terça-feira, 30 de março de 2010
"Morte e Re-nascimento de Cristo", por Isabel Rosete
Isabelrosete@gmail.com
Não há propriamente uma data determinada nem para o morrer, nem para o re-nascer de Cristo – essa ex-traordinária e iluminada figura que a História nos doou, como uma benção – para além das convencionadas no calendário católico/religioso.
Não obstante estarmos bem perto de comemorar o re-nascimento desde judeu amaldiçoado pela vileza dos homens e, por extensão, a Paz, a Solidariedade, a Luz, a Verdade, o Bem, o Amor, a Justiça..., não devemos esquecer, caro leitor, que o Mundo continua a sofrer, a ser martirizado e crucificado como Cristo o foi, um dia, pela histeria colectiva das multidões enfurecidas, alucinadas pela sede do sangue, fresco e quente, de um Homem que tinha tão-só por missão salvar a Humanidade de si mesma e dos seus próprios perigos e erros
Iludir a realidade a reboque das comemorações convencionais, só porque são convenções (cada vez mais minadas pelo exacerbado consumismo que nos esgota as bolsas) não faz, jamais, a Humanidade crescer, pensar ou reflectir sobre esse sofrimento, físico e psíquico, de que ela mesma é vitima, a partir das suas próprias mãos maculadas, amiúde, pelo sangue jorrado das Almas e dos corpos inocentes.
Enquanto uns estão à mesa a confraternizar com as suas famílias (mesmo que sobre as franjas da hipocrisia, todos o sabemos!), em serenidade e alegria, deliciando-se com o mais requintado dos manjares, especialmente organizado para a Páscoa celebrar (mas que Páscoa!? Mas que celebração!?), outros morrem de subnutrição, aí mesmo ao nosso lado, espalhados por esse mundo imenso, sem dó, são vítimas de balas perdidas, da má fé, das guerras infundadas e da violência gratuita.
O tormento, a amargura, dessas gentes vexadas na sua humanidade pela malvadez, pela violência, pela crueldade... não se exaure pelo simples facto de o dia de Páscoa estar quase a chegar, não se extenua durante uns escassos momentos de tréguas. Lamentavelmente, tudo permanece do mesmo modo, em alguns casos, camufladamente, noutros claramente visíveis, apenas ocultos para aqueles que, por conveniência, não querem ver.
Recuso-me, por conseguinte, a ludibriar a realidade; recuso-me a compactuar com a hipocrisia dos homens, que só se lembram que há mendicantes, crianças e velhos, moribundos e desamparados, povos em guerra…, quando a Páscoa é, oficialmente, solenizada.
A memória dos homens, seja a curto ou a longo prazo, não deve continuar minguada; a memória dos homens não deve somente ser testada, assim como a sua humanidade (ou pseudo-humanidade), quando o socialmente instituído é festejado.
Torna-se óbvio que o Espírito da Páscoa jamais se deve restringir ao dia de Domingo, pelo calendário determinado. O Espírito da Páscoa deve, ao invés, estar presente, sempre, em todas as mentes e em todos os dias das nossas vidas, tão efémeras quanto a de Cristo.
O tinir do sino, que pelas ruas e praças difunde o seu som de apelo, anunciando a chagada, a cada casa, da cruz de Cristo, nunca é capaz de eliminar ou de abafar o som da miséria humana, pelo menos para aqueles que escutam todos os ecos, para além dos ensurdecedores ruídos, que enxergam mais longe, para além das aparências, dos convénios, dos pré-conceitos, ou do chamado politicamente correcto (odeio esta expressão!).
Urge, estimado leitor, abanar as consciências, incitar as mentes à mais profunda reflexão; é imperativo fazer renascer, em todo o seu fulgor, o Espírito Crítico, por detrás de todas as máscaras, de todos os discursos vazios de conteúdo, meramente convenientes para uma escassa minoria.
Isabel Rosete
Não há propriamente uma data determinada nem para o morrer, nem para o re-nascer de Cristo – essa ex-traordinária e iluminada figura que a História nos doou, como uma benção – para além das convencionadas no calendário católico/religioso.
Não obstante estarmos bem perto de comemorar o re-nascimento desde judeu amaldiçoado pela vileza dos homens e, por extensão, a Paz, a Solidariedade, a Luz, a Verdade, o Bem, o Amor, a Justiça..., não devemos esquecer, caro leitor, que o Mundo continua a sofrer, a ser martirizado e crucificado como Cristo o foi, um dia, pela histeria colectiva das multidões enfurecidas, alucinadas pela sede do sangue, fresco e quente, de um Homem que tinha tão-só por missão salvar a Humanidade de si mesma e dos seus próprios perigos e erros
Iludir a realidade a reboque das comemorações convencionais, só porque são convenções (cada vez mais minadas pelo exacerbado consumismo que nos esgota as bolsas) não faz, jamais, a Humanidade crescer, pensar ou reflectir sobre esse sofrimento, físico e psíquico, de que ela mesma é vitima, a partir das suas próprias mãos maculadas, amiúde, pelo sangue jorrado das Almas e dos corpos inocentes.
Enquanto uns estão à mesa a confraternizar com as suas famílias (mesmo que sobre as franjas da hipocrisia, todos o sabemos!), em serenidade e alegria, deliciando-se com o mais requintado dos manjares, especialmente organizado para a Páscoa celebrar (mas que Páscoa!? Mas que celebração!?), outros morrem de subnutrição, aí mesmo ao nosso lado, espalhados por esse mundo imenso, sem dó, são vítimas de balas perdidas, da má fé, das guerras infundadas e da violência gratuita.
