e o termo pode ser então marcado negativamente; cf. Mêncio). Nem um nem outro constroem uma ordem dos fins nem visam o que poderia ser um objectivo (skopos, em grego). Mas tendem sempre a tirar partido da situação […]: para o bem de todos os homens e numa intenção moral (o Sábio); ou por conta de um príncipe rivalizando com outros: o estratega”
– François Jullien, Conférence sur l’efficacité, Paris, PUF, 2005, p.38.
quinta-feira, 24 de março de 2011
quarta-feira, 23 de março de 2011
terça-feira, 22 de março de 2011
No Dia Internacional da Poesia
Lembrando Sophia de Mello Breyner Andresen
( 1919-2004 )
( 1919-2004 )
Sophia de Mello Breyner, por Arpad Szenes
A poesia tem o dom de tornar os poetas pessoas queridas. Mesmo quando não concordamos com sua visão do mundo, um bom poema nos aproxima tanto de quem o faz que de alguma forma passamos a conhecê-lo(la) melhor. E para quem tem um coração sensível, conhecer é meio caminho andado para amar. Essa talvez seja uma afirmação obscura e até absurda para alguns. Paciência. Amar também é muitas vezes obscuro e absurdo. E no entanto, o que seria de nós sem o amor?
Aqui está um breve depoimento de Sophia de Mello Breyner sobre os poetas:
A poesia é das raras actividades humanas que, no tempo actual, tentam salvar uma certa espiritualidade. A poesia não é uma espécie de religião, mas não há poeta, crente ou descrente, que não escreva para a salvação da sua alma – quer a essa alma se chame amor, liberdade, dignidade ou beleza.
Eis por que um poema que mereça esse nome traz sempre o melhor de seu escriba.
Lamento não ter prestado esta homenagem a Sophia enquanto ela ainda estava entre nós. Não imagino por certo que fosse ser notada por ela, que já recebera tantas homenagens muito mais importantes e dignas de sua grandeza, mas é por mim mesma que digo isso. Desde o primeiro soneto que chegou a minhas mãos, Sophia se tornou um de meus poetas prediletos. Foi há muitos anos, e eu não tinha a mínima noção de quem ela era. Não descansei enquanto não descobri, porque seus poemas me tocavam de um modo especial.
Depois que ela se foi, quero tentar me redimir ao menos em parte. Acho que nada melhor do que reler alguma coisa do que nos ficou de seu legado.
Porque
Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
Ausência
Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua
Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.
Poema
A minha vida é o mar o Abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escrita
Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará
Não tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento
A terra o sol o vento o mar
São a minha biografia e são meu rosto
Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento
E a hora da minha morte aflora lentamente
Cada dia preparada
Naquele Tempo
Sob o caramanchão de glicínia lilaz
As abelhas e eu
Tontas de perfume
As abelhas e eu
Tontas de perfume
Lá no alto as abelhas
Doiradas e pequenas
Não se ocupavam de mim
Iam de flor em flor
E cá em baixo eu
Sentada no banco de azulejos
Entre penumbra e luz
Flor e perfume
Tão ávida como as abelhas
Doiradas e pequenas
Não se ocupavam de mim
Iam de flor em flor
E cá em baixo eu
Sentada no banco de azulejos
Entre penumbra e luz
Flor e perfume
Tão ávida como as abelhas
segunda-feira, 21 de março de 2011
Colóquio "A obra e o pensamento de Eudoro de Sousa" - 22/23 de Março
Ocorrendo, neste ano, o centenário do nascimento de Eudoro de Sousa (1911-1987), figura maior do pensamento luso-brasileiro contemporâneo, decidiu o Instituto de Filosofia Luso-Brasileira assinalar a efeméride com a realização de um Colóquio Internacional dedicado ao estudo da sua obra e pensamento, cuja produção e edição se repartiu entre os dois países.
Companheiro e íntimo convivente intelectual de Álvaro Ribeiro, António José Brandão, Delfim Santos, José Marinho e Sant’Anna Dionísio, em Portugal, e de Agostinho da Silva, Vicente Ferreira da Silva, António Telmo e João Ferreira, no Brasil, Eudoro de Sousa acompanhou aqui os primeiros na oposição crítica ao positivismo, na atenção reflexiva às relações entre filosofia e filologia e na valorização da obra e da figura de Leonardo Coimbra, vindo a singularizar-se pela meditação que, desde sempre, dedicou à mitologia e à filosofia da religião, a qual se manifestou nos artigos e ensaios que publicou, em Portugal, no decénio de 1944-1953 e veio a encontrar acabada expressão na trilogia Horizonte e Complementaridade (1975), Mitologia (1980) e História e Mito (1981), redigidas e editadas durante a sua permanência no Brasil, onde participou nas actividades que vieram a configurar a Escola de São Paulo e exerceu longo e fecundo magistério na Universidade de Brasília.
