terça-feira, 15 de março de 2011

O fim de Deus, homem e natureza e um novo início para o pensar



Os grandes pensadores, que não se confundem com muitos dos filósofos a que nos habituou a história da filosofia, são os que pensam radicalmente, ou seja, tendo em conta o sentido do verbo pensar no português medieval e rural, são os que cuidam o solo úbere onde sem fundo se afundam as raízes do existir e aí as nutrem, salvaguardam e regeneram, assegurando o seu vínculo ao que é são, ou seja, pleno e integral. Enquanto outros se afadigam a percorrer os caminhos monótonos e sem surpresas do já pensado, repetindo-o, inventariando-o e/ou expressando-o num agir superficial, os grandes pensadores são os que, numa súbita visão, em poucas palavras condensada, subvertem o mundo quotidiano em que dormimos acordados (cf. Heraclito) e nos expatriam de tudo o que julgamos ser e saber, mostrando a inanidade da cultura a que julgamos pertencer, bem como dos conceitos e palavras com que operamos, quando confrontados com a sua génese abissal.

Assim acontece com Eudoro de Sousa, na sua obra de maturidade e sobretudo em algumas páginas de “… Sempre o mesmo acerca do mesmo”. Eudoro teoriza a singularidade da religião grega como a de se destinar ao ocultamento na mitologia e filosofia que origina, as quais só emergem na luz solar da história e da consciência pela imersão dessa sua matriz nas sombras nocturnas da pré-história e da inconsciência. Ocultando em si isso de que procedem, a poesia mitológica e a filosofia devoram-no ainda, nutrindo-se “do materno corpo de seu próprio ser”. A comum procedência da mitologia e da filosofia revela-se ainda na sua relação, pois a filosofia vai ser “sucessivamente” o que a mitologia é “simultaneamente”: uma teoria da natureza, do homem e de deus, “uma fisiologia, uma antropologia e uma teologia”. Neste sentido, a história da filosofia constitui-se negativamente. “O ser uma coisa só”, a inseparabilidade mítica do natural, do humano e do divino, ou do que como tal designamos na linguagem posterior à sua separação, é sucessivamente negado: “negando-lhe o que continha de humano e de divino, deu fundamento à Natureza; negando-lhe o que continha de natural e divino, deu fundamento ao Homem; negando-lhe o que continha de humano e natural, deu fundamento à teorização de um Deus, separado do Homem e da Natureza (… «fit dolenda secessio»!)”.

(início provisório de uma comunicação sobre Eudoro de Sousa para o Colóquio de 22 e 23 de Março: http://iflb.webnode.com//a22-03-11-coloquio-eudoro-de-sousa/)

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