O tormento, a amargura, dessas gentes vexadas na sua humanidade pela malvadez, pela violência, pela crueldade... não se exaure pelo simples facto de o dia de Páscoa estar quase a chegar, não se extenua durante uns escassos momentos de tréguas. Lamentavelmente, tudo permanece do mesmo modo, em alguns casos, camufladamente, noutros claramente visíveis, apenas ocultos para aqueles que, por conveniência, não querem ver.
Recuso-me, por conseguinte, a ludibriar a realidade; recuso-me a compactuar com a hipocrisia dos homens, que só se lembram que há mendicantes, crianças e velhos, moribundos e desamparados, povos em guerra…, quando a Páscoa é, oficialmente, solenizada.
A memória dos homens, seja a curto ou a longo prazo, não deve continuar minguada; a memória dos homens não deve somente ser testada, assim como a sua humanidade (ou pseudo-humanidade), quando o socialmente instituído é festejado.
Torna-se óbvio que o Espírito da Páscoa jamais se deve restringir ao dia de Domingo, pelo calendário determinado. O Espírito da Páscoa deve, ao invés, estar presente, sempre, em todas as mentes e em todos os dias das nossas vidas, tão efémeras quanto a de Cristo.
O tinir do sino, que pelas ruas e praças difunde o seu som de apelo, anunciando a chagada, a cada casa, da cruz de Cristo, nunca é capaz de eliminar ou de abafar o som da miséria humana, pelo menos para aqueles que escutam todos os ecos, para além dos ensurdecedores ruídos, que enxergam mais longe, para além das aparências, dos convénios, dos pré-conceitos, ou do chamado politicamente correcto (odeio esta expressão!).
Urge, estimado leitor, abanar as consciências, incitar as mentes à mais profunda reflexão; é imperativo fazer renascer, em todo o seu fulgor, o Espírito Crítico, por detrás de todas as máscaras, de todos os discursos vazios de conteúdo, meramente convenientes para uma escassa minoria.
Isabel Rosete
“A PAIXÃO DE CRISTO” REVISITADA, por Isabel Rosete
“A PAIXÃO DE CRISTO” REVISITADA
Se atentarmos nas passagens da Bíblia em que Gibson se inspirou para realizar A Paixão de Cristo, é isso mesmo que se sente, vê, escuta e vivencia: violência, crueldade, muito sangue derramado, inocentemente.
Todos os relatos da época confirmam, sem reservas, essa atrocidade, essa des-humanidade, essa insensata histeria colectiva, movida pelo gosto da agressividade e pelo prazer do ódio.
O realizador, frisemo-lo, não enfatizou ou empolou a contextura epocal, como sustentam os espíritos menos esclarecidos. Apenas a mostrou, na sua plena autenticidade.
A humanidade é assim mesmo: bárbara, violenta, vil... Toda a História o mostra. Só que nem sempre o vemos. Nem sempre o queremos ver. Ou, simplesmente, não convém que o vejamos. É mais cómodo compactuar com o regime, mesmo que, literalmente, o abominemos.
Cristo foi tão-só mais um, entre tantos outros, mártire dessa bestialidade, insensibilidade e leviandade exacerbada dos Homens.
Cristo não convinha ao sistema instituído. Foi um revolucionário. Um verdadeiro rebelde. A sua Filosofia, obviamente contestatária. Naturalmente, teve de ser morto, como também o foi Gandhi, por razões idênticas, só para dar mais um exemplo histórico da Intolerância des-medida.
Assim é a postura de todos os regimes políticos totalitários, os de ontem, os de hoje, os de sempre! Dogmáticos, inflexíveis, intocáveis, pretensos donos da verdade absoluta, não admitem, outras verdades, outras visões do mundo, ou, apenas, uma outra ordem.
É preciso mostrar a todos os olhares dis-persos, do modo mais realista possível, o que o Mundo é na sua essência, sem pré-conceitos, sem falsos moralismos. Este Mundo – o de Cristo e o nosso – não é um mar de rosas, mas, sobretudo, uma imensidão de espinhos, camuflados por belas, cheirosas e aveludadas pétalas.
Devemos observá-lo, clara e distintamente, por detrás de todos os véus, de todas as máscaras que ludibriam as mentes ex-traviadas. Devemos pensá-lo, profundamente; analisá-lo, criticamente, com os olhos da razão, que ultrapassa a vulgaridade das opiniões comuns.
Urge não esquecer que vivemos, tal como o experienciou “O Messias”, minados pelo fingimento, pela dissimulação, pela inveja, pela violência gratuita, pela guerra, entre alguns escassos momentos de paz e de enaltecimento dos valores que efectivamente devem prevalecer no coração dos homens: a Verdade, a Honestidade, o Bem, a Solidariedade, a Tolerância, o Respeito pelas Diferenças fundamentais e pela Liberdade essencial de todos os Povos, Estados, Nações…, independentemente dos credos religiosos, das facções político-partidárias, das cores, das raças, das religiões ou das dissemelhanças culturais. Assim o consagrou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, só em tese, aceite, porque raramente cumprida pelos pretensos detentores do poder.
Urge, ainda e sempre, re-nascer, para uma Outra Idade, para um outro Mundo, onde a Racionalidade paute os pensamentos e as acções do Homens, onde o Bom-Senso impere, definitivamente, para além de todos os paradoxos ou contra-sensos.