Apesar de a totalidade da sua obra haver sido recentemente editada em Portugal (INCM, 2000-2004) e ter sido objecto de valiosos e inteligentes estudos interpretativos nos dois países, é ainda relativamente limitado o conhecimento do seu pensamento, esperando-se que o presente Colóquio possa contribuir para conferir a Eudoro de Sousa o lugar cimeiro que lhe cabe na reflexão luso-brasileira da segunda metade do século XX.
22 de Março, 3ª feira
14h30: Comunicações
João Ferreira, «Mestre Eudoro»
António Braz Teixeira, «A génese da mitosofia em Eudoro de Sousa»
Joaquim Domingues, «O Tempo em Eudoro de Sousa»
16h00: Comunicações
Miguel Real, «O estatuto da crítica literária em Eudoro de Sousa»
Luís Loia, «Do dia-bólico e da complementaridade em Eudoro de Sousa»
Samuel Dimas, «A distinção entre enigma e mistério em Eudoro de Sousa»
17h30: Apresentação
Nova Águia: Revista de Cultura para o Século XXI, nº 7 (1º semestre de 2011)
Teixeira de Pascoaes: Saudade, Física e Metafísica, de Celeste Natário
Filosofia do Ritmo Portuguesa, de Rodrigo Sobral Cunha
23 de Março, 4ª feira
10h00: Comunicações
Constança Marcondes César, «Eudoro de Sousa e Vicente Ferreira da Silva»
Dirk Hennrich, «Eudoro de Sousa e Theodor W. Adorno, Mitologia e Iluminismo»
Bruno Béu de Carvalho, «Eudoro de Sousa: presente da saudade, estranhamento e lonjura»
11h30: Comunicações
Renato Epifânio, «“Afinidades fundas” entre Eudoro de Sousa e José Marinho»
Filipe Delfim Santos, «Correspondência entre Eudoro de Sousa e Delfim Santos»
Bruno Borges, «Eudoro de Sousa e seus livros»
13h00: Intervalo para almoço
14h30: Comunicações
Manuel Cândido Pimentel, «Considerações estéticas: O símbolo em Eudoro de Sousa»
Rui Lopo, «Religião e Historicidade em Eudoro de Sousa»
Carlos H.C. Silva, «A geometria do pensar simbólico em Eudoro de Sousa»
16h00: Comunicações
Paulo Borges, «O fim de Deus, do homem e da natureza e um novo início para o pensar»
António Cândido Franco, «Eudoro de Sousa e Agostinho da Silva»
Manuel Ferreira Patrício, «A presença de Leonardo Coimbra no horizonte filosófico de Eudoro de Sousa»
Palácio da Independência - Largo de São Domingos (ao Rossio) - Entrada Livre
domingo, 20 de março de 2011
quinta-feira, 17 de março de 2011
“Se há uma realidade simbólica – aquela, cuja expressão mais adequada é o mito – é ela constituída por entes fluidos e translúcidos"
“Se há uma realidade simbólica – aquela, cuja expressão mais adequada é o mito – é ela constituída por entes fluidos e translúcidos; de tal maneira fluidos, que indistinto se torna o limite entre o ser humano e o ser divino, entre o ser divino e o ser natural, entre o ser natural e o ser humano; e de tal maneira translúcidos, que através do ser homem transparece o ser animal ou o ser planta, o ser rio, mar ou montanha; ou através do ser deus transparece o ser humano ou o ser natural. Perca o simbólico a sua fluidez e a sua transparência, que sucederá? Tudo se cousifica! E a coisa, que nos mostra a sua face de terra, oculta seus veios de sangue ou de seiva, o corpóreo oculta o anímico ou o anímico oculta o corpóreo, o homem esconde o divino ou o divino esconde o humano. Quando o símbolo se cousifica, ou quando por diabólica inspiração ou sugestão, nós cousificamos o simbólico, a metamorfose já não é possível […]”
- Eudoro de Sousa, "...Sempre o mesmo acerca do mesmo".
- Eudoro de Sousa, "...Sempre o mesmo acerca do mesmo".
"Aviso aos que não concebem que sob o Deus católico possa haver o nada dos budistas”
“Não sou inglês por falar inglês. Não passo a ser católico se uso a linguagem católica.