Se atentarmos nas passagens da Bíblia em que Gibson se inspirou para realizar A Paixão de Cristo, é isso mesmo que se sente, vê, escuta e vivencia: violência, crueldade, muito sangue derramado, inocentemente.
Todos os relatos da época confirmam, sem reservas, essa atrocidade, essa des-humanidade, essa insensata histeria colectiva, movida pelo gosto da agressividade e pelo prazer do ódio.
O realizador, frisemo-lo, não enfatizou ou empolou a contextura epocal, como sustentam os espíritos menos esclarecidos. Apenas a mostrou, na sua plena autenticidade.
A humanidade é assim mesmo: bárbara, violenta, vil... Toda a História o mostra. Só que nem sempre o vemos. Nem sempre o queremos ver. Ou, simplesmente, não convém que o vejamos. É mais cómodo compactuar com o regime, mesmo que, literalmente, o abominemos.
Cristo foi tão-só mais um, entre tantos outros, mártire dessa bestialidade, insensibilidade e leviandade exacerbada dos Homens.
Cristo não convinha ao sistema instituído. Foi um revolucionário. Um verdadeiro rebelde. A sua Filosofia, obviamente contestatária. Naturalmente, teve de ser morto, como também o foi Gandhi, por razões idênticas, só para dar mais um exemplo histórico da Intolerância des-medida.
Assim é a postura de todos os regimes políticos totalitários, os de ontem, os de hoje, os de sempre! Dogmáticos, inflexíveis, intocáveis, pretensos donos da verdade absoluta, não admitem, outras verdades, outras visões do mundo, ou, apenas, uma outra ordem.
É preciso mostrar a todos os olhares dis-persos, do modo mais realista possível, o que o Mundo é na sua essência, sem pré-conceitos, sem falsos moralismos. Este Mundo – o de Cristo e o nosso – não é um mar de rosas, mas, sobretudo, uma imensidão de espinhos, camuflados por belas, cheirosas e aveludadas pétalas.
Devemos observá-lo, clara e distintamente, por detrás de todos os véus, de todas as máscaras que ludibriam as mentes ex-traviadas. Devemos pensá-lo, profundamente; analisá-lo, criticamente, com os olhos da razão, que ultrapassa a vulgaridade das opiniões comuns.
Urge não esquecer que vivemos, tal como o experienciou “O Messias”, minados pelo fingimento, pela dissimulação, pela inveja, pela violência gratuita, pela guerra, entre alguns escassos momentos de paz e de enaltecimento dos valores que efectivamente devem prevalecer no coração dos homens: a Verdade, a Honestidade, o Bem, a Solidariedade, a Tolerância, o Respeito pelas Diferenças fundamentais e pela Liberdade essencial de todos os Povos, Estados, Nações…, independentemente dos credos religiosos, das facções político-partidárias, das cores, das raças, das religiões ou das dissemelhanças culturais. Assim o consagrou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, só em tese, aceite, porque raramente cumprida pelos pretensos detentores do poder.
Urge, ainda e sempre, re-nascer, para uma Outra Idade, para um outro Mundo, onde a Racionalidade paute os pensamentos e as acções do Homens, onde o Bom-Senso impere, definitivamente, para além de todos os paradoxos ou contra-sensos.
quinta-feira, 25 de março de 2010
ENTRE! Torne-se assinante e viabilize uma revista-ponte ENTRE todas as coisas
Apoie e ajude a viabilizar o projecto de uma revista de qualidade destinada a fazer pontes e mediações entre culturas, saberes e tradições. Torne-se assinante.
Assinaturas (pedidos à editora) 1 Ano / 2 Anos Portugal: € 30.00 / € 55.00; Europa: € 35.00 / € 65.00; Extra-Europa: € 40.00 / € 75.00.
Pagamento: cheque ou transferência bancária
Âncora Editora - Avenida Infante Santo 52 - 3º esq. 1350-179 Lisboa
tel + 351 213 951 223 fax + 351 213 951 222
e-mail ancora.editora@ancora-editora.pt
web http://www.ancora-editora.pt
Tema do número 1: Que diálogo entre culturas?
Tema do número 2: Fernando Pessoa; Encontro Ocidente/Oriente
quarta-feira, 24 de março de 2010
As Índias Espirituais
O amor como caminho - revisitar as memórias
O amor como caminho é o título escolhido para um conjunto de reflexões, sobre diferentes temas, orientado pelo princípio da aproximação/união não (só) ao outro, mas ao Outro.
O amor que aqui se apresenta é um conceito plural e dinâmico que transcende o individual: um caminho composto por sete degraus, anunciado por Platão na obra “O Banquete” que, embora se inicie no amor pela particularidade da beleza do Outro, se expande e alcança a beleza em termos abstractos, enquanto princípio eterno do Universo, nas suas múltiplas expressões. E o movimento evolui e encontra o amor pela ética, o amor pelas práticas belas – a integridade, justiça, bondade…-, o amor pelas instituições (pelo seu equilíbrio, harmonia, bem comum), pela ciência e pelo conhecimento, na compreensão do que é universal. Por último, no sétimo degrau, este amor alcança e comunga com a beleza, para além da sua manifestação, autotranscende-se e une-se à origem do Ser – é o caminho entre o amor individual, materializado e particular e um amor expandido como princípio universal e cósmico - esse amor que é congénere da transcendência (Bauman, 2006).
É este caminho do encontro, da compreensão da beleza do Outro, na diversidade das suas expressões, que permite transcender as concepções individuais, imediatas e de satisfação particular e se torna num movimento criador, que une e que amplia, se aproxima da beleza, da ética e do conhecimento, que preserva e cuida.
Neste movimento de aproximação ao Outro subsistem resistências originadas pela leitura do mundo, compostas pelas memórias, vivências e experiências individuais. Desta circunstância emerge, em cada declaração e acção realizada, um conteúdo residual de tempos pretéritos, do qual o indivíduo não se apercebe, pois se confunde com o tempo presente, através do qual representa, simboliza e organiza o mundo que o rodeia mas que contêm aspectos da memória do grupo social onde o indivíduo foi socializado, em que se estabelece uma versão acordada do passado, inserido numa memória oficial da sociedade. Como refere Walter Benjamin é um contínuo “escovar a História a contrapelo”, ou seja, recuperar, através das condições do momento presente (concretas e emocionais), o passado, num permanente movimento de memória em construção. Esta concepção de memória (processo e não produto) não a desvirtua, pois o presente não é solitário nem original – porquanto evoca continuamente tudo aquilo que experienciamos ao longo da vida, na nossa forma pessoal de relacionamento social (Janeirinho, 2003).
A Histórica transmitida traduz-se, muitas vezes, no retrato da memória oficial, filtrada e interpretada por interesses e ideologias dominantes, em cada época, e expressa a versão consolidada de um passado colectivo de uma dada sociedade, com os seus valores, mitos, arquétipos, uniformizadora de lembranças. Uma História construída e protagonizada por uma ocidentalidade que interpretou e registou memórias que urge hoje revisitar, pela impossibilidade de conhecer os Outros (e Nós), mantendo silêncios!
No caso português, este movimento de aproximação e conhecimento ao Outro não conduz à rejeição da nossa História. Pretende, antes, acolher outros valores e processos diferentes, fazer uma abordagem ao incompreensível, através de um método mais sensível, intuitivo e por isso mais subjectivo, pois a História é composta por factos reais (relações de produção, economia, política…) e, também, por um sentido profundo em torno do qual esses factos se organizam e extraem sentido - a produção e troca de Mitos e Ideias. Revisitar a nossa memória individual e colectiva é, também, dar entrada a outras Histórias, repensar outros dados, não tanto em termos dos feitos, do conhecimento das técnicas de combate, de navegação, de mercadorias transaccionadas, mas sobre as motivações mais profundas, aquelas que se enraízam no imaginário dos homens e dos povos. Como refer, ainda, Lima de Freitas, os factos, antes de se tornarem visíveis na História, começam por medrar no imaginário de homens - o sonho, o desejo, a visão.
Cabe aqui reflectir e analisar a nossa construção de ver o mundo, os outros e nós - a cultura portuguesa e suas múltiplas interrelações com outras realidades que edificaram esta e as outras identidades - entrelaçar relatos de outros universos culturais e atribuir sentido a uma identidade que não é fixa e a outras identidades que não são produto. Como refere Valleriani, somos entidades históricas concebidas em termos de viagem, fruto de negociação de culturas em viagem (travelling cultures), em que a nossa identidade cultural é habitada por outras culturas, um produto nunca acabado (Valleriani, 2008).
No amor como caminho em direcção ao Outro é urgente uma visão mais holística da História onde sejam costuradas memórias emergentes, não monumentalizadas, e valorizados os mitos, os sonhos, os desejos e a cultura empírica (sem descurar as formas de circulação, recepção/apropriação) dos colectivos envolvidos, como factores fundamentais dos seus percursos e marca das suas identidades. É revisitar a memória através de uma abordagem etnográfica aos registos do passado (tangíveis e intangíveis), de uma leitura hermenêutica das fontes, em que se expressam e manifestam narrativas culturais locais e se integram significados e sentidos do Outro numa conexão entre memória, acção presente e projecto de futuro (Escolano, 2002).
Referências Bibliográficas
BAUMAN, Zygmunt (2006), Amor Liquido, Relógio d´Agua, Portugal;
BENITO, Agustin Escolano; Diaz Jose Maria, coords (2002), La memoria y el desejo – la cultura de la escuela y educacion deseada, Ceince, Espanha;
FENTRESS, James (1992), Memória social, novas perspectivas sobre o passado, Colecção Teorema, Lisboa;
JANEIRINHO, Luisa (2003), Dar voz aos objectos - contributos dos documentos de vida na construção de um museu de escola, tese de mestrado, Universidade de Évora;
VALLERIANI, António (2008), Por una hermenêutica de perfil híbrido, Universidad Europea Miguel de Cervantes.
O amor que aqui se apresenta é um conceito plural e dinâmico que transcende o individual: um caminho composto por sete degraus, anunciado por Platão na obra “O Banquete” que, embora se inicie no amor pela particularidade da beleza do Outro, se expande e alcança a beleza em termos abstractos, enquanto princípio eterno do Universo, nas suas múltiplas expressões. E o movimento evolui e encontra o amor pela ética, o amor pelas práticas belas – a integridade, justiça, bondade…-, o amor pelas instituições (pelo seu equilíbrio, harmonia, bem comum), pela ciência e pelo conhecimento, na compreensão do que é universal. Por último, no sétimo degrau, este amor alcança e comunga com a beleza, para além da sua manifestação, autotranscende-se e une-se à origem do Ser – é o caminho entre o amor individual, materializado e particular e um amor expandido como princípio universal e cósmico - esse amor que é congénere da transcendência (Bauman, 2006).