Aviso aos que não concebem que sob o Deus católico possa haver o nada dos budistas”
– Agostinho da Silva, Caderno Três sem Revisão [inédito].
Aviso aos que não concebem que sob o Deus católico possa haver o nada dos budistas”
– Agostinho da Silva, Caderno Três sem Revisão [inédito].
"A direita me considera como da esquerda; esta como sendo eu inclinado à direita; o centro me tem por inexistente. Devo estar certo"
"A direita me considera como da esquerda; esta como sendo eu inclinado à direita; o centro me tem por inexistente. Devo estar certo"
– Agostinho da Silva, Cortina 1 [inédito].
– Agostinho da Silva, Cortina 1 [inédito].
terça-feira, 15 de março de 2011
Le Trio Joubran (Sama-Sounounou)
Haifa Concert with Yousef Hbeitsh.
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Nantes à L´heure Palestinienne
O fim de Deus, homem e natureza e um novo início para o pensar
Os grandes pensadores, que não se confundem com muitos dos filósofos a que nos habituou a história da filosofia, são os que pensam radicalmente, ou seja, tendo em conta o sentido do verbo pensar no português medieval e rural, são os que cuidam o solo úbere onde sem fundo se afundam as raízes do existir e aí as nutrem, salvaguardam e regeneram, assegurando o seu vínculo ao que é são, ou seja, pleno e integral. Enquanto outros se afadigam a percorrer os caminhos monótonos e sem surpresas do já pensado, repetindo-o, inventariando-o e/ou expressando-o num agir superficial, os grandes pensadores são os que, numa súbita visão, em poucas palavras condensada, subvertem o mundo quotidiano em que dormimos acordados (cf. Heraclito) e nos expatriam de tudo o que julgamos ser e saber, mostrando a inanidade da cultura a que julgamos pertencer, bem como dos conceitos e palavras com que operamos, quando confrontados com a sua génese abissal.
Assim acontece com Eudoro de Sousa, na sua obra de maturidade e sobretudo em algumas páginas de “… Sempre o mesmo acerca do mesmo”. Eudoro teoriza a singularidade da religião grega como a de se destinar ao ocultamento na mitologia e filosofia que origina, as quais só emergem na luz solar da história e da consciência pela imersão dessa sua matriz nas sombras nocturnas da pré-história e da inconsciência. Ocultando em si isso de que procedem, a poesia mitológica e a filosofia devoram-no ainda, nutrindo-se “do materno corpo de seu próprio ser”. A comum procedência da mitologia e da filosofia revela-se ainda na sua relação, pois a filosofia vai ser “sucessivamente” o que a mitologia é “simultaneamente”: uma teoria da natureza, do homem e de deus, “uma fisiologia, uma antropologia e uma teologia”. Neste sentido, a história da filosofia constitui-se negativamente. “O ser uma coisa só”, a inseparabilidade mítica do natural, do humano e do divino, ou do que como tal designamos na linguagem posterior à sua separação, é sucessivamente negado: “negando-lhe o que continha de humano e de divino, deu fundamento à Natureza; negando-lhe o que continha de natural e divino, deu fundamento ao Homem; negando-lhe o que continha de humano e natural, deu fundamento à teorização de um Deus, separado do Homem e da Natureza (… «fit dolenda secessio»!)”.
(início provisório de uma comunicação sobre Eudoro de Sousa para o Colóquio de 22 e 23 de Março: http://iflb.webnode.com//a22-03-11-coloquio-eudoro-de-sousa/)
segunda-feira, 14 de março de 2011
«Autores melancólicos e autores sérios»
«Quem ao papel rendido leve aquilo de que padece.., torna-se, esse, um melancólico autor: porém sério autor ele se torna, mesmo se grave ou sisudo, se nos disser o que já padeceu e por que meio chegou à alegria sobre a qual agora repouse.»
- Nietzsche, «Humano, demasiado humano» II, «O viandante e a sua sombra», «128».
- Nietzsche, «Humano, demasiado humano» II, «O viandante e a sua sombra», «128».
domingo, 13 de março de 2011
Morais limitações dos juízos morais
«Chateia-se quem decidiu que outro é um imbecil ou uma má pessoa, quando esse outro demonstra que o não é.»
- Nietzsche, «Humano, demasiado humano» I, «II. Para a História dos sentimentos morais», «90».
- Nietzsche, «Humano, demasiado humano» I, «II. Para a História dos sentimentos morais», «90».
António Quadros sobre o Orpheu
António Quadros sobre o Orpheu from 57 on Vimeo.