É este caminho do encontro, da compreensão da beleza do Outro, na diversidade das suas expressões, que permite transcender as concepções individuais, imediatas e de satisfação particular e se torna num movimento criador, que une e que amplia, se aproxima da beleza, da ética e do conhecimento, que preserva e cuida.
Neste movimento de aproximação ao Outro subsistem resistências originadas pela leitura do mundo, compostas pelas memórias, vivências e experiências individuais. Desta circunstância emerge, em cada declaração e acção realizada, um conteúdo residual de tempos pretéritos, do qual o indivíduo não se apercebe, pois se confunde com o tempo presente, através do qual representa, simboliza e organiza o mundo que o rodeia mas que contêm aspectos da memória do grupo social onde o indivíduo foi socializado, em que se estabelece uma versão acordada do passado, inserido numa memória oficial da sociedade. Como refere Walter Benjamin é um contínuo “escovar a História a contrapelo”, ou seja, recuperar, através das condições do momento presente (concretas e emocionais), o passado, num permanente movimento de memória em construção. Esta concepção de memória (processo e não produto) não a desvirtua, pois o presente não é solitário nem original – porquanto evoca continuamente tudo aquilo que experienciamos ao longo da vida, na nossa forma pessoal de relacionamento social (Janeirinho, 2003).
A Histórica transmitida traduz-se, muitas vezes, no retrato da memória oficial, filtrada e interpretada por interesses e ideologias dominantes, em cada época, e expressa a versão consolidada de um passado colectivo de uma dada sociedade, com os seus valores, mitos, arquétipos, uniformizadora de lembranças. Uma História construída e protagonizada por uma ocidentalidade que interpretou e registou memórias que urge hoje revisitar, pela impossibilidade de conhecer os Outros (e Nós), mantendo silêncios!
No caso português, este movimento de aproximação e conhecimento ao Outro não conduz à rejeição da nossa História. Pretende, antes, acolher outros valores e processos diferentes, fazer uma abordagem ao incompreensível, através de um método mais sensível, intuitivo e por isso mais subjectivo, pois a História é composta por factos reais (relações de produção, economia, política…) e, também, por um sentido profundo em torno do qual esses factos se organizam e extraem sentido - a produção e troca de Mitos e Ideias. Revisitar a nossa memória individual e colectiva é, também, dar entrada a outras Histórias, repensar outros dados, não tanto em termos dos feitos, do conhecimento das técnicas de combate, de navegação, de mercadorias transaccionadas, mas sobre as motivações mais profundas, aquelas que se enraízam no imaginário dos homens e dos povos. Como refer, ainda, Lima de Freitas, os factos, antes de se tornarem visíveis na História, começam por medrar no imaginário de homens - o sonho, o desejo, a visão.
Cabe aqui reflectir e analisar a nossa construção de ver o mundo, os outros e nós - a cultura portuguesa e suas múltiplas interrelações com outras realidades que edificaram esta e as outras identidades - entrelaçar relatos de outros universos culturais e atribuir sentido a uma identidade que não é fixa e a outras identidades que não são produto. Como refere Valleriani, somos entidades históricas concebidas em termos de viagem, fruto de negociação de culturas em viagem (travelling cultures), em que a nossa identidade cultural é habitada por outras culturas, um produto nunca acabado (Valleriani, 2008).
No amor como caminho em direcção ao Outro é urgente uma visão mais holística da História onde sejam costuradas memórias emergentes, não monumentalizadas, e valorizados os mitos, os sonhos, os desejos e a cultura empírica (sem descurar as formas de circulação, recepção/apropriação) dos colectivos envolvidos, como factores fundamentais dos seus percursos e marca das suas identidades. É revisitar a memória através de uma abordagem etnográfica aos registos do passado (tangíveis e intangíveis), de uma leitura hermenêutica das fontes, em que se expressam e manifestam narrativas culturais locais e se integram significados e sentidos do Outro numa conexão entre memória, acção presente e projecto de futuro (Escolano, 2002).
Referências Bibliográficas
BAUMAN, Zygmunt (2006), Amor Liquido, Relógio d´Agua, Portugal;
BENITO, Agustin Escolano; Diaz Jose Maria, coords (2002), La memoria y el desejo – la cultura de la escuela y educacion deseada, Ceince, Espanha;
FENTRESS, James (1992), Memória social, novas perspectivas sobre o passado, Colecção Teorema, Lisboa;
JANEIRINHO, Luisa (2003), Dar voz aos objectos - contributos dos documentos de vida na construção de um museu de escola, tese de mestrado, Universidade de Évora;
VALLERIANI, António (2008), Por una hermenêutica de perfil híbrido, Universidad Europea Miguel de Cervantes.
domingo, 21 de março de 2010
sexta-feira, 19 de março de 2010
Dormir é existir
Hoje apetece-me viajar, ou não serei eu viajante, em todo o mundo começa a nascer a sede de uma viajem qualquer. A cada esquina estendem-se diálogos com que se reflecte a dádiva que é estar vivo e assistir ao sol a nascer e morrer todos os dias escolhendo aparecer e desaparecer através das nuvens.
Por consequência e por acaso ele agora encontra-se condicionado por pequenas nuvens negras, mas não é nada que impeça aos homens de existir, apesar de encontrarem o tormento na sua ausência.
Estando eu presente no café pensando como quem gosta de dormir tapado no inverno, atrai-me a natureza de que sou feito em qualquer estação do ano. Sou um homem julgo, crescendo e sentindo todo o tempo a passar por metamorfoses nas quatro fases do ano. Com sentido aquilo que se apresenta ao meu olhar diverte-me como uma bebedeira sem pés nem cabeça, em que as cores brincam ao sabor do vento e a imaginação transcende com elas o outro mundo que a matéria não consegue alcançar.
A existência é a vida de um ser com alma e quando se tem alma já se é tudo podendo também ser nada em que o seu sentido é a biografia que a morte escreve de quem morreu.
- Quanto é o café? – Pergunto ao empregado – um euro por favor, saio e deixo gorjeta. Ao sair do café tenho a sensação de que meu corpo pede que o tempo acalme e que a chuva se contenha, pois quem anda á chuva molha-se, e um corpo coberto de roupa molhada incomoda-se reclamando.
Nisto ando mais uns metros e a chuva pára, dando lugar a que o meu ouvido ouça uma melodia breve que me acaba de chegar de qualquer incerto sítio, como se aquela melodia fosse um rasto da chuva que passou. Cada vez mais perto dela reconheço-a: “um trompete”, ando uns passos dobro a esquina, e eis que me aparece um trompete suspenso por uma força humana sem ver qualquer tipo de ser humano manipulando-o, mas na verdade ele está a ser manipulado por alguém, tento ver melhor e continuo a não ver ninguém, fica assim a levitar no espaço produzindo a tal melodia que contamina agora a cidade.
- Onde está a nossa cidade? – Pergunto, não há ninguém na nossa cidade, ninguém á esquerda, á direita, em baixo e em cima. A melodia do tal trompete tinha acabado de quebrar todo o quotidiano citadino, fazendo com que todas as pessoas caminhem para lá do real imaginário. Assim desapareceram todas as pessoas, excepto eu, ser, corpo, alma e razão.
Isto é a consciência utópica desaguando sobre mim pensei, aquilo a que a psicanálise chama de sonho. Esta sensação é-me familiar e de alguém que liberta as suas fantasias dormindo, que em determinado momento está-se em lado nenhum, mas em simultâneo encontramo-nos a contornar todas as esquinas do universo.
OOOOHHHH que na minha cabeça o desejo quebra-se, e a náusea matinal ergue-se perante o corpo que acaba de despertar.
Por consequência e por acaso ele agora encontra-se condicionado por pequenas nuvens negras, mas não é nada que impeça aos homens de existir, apesar de encontrarem o tormento na sua ausência.
Estando eu presente no café pensando como quem gosta de dormir tapado no inverno, atrai-me a natureza de que sou feito em qualquer estação do ano. Sou um homem julgo, crescendo e sentindo todo o tempo a passar por metamorfoses nas quatro fases do ano. Com sentido aquilo que se apresenta ao meu olhar diverte-me como uma bebedeira sem pés nem cabeça, em que as cores brincam ao sabor do vento e a imaginação transcende com elas o outro mundo que a matéria não consegue alcançar.
A existência é a vida de um ser com alma e quando se tem alma já se é tudo podendo também ser nada em que o seu sentido é a biografia que a morte escreve de quem morreu.
- Quanto é o café? – Pergunto ao empregado – um euro por favor, saio e deixo gorjeta. Ao sair do café tenho a sensação de que meu corpo pede que o tempo acalme e que a chuva se contenha, pois quem anda á chuva molha-se, e um corpo coberto de roupa molhada incomoda-se reclamando.
Nisto ando mais uns metros e a chuva pára, dando lugar a que o meu ouvido ouça uma melodia breve que me acaba de chegar de qualquer incerto sítio, como se aquela melodia fosse um rasto da chuva que passou. Cada vez mais perto dela reconheço-a: “um trompete”, ando uns passos dobro a esquina, e eis que me aparece um trompete suspenso por uma força humana sem ver qualquer tipo de ser humano manipulando-o, mas na verdade ele está a ser manipulado por alguém, tento ver melhor e continuo a não ver ninguém, fica assim a levitar no espaço produzindo a tal melodia que contamina agora a cidade.
- Onde está a nossa cidade? – Pergunto, não há ninguém na nossa cidade, ninguém á esquerda, á direita, em baixo e em cima. A melodia do tal trompete tinha acabado de quebrar todo o quotidiano citadino, fazendo com que todas as pessoas caminhem para lá do real imaginário. Assim desapareceram todas as pessoas, excepto eu, ser, corpo, alma e razão.
Isto é a consciência utópica desaguando sobre mim pensei, aquilo a que a psicanálise chama de sonho. Esta sensação é-me familiar e de alguém que liberta as suas fantasias dormindo, que em determinado momento está-se em lado nenhum, mas em simultâneo encontramo-nos a contornar todas as esquinas do universo.
OOOOHHHH que na minha cabeça o desejo quebra-se, e a náusea matinal ergue-se perante o corpo que acaba de despertar.