Depoimento de António Quadros no programa "Passos de Pessoa", com realização de Manuel Varella. RTP, 1988.
António Quadros sobre Fernando Pessoa
António Quadros sobre Fernando Pessoa from 57 on Vimeo.
Depoimentos de António Quadros sobre Fernando Pessoa no programa "Biografia de Pessoa" realizado por José Manuel Caixeiro RTP 1988.
Carta de Navegação
Em primeiro lugar há que Acreditar
na forma redonda em que se ergue uma onda
no som da espuma quando se espreguiça
no certo respirar do mar
Depois vem a simplicidade do Olhar
paz que se afirma em crença alheia
infinitas maneiras de não ser
olhos nos olhos, doce feitiço de almas gémeas
A seguir, criar o jeito de não iludir
não furtar o que se desajustou
de Alguém que canta quando dança
e ao dançar reconhece o caminho
Logo virá o dom de não dizer mal
maldição no maldizer, triste
de quem jura falso testemunho
cadáver adiado que se anuncia
E ai do que se atreve a matar
porque esse haverá de morrer
sobras do sofrimento em que agiu
queda profunda nos abismos da mente
E se mente e não se redime
não sonha com substancial vacuidade
não conhece a doce ilusão da vida
e tenta explicar mais do que sente
pensa que sabe quando escreve
não ouve o silêncio do coração ao bater
não acerta o passo ao marchar
e, sobretudo, se Deus não o chamar
Então, de pouco lhe valerá a música,
musa única.
Luis Santos
5/3/2011
na forma redonda em que se ergue uma onda
no som da espuma quando se espreguiça
no certo respirar do mar
Depois vem a simplicidade do Olhar
paz que se afirma em crença alheia
infinitas maneiras de não ser
olhos nos olhos, doce feitiço de almas gémeas
A seguir, criar o jeito de não iludir
não furtar o que se desajustou
de Alguém que canta quando dança
e ao dançar reconhece o caminho
Logo virá o dom de não dizer mal
maldição no maldizer, triste
de quem jura falso testemunho
cadáver adiado que se anuncia
E ai do que se atreve a matar
porque esse haverá de morrer
sobras do sofrimento em que agiu
queda profunda nos abismos da mente
E se mente e não se redime
não sonha com substancial vacuidade
não conhece a doce ilusão da vida
e tenta explicar mais do que sente
pensa que sabe quando escreve
não ouve o silêncio do coração ao bater
não acerta o passo ao marchar
e, sobretudo, se Deus não o chamar
Então, de pouco lhe valerá a música,
musa única.
Luis Santos
5/3/2011
sábado, 12 de março de 2011
Romance triplo
Javier Marías. Seu Rosto Amanhã. Trad. De Eduardo Brandão. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
Sob o rótulo da espionagem, o discurso sinuoso do espanhol de Madri Javier Marías nos leva à observação do ser humano com suas muitas caras. Já intitulado como “o mais inclassificável autor espanhol contemporâneo”, reponsável por mais de 30 obras, Marías parece ter-se superado com a tríade em foco, que compreende Febre e lança, de 408 páginas, Dança e sonho, de 360, e Veneno, sombra e adeus, com 616. Uma trilogia fascinante.
Narrar, não contar o que se sabe, dissimular; observar, saber mais que o que se pode perceber, tornar mais agudos os olhos da mente, perscrutar à exaustão a necessidade de ir sempre além das aparências.. Acima de tudo, saber decifrar e usar a linguagem, tema explorado por Alberto Manguel em Uma história da leitura, pontuado ainda na questão do tradutor, profissão do protagonista. O texto brilhante e agudo desses três romances relativiza verdades, explora o paradoxo e utiliza elementos presentes às narrativas de nosso tempo com mestria.
O narrador, chamado por vários nomes, embora de base etimológica comum – Jacques, Jacobo ou Jaime Deza, Yago ou Jack, para resumir – dificilmente poderia ser separado o próprio autor, já que existem dados biográficos comuns aos dois. Longe de sugerir uma fragmentação do personagem, essa pluralidade de denominações nos fala mais dos disfarces necessários a um espião e das dubiedades com que o protagonista se vê confrontado. É possível ainda ver nessas diferenças a preocupação, bem típica de Marías, de explorar variações semânticas da linguagem. Seja como for, o tom de conversa adotado na narrativa, a ironia e certo neo-barroquismo, que se nota na presença da polissemia bem utilizada, parecem também ligados à complexidade da própria vida e do comportamento das pessoas.
O enredo não seria complicado sem as variações inesperadas que o tornam divertido, incomum ou violento. Separado da mulher, Deza vai de Madri a Londres para atuar no magistério e trabalhar na BBC. O professor Peter Wheeler, seu amigo, especializado em história recente da Espanha, chama-o a participar de um grupo de espionagem que nem a inteligência britânica conhece ainda. Mais secreto, impossível. O que caracteriza esses agentes é a capacidade de conhecer as pessoas e entendê-las por seus gestos e atos falhos, e até pelas expressões faciais. Uma forma de tradução muito útil a quem precisa saber até que ponto se pode confiar em alguém. Ao mesmo tempo, uma habilidade invejável, já que qualquer um de nós gostaria de saber mais do próximo do que suas palavras e atitudes deixam transparecer. Seu rosto amanhã, título da trilogia, refere-se a essa capacidade de saber até que ponto alguém seria capaz de mudanças ameaçadoras.
De história de espionagem, Javier Marías transforma sua proposta em reflexão profunda sobre o ser humano, sua capacidade de fabulação, volubilidade e recursos de observação, dos quais parecemos saber muito pouco. Indo mais longe, pode-se atribuir a esse romance ainda uma impressionante exploração dos recursos da linguagem, mas não só: há também a questão da intertextualidade, ligando suas referências à Guerra Civil Espanhola e à Segunda Grande Guerra Mundial e a autores como Orwell, Fleming e seu personagem James Bond.
Do romance, diz ainda Vinicius Jatobá: “o mais interessante em Marías, além de sua visão sobre o tempo e memória, é a lentidão de seu olhar: demora páginas sobre objetos, sobre pessoas, reflete, inventa relatos para logo desmenti-los e os substituir por outros; cita obras alheias – Orwell, Benet, de seu pai, o filosofo Julian Marías –, dialoga com Shakespeare, com Proust, com Borges; retoma, recorrentemente, temas e motivos anteriores, relendo e refletindo em contextos diferentes.”
Do romance, diz ainda Vinicius Jatobá: “o mais interessante em Marías, além de sua visão sobre o tempo e memória, é a lentidão de seu olhar: demora páginas sobre objetos, sobre pessoas, reflete, inventa relatos para logo desmenti-los e os substituir por outros; cita obras alheias – Orwell, Benet, de seu pai, o filosofo Julian Marías –, dialoga com Shakespeare, com Proust, com Borges; retoma, recorrentemente, temas e motivos anteriores, relendo e refletindo em contextos diferentes.”
Valeu a pena insistir na carreira de escritor. Marías chegou lá, e se esse não for o ápice de sua história como profissional da escrita, podemos imaginar o que ainda vem por aí.
Uma boa entrevista dada por Javier Marías a Guilherme Freitas pode ser lida aqui.
"Ainda não tem nome"
"""
Ainda não tem nome
mas há-de vir
decerto, o nome
atrás da fome
do que não está
por perto. E há-de ser aflita
a rosa nas traseiras,
um chão de vespas dentro
e uma noite inteira.
"""
- José Carlos Soares, in "Chão de Vespas", edição do autor, Porto, 2005.
Ainda não tem nome
mas há-de vir
decerto, o nome
atrás da fome
do que não está
por perto. E há-de ser aflita
a rosa nas traseiras,
um chão de vespas dentro
e uma noite inteira.
"""
- José Carlos Soares, in "Chão de Vespas", edição do autor, Porto, 2005.
quinta-feira, 10 de março de 2011
Domingo
Lethe limpava o teatro sempre depois da meia-noite. Papeis de rebuçados, catálogos rasgados, o lixo que os pés trouxeram da rua.
Como forma de aliviar o trabalho, entretinha-se a inventar histórias entre as filas pares e ímpares.
‘Se as filas fossem divididas entre vogais e consoantes, onde se sentariam os casais?’
Com o tempo a limpeza ficou-se em exclusivo pela limpeza e o lixo passou a ser um universo de coisas diversas. Uma folha colorida, um lenço perdido, o pó teimoso acumulado nas frestas. Cada cadeira era uma descoberta. A vassoura ganhou a solidão. O balde ficou seco. A sala ficou maior, a noite ficou pequena.
No Domingo passado, Lethe saíu de casa sem as chaves do teatro. Ainda ia tempo de encontrar Ernesto na bilheteira a fechar o caixa.
- Sr. Ernesto, esqueci-me das chaves em casa...
- Lethe, onde anda a tua cabeça?
Tímida, pede desculpas.