Cultura ENTRE Culturas: uma revista diferenTre (a sair em final de Abril)
Cultura ENTRE Culturas - Apresentação
Cultura ENTRE Culturas é uma revista semestral dedicada ao diálogo intercultural e a estabelecer pontes e mediações entre todas as disciplinas, saberes e tradições. Publica ensaio, poesia e fotografia e elege-se pelos seguintes propósitos:
1. Contribuir para o desenvolvimento de uma consciência-experiência integrais, multidimensionais, inter e trans-disciplinares do real e do que possa haver além-aquém do que como tal se designa, enriquecendo criativamente a vida e a existência mediante a compreensiva realização das suas supremas possibilidades.
2. Explorar antigas e novas possibilidades espirituais, mentais, éticas, artísticas, científicas, educativas, ecológicas, comunicacionais, sociais, políticas e económicas, alternativas à crise e declínio do paradigma civilizacional ainda dominante e que obedeçam ao soberano critério do melhor possível para todos os seres sencientes, humanos e não-humanos.
3. Promover o conhecimento e diálogo entre culturas, civilizações, religiões e espiritualidades, bem como entre estas, o ateísmo e o agnosticismo, no espírito da mais ampla imparcialidade e universalismo.
4. Contribuir para a harmonia e a não-violência na relação do homem consigo, com a natureza e com todos os seres sencientes, ou seja, capazes de sentir dor, prazer e emoções.
5. Despertar e orientar para estes fins a cultura e a sociedade portuguesas, bem como a comunidade lusófona, valorizando e promovendo as tendências nelas latentes que mais apontem neste sentido.
A revista Cultura ENTRE Culturas tem na Comissão de Honra alguns dos pensadores mais influentes e representativos do diálogo intercultural, integra no Conselho de Direcção destacadas figuras públicas e da academia portuguesa e internacional e conta no Conselho Editorial com alguns dos mais jovens valores da cultura portuguesa e não só.
ficha técnica
direcção
Paulo Borges
comissão de honra
François Jullien
Hans Küng
Jean-Yves Leloup
Raimon Pannikar
Matthieu Ricard
Agostinho da Silva (In Memoriam)
conselho de direcção
Pe. Anselmo Borges
Constança Marcondes César (Brasil)
Carlos João Correia
Frei Bento Domingues
António Cândido Franco
Markus Gabriel (Alemanha)
Dirk-Michael Hennrich (Alemanha)
Rui Lopo
Amon Pinho (Brasil)
Andrés Torres Queiruga (Galiza)
Miguel Real
José Eduardo Reis
Luíz Pires dos Reys
Adel Sidarus
Francisco Soares (Angola)
conselho editorial
João Read Beato
Fabrizio Boscaglia (Itália)
Duarte Drumond Braga
António Cardiello (Itália)
Paulo Feitais
Miguel Gullander
Cem Komürcu (Turquia)
José Lozano (Galiza)
Rui Matoso
Jorge Telles de Menezes
Rodrigo Petrónio (Brasil)
Romana Pinho (Brasil)
Cinzia Russo (Itália)
Isabel Santiago
Luís Carlos Santos
Maria Sarmento
Maurícia Teles da Silva
Ricardo Ventura
tradução e revisão de texto
Dirk-Michael Hennrich
Rui Lopo
Jorge Telles de Menezes
Luíz Pires dos Reys
Martina Weitendorf
comunicação e imagem
Sofia Costa Madeira
Tiago Lucena
direcção de arte
Luíz Pires dos Reys
design gráfico
Xénia Pereira Reys
edição
Âncora Editora
sede
Rua Carlos Ribeiro, 30 - 4º
1170-077 Lisboa
telefone + 351 918 113 021
(para lançamentos e apresentações)
mail: revistaentre2010@gmail.com
blogue http://arevistaentre.blogspot.com
facebook http://www.facebook.com/group.php?v=info&ref=ts&gid=230286389667
índice
entre portas
| editorial
a presentação
| enTre projecto
ensaio geral
| ensaios
paulo borges
a cultura entre ilusão e des-ilusão - para um nomadismo inter e trans-cultural
maria sarmento
uma cultura do ente face a uma cultura do entre - contributo para a compreensão de novos paradigmas interculturais
paulo feitais
a lusofonia não é lusófona, mas universal
rui lopo
contributo para a re-construção da ideia de universalidade - notas para um elogio crítico de Kant
ricardo ventura
conversão e conversabilidade: considerações sobre os relatos das religiões da Ásia na documentação do padroado português do Oriente (séculos XVI e XVII)
carlos silva
a vocação eremítica e diálogo intercultural – do único e sua diferenciação
fulgur acções | entre a sombra e a palavra: a luz
poesia | photo graphia
ilda castro felices radices
beat presser oásis de silêncio
adama tessituras
francisco soares simetrias
duarte braga os que presidem
rui fernandes natural draw
isabel santiago um Deus que diz a-deus
luiza dunas iniciação
dirk-michael hennrich aforismos
francisco soares oráculos
donis de frol guilhade antípoda rareza
éditos e
| inéditos
religião, filosofia e cultura raimon pannikar
crise global da economia e um ethos global hans küng
melquisedeque jean-yves leloup
os sujeitos culturais por vir françois jullien
da migração dos povos vilém flusser
apresentação dos inéditos de Agostinho da Silva amon pinho
aviso ao mundo agostinho da silva
sobre o “aviso ao mundo” de Agostinho da Silva miguel real
“de Pretérito mais que imperfeito”, diário inédito de Mateus-Maria Guadalupe agostinho da silva
sobre “De „Pretérito mais que imperfeito‟, diário inédito de Mateus-Maria Guadalupe” romana valente pinho
dest ‘ arte
| e da outra
o imperador do mundo miguel real
as Arquitecturas setecentistas de Piranesi, e a das Cidades Obscuras da BD de Schuiten do século XX: um elo artístico no trajecto do risco urbano inês do carmo borges
sobre escritos
|recensões
pós-colonialismo e estudos pós-coloniais em Portugal: três obras-chave (duarte drumond braga)
Daniel Coleman, “emoções destrutivas e como dominá-las, um diálogo científico com o Dalai Lama” (luis carmo)
a tradução do cânone budista tibetano (rui lopo)
Stephen Batchelor, “vivendo com o diabo, uma meditação sobre o bem e o mal” (josé eduardo reis)
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quinta-feira, 18 de março de 2010
Fundação Kangyur Rinpoche - 2010
No âmbito da sua primeira visita à Europa Dilgo Khyentse Yangsi Rinpoche estará em Lisboa para Ensinamentos e Iniciações entre 27 e 29 de Julho 2010 no Hotel Marriott em Lisboa.