- Entra aqui pela frente. No meu escritório tenho outras chaves. Quando saíres tranca tudo. Deixa as chaves debaixo do tapete da porta da minha casa.
Pela primeira vez em vinte anos de trabalho, Leta entra pela porta da frente. Para no hall ainda iluminado por um imponente lustre de cristal e dirige-se para a galeria dos números pares. Seus olhos colam-se à cortina de veludo vermelho.
Com pressa corre em direcção ao palco. Pouco importa se anda de Sul para Norte. Andou sempre ao contrário. Tropeça e cai. No chão liberta a voz sumida:
“Cheira a crisântemos vermelhos...”
- Lethe, o que te aconteceu? Acorda rapariga...
- Sr. Ernesto, o que há depois da cortina?
- Como assim, ficaste maluca?
Envergonhada disfarça a ignorância.
- Ando mesmo cansada. Vou ficar aqui um bocadinho e já saio. Amanhã limpo tudo. Pode ser?
Ernesto ajuda-a a sentar-se. Lethe espera ansiosa que a deixe sozinha.
Quando Ernesto bate a porta, Lethe solta um suspiro profundo. Todas as noites limpou o teatro de costas voltadas para o palco. Nunca se perguntou o que faziam tantas cadeiras alinhadas sempre voltadas para sul.
- O que esconde esta cortina?
Devagar aproxima-se do palco, do lado direito uma pequena escada ajuda a subir.
Por baixo, o fosso da orquestra. No horizonte de Leta, a plateia que limpa, agora vista de outro ângulo. Por trás, uma cortina vermelha à italiana.
Para quem se encantava com a descoberta da diversidade do pequeno lixo, o mundo acabava de ganhar uma dimensão brutal. O que escondia a cortina?
Lethe nunca foi pessoa de grandes questionamentos. De madrugada quando regressava do teatro, deitava-se até a hora do almoço. Por volta das duas almoçava. Na parte da tarde limpava a casa de uma velhota. Às oito jantava e deitava-se até a hora de ir para o teatro. Entre intervalos, distraía-se com a televisão. Viveu sempre sozinha. Nunca ninguém a viu acompanhada.
A descoberta do lixo das pequenas coisas alterou a rotina de Lethe que deixou de se interessar pela televisão. Como sempre foi uma pessoa disciplinada arranjou pequenas caixinhas de papel onde passou a separar o lixo por famílias. Os papeis de rebuçados eram tantos que Lethe teve de subdividir em mais caixinhas. Os papéis verdes de alumínio, os papeis de celofane vermelho, os papeis para a tosse, etc.
Arrumar o mundo dá trabalho. Encontrar uma ordem para que se consiga depois esquecer a mesma. Lethe ainda estava a tentar encontrar a ordem lógica das coisas pequenas, quando esqueceu as chaves do teatro.
Em criança quando sentia medo, sua mãe cantarolava:
O pó faz no chão a sua cama
Uma cortina esconde a vida
Cheira a crisântemos vermelhos
A mesma que escuta agora baixinho do outro lado do palco.
Abre a cortina, Lethe. Deixa-me ver o resto.
quarta-feira, 9 de março de 2011
Da necessidade do expatriamento para aceder ao "tudo em todos"
"Acto e potência são divisões do ser respeitantes ao ser criado no seu conjunto. Ora o ser é o acto primeiro, é a primeira divisão. No intelecto, em Deus, não há divisão. É por esta razão que a Escritura exorta sempre a sair deste mundo, à saída de si mesmo, ao esquecimento da sua casa, da casa do seu povo, a sair da sua pátria e da sua família, para crescer num povo imenso, para que nele sejam abençoadas todas as nações, e isso produz-se do modo mais perfeito na região do intelecto, aí onde, incontestavelmente, "tudo é em todos", deste modo e não de outro"
- Mestre Eckhart, Sermões Latinos, XXIX, in Maître Eckhart à Paris. Une critique médiévale de l'ontothéologie, études, textes et introductions, Paris, PUF, 1984.
XXII Encontro Inter-Religioso de Meditação - Hoje, 4ª, dia 9, 18.30
É com muita alegria que a União Budista Portuguesa anuncia que o próximo Encontro Inter-Religioso de Meditação se realizará na sua sede em Lisboa, no próximo dia 9 de Março, 4ª feira, pelas 18.30h (Av. 5 de Outubro, 122, 8º esq.)
Convidamos toda a comunidade budista e não budista a associar-se a este encontro de praticantes de diferentes tradições e religiões para vivermos, em silêncio meditativo, a experiência da pres...ença em comum perante o que para cada um for mais sagrado.
Esta iniciativa enquadra-se no compromisso que a União Budista Portuguesa assumiu com Sua Santidade o Dalai Lama de tudo fazer para promover a harmonia inter-religiosa em Portugal, um dos próprios empenhos fundamentais de Sua Santidade.
A recepção será feita a partir das 18.30 e a sessão começará com breves leituras de textos representativos de cada tradição, intervalados por dois minutos de meditação sobre cada um, seguindo-se 25 minutos de meditação em silêncio. No final os participantes poderão, caso desejem, partilhar a sua experiência.
Contamos com a vossa presença e divulgação. Entrada livre.
Para que o diálogo inter-religioso se enraíze na experiência do silêncio e da Paz profunda.
A Direcção da UBP
Convidamos toda a comunidade budista e não budista a associar-se a este encontro de praticantes de diferentes tradições e religiões para vivermos, em silêncio meditativo, a experiência da pres...ença em comum perante o que para cada um for mais sagrado.
Esta iniciativa enquadra-se no compromisso que a União Budista Portuguesa assumiu com Sua Santidade o Dalai Lama de tudo fazer para promover a harmonia inter-religiosa em Portugal, um dos próprios empenhos fundamentais de Sua Santidade.
A recepção será feita a partir das 18.30 e a sessão começará com breves leituras de textos representativos de cada tradição, intervalados por dois minutos de meditação sobre cada um, seguindo-se 25 minutos de meditação em silêncio. No final os participantes poderão, caso desejem, partilhar a sua experiência.
Contamos com a vossa presença e divulgação. Entrada livre.
Para que o diálogo inter-religioso se enraíze na experiência do silêncio e da Paz profunda.
A Direcção da UBP
terça-feira, 8 de março de 2011
"Carnaval significa Sinceridade" / "A criação é um bailado de máscaras"
"Carnaval significa Sinceridade. O homem só é verdadeiro, quando se julga incógnito. Se tem de representar a sua pessoa, a arte absorve-o, e desvia-o do seu próprio ser"
"A máscara humana é a vera efígie da morte.
Nascer é pôr a máscara. A criatura não desce ao mundo, sem vestir primeiro o seu hábito"
"A criação é um bailado de máscaras... cósmico entrudo tenebroso!... a vertigem... um delírio de ritmos que se quebram e refazem... estátua de pó, turbilhonante, mostrando, à infinita cegueira, o seu busto de dor, assente sobre o Nada e o Sonho..."
- Teixeira de Pascoaes, Verbo Escuro, Paris/Lisboa, Aillaud e Bertrand, s. d., pp.39 e 43-45.
domingo, 6 de março de 2011
“A mais alta iniciação acaba pela pergunta encarnada de se há qualquer coisa que exista"
“A mais alta iniciação acaba pela pergunta encarnada de se há qualquer coisa que exista. […] Às vezes eu mesmo, que devera ser um alto iniciado, pergunto ao que em mim é de além de Deus se estes deuses todos e todos estes astros não serão mais que sonos de si mesmos, grandes esquecimentos do abismo”
– Fernando Pessoa, A Hora do Diabo, edição de Teresa Rita Lopes, Lisboa, Assírio & Alvim, 1997, p.26.
– Fernando Pessoa, A Hora do Diabo, edição de Teresa Rita Lopes, Lisboa, Assírio & Alvim, 1997, p.26.
Dedicatórias a Fernando Pessoa
«A Fernando Pessoa com a maior admiração por quem é único, isolado e superior a todos na poesia portuguesa do nosso tempo, esta humilde homenagem que quereria ser mais significativa de Adolfo Casais Monteiro».
«Ao seu querido amigo Fernando Pessoa – ao alto espirito, ao artista, ao pensador of[ferece] com um grande abraço em 29 ag[osto] 1912 Mario de Sá-Carneiro».
Ao longo de quase 37 anos – entre 1898 e 1935 – Fernando Pessoa foi reunindo livros, revistas, jornais, recortes de imprensa e folhetos que, gradualmente, vieram integrar uma surpreendente biblioteca multilingue que abrange 8 idiomas, mais da metade em inglês.Para o progressivo crescimento dessa biblioteca foram muito importantes os prémios escolares, as compras (directas e por correspondência), as aquisições em segunda mão, as permutas, as heranças e as ofertas de volumes. Presumimos que muitos dos livros escritos em português foram oferecidos a Pessoa porque estes contêm dedicatórias. É importante frisar que as dedicatórias se encontram em livros portugueses porque Pessoa comprava mais livros em inglês e em francês do que em português. De facto, a sua biblioteca particular teria mais volumes de obras francesas do que portuguesas se a Pessoa não lhe tivessem sido oferecidas muitas das obras portuguesas existentes.
http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt/bdigital/index/dedicatorias3.htm
sábado, 5 de março de 2011
Dos projetos tardios
ou
De como Garcia-Roza ganhou o mundo
O Laboratório do Escritor do Centro Cultural do Banco do Brasil trouxe Luiz Alfredo Garcia-Roza para falar sobre seu trabalho, seu processo criativo, as etapas enfim que é preciso cumprir para trazer à luz mais um livro, além de curiosidades, tietagens e alguma aleivosia nas infalíveis perguntas que sempre querem saber mais do que estão perguntando.
Os sete romances publicados foram sucessos, a começar do primeiro, O silêncio da chuva, ganhador de dois importantes prêmios literários, o Jabuti e o Nestlé. Um belo começo de carreira para um autor tardio, que começou a escrever ficção aos 60, depois de uma carreira acadêmica respeitada nas áreas de filosofia e teoria psicanalítica, cadeira que ele criou na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Vieram depois Uma janela para Copacabana, Vento Sudoeste, Achados e perdidos, Perseguido, Berenice procura e Céu de origamis. Exceto o penúltimo, todos trazem a figura de Espinosa, um detetive que é um charme, uma figura idealizada de policial. Sugiro que o personagem seja uma projeção do eu ideal do próprio autor, o que para efeito lítero-fofoqueiro tem lá seus encantos. Outra estrela onipresente nos romances desse eminente professor é Copacabana, bairro carioca onde ele foi criado e morou toda sua vida. Garcia escreve em um escritório no centro do Rio, de onde avista a baía de Guanabara, e em cuja parede maior está estendido um mapa de seu bairro predileto com todos os detalhes que aparentemente guiam sua criação literária, incluindo o subsolo e seus meandros. Além do submundo que ele traz quase sempre à ação.
Pessoalmente, gostei mais de O silêncio da chuva, que me parece o mais lírico de todos, e de Achados e perdidos que, roteirizado e filmado, ficou muito bom de ver. Livro e filme têm figuras menos esquematizadas que algumas da histórias de Roza, gente de carne-osso-e-sangue.
Além de best-sellers no Brasil, os livros do professor têm sido traduzidos mundo afora.
Perguntado sobre o porquê da escolha do gênero, ele responde que prefere profissões que lidem com a suspeita, como é o caso da psicanálise e da investigação criminal. Mas sobre seu método de trabalho – que ele garante ser nenhum, embora haja um exagero nisso – e sobre a famosa “necessidade de escrever” que a maioria dos autores declara, ele reitera a resposta dada numa das Festas Literárias de Paraty: começa a escrever a partir de qualquer acontecimento trivial e vai construindo sua história sem saber aonde chegará. E se tiver que escolher entre ler ou escrever como opção exclusiva, escolherá ler. Porque, segundo ele, ainda leu muito pouco da ficção disponível neste mundo, e se não puder escrever, a leitura lhe será suficiente.
Fungagá
Quando tocou a campainha Dulce pediu-meque abrisse a porta. O pedido fez-me sentir elevada a um estatuto de amiga, até há cinco minutos desconhecido.
Do outro lado, estava um homem com um bigode que não ultrapassava a fronteira das narinas. Um chapéu na mão direita, vários embrulhos na mão esquerda.
Entrou atrás de mim, beijou Dulce rapidamente e fugiu para outro lado da casa.
- João, onde vais?
- Vou ao quarto...
No regresso, olhou-me e disse:
- Eu conheço-te! Trabalhaste no Funfagá...
Respondi logo que não, mas a certeza dele começou a deixar-me insegura.
- No Fungagá?
- Tenho a certeza, tinha lá uma Lexa...
Nunca conheci outra pessoa com o meu nome, só podia ser eu.
- Mas em que ano?
-1974...
Será que eu trabalhei no Fungagá e não me lembro?
A verdade dele é tão mais segura que a minha que ainda peço desculpas pela minha falta de memória.
Porém algo em mim impede-me de embarcar na segurança de João que feito uma borboleta esbraceja deixando a minha afirmação fraca e mentirosa.
- Nunca trabalhei no Fungagá...
No elevador conto de 1 a 10 para ter a certeza de que ainda sei contar sem tropeçar no intervalo da dezena.
Há dias em que o sublime da vida é saber-me viva, apenas.
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