Kyabje Tenga Rinpoche, que esteve entre nós em Maio passado, dará Ensinamentos e Iniciações, em Lisboa, nos dias 18 e 19 de Junho 2010 no Hotel Marriott em Lisboa.
Matthieu Ricard estará em Lisboa para uma Conferência Pública, entre 22 e 27 de Maio.
Fundação Kangyur Rinpoche
http://www.krfportugal.org/ <http://www.krfportugal.org/
Gravações:
Jigme Khyentse Rinpoche fala de Kyabje Kangyur Rinpoche
www.chagdudrinpoche.com/podcast/lamatseringpod20.mp3
Kyabje Tenga Rinpoche, que esteve entre nós em Maio passado, dará Ensinamentos e Iniciações, em Lisboa, nos dias 18 e 19 de Junho 2010 no Hotel Marriott em Lisboa.
Matthieu Ricard estará em Lisboa para uma Conferência Pública, entre 22 e 27 de Maio.
Fundação Kangyur Rinpoche
http://www.krfportugal.org/ <http://www.krfportugal.org/
Gravações:
Jigme Khyentse Rinpoche fala de Kyabje Kangyur Rinpoche
www.chagdudrinpoche.com/podcast/lamatseringpod20.mp3
Yoga, Sufismo e Alquimia
quarta-feira, 17 de março de 2010
terça-feira, 16 de março de 2010
A liberdade doente
Os convites para sites de relacionamento e chat, que chegam todo dia à caixa de e-mail, em geral vêm em nome de alguém de nossa lista, que no entanto pode não ser o autor da mensagem. Não só os vírus e spams nos chegam desse modo. Os convites vêm em tom invasivo e falsamente descontraído, mas não passam de marketing, já tão incorporado a nosso dia-a-dia que às vezes nem nos damos conta. Por que estranhos a léguas de distância estariam preocupados em nos trazer de volta amigos extraviados ou antigos colegas de escola e de trabalho? Sempre o mesmo pretexto para oferecer produtos supérfluos, serviços que ninguém pediu e outras mercadorias perfunctórias, esse tipo de mídia eletrônica onde piscam mil e um patrocínios de construtoras, lojas, hotéis, carros, utilidades, inutilidades, garotos(as) ou amigos de programa, que em certos casos pagam para se oferecer via internet.
Cada vez mais forças externas tentam dirigir os atos que deveriam ser de iniciativa exclusiva de cada um. Isso lembra muito 1984, de George Orwell, ou Admirável mundo novo, de Aldous Huxley. Outro dia, revendo Zorba, o Grego (grande filme!), e vendo os camponeses de Creta esperando a morte de Hortense para saquear sua casa, pensava na analogia entre aquela cena e a constante intrusão de empresas e pessoas que insistem em nos convencer de que o melhor para nós é o que eles querem. E o que pretendem com isso? Empurrar-nos alguma coisa em troca de dinheiro e/ou submissão para fomentar seu poder.
Por conta dessa luta de interesses, o mundo às vezes parece um grande manicômio. O inconsciente coletivo virou um amontoado de noções sem fundamento e preconceitos distorcidos explorados por aventureiros. Diante desses, os sofistas da antiga Grécia eram seres sem malícia. Nos anos 1960 passamos por um período em que as ideologias se digladiavam e geravam debates e contendas sem fim. Agora porém as ideias e visões de mundo chegam aos pedaços, mal assimiladas e achacadas pelo mercado, pelos políticos e por aquele tipo de gente que corre atrás da fama a qualquer preço.
O lado virtuoso da comunicação em tempo real, que chega da televisão e da internet, traz em seu bojo dois vícios capazes de neutralizar grande parte dessa eficiência e rapidez: a informação chega muitas vezes mal elaborada e quem a recebe na outra ponta quase sempre deturpa seu sentido, por estar mal preparado ou desinformado de dados anteriores, sem os quais a notícia perde seu sentido principal. Diante disso, a mentalidade do público flutua entre juízos precipitados e dúvidas sem resposta; e grande parte das pessoas desiste de entender e se acomoda na alienação, ou então assume uma atitude irracional diante dos acontecimentos.
Talvez tenha chegado a hora de reunir de novo na praça os pensadores, os artistas e o povo, como faziam os antigos gregos na ágora. Quem sabe ainda se consegue plantar em nossas cabeças a semente de uma reflexão sem compromisso com os interesses do dinheiro, do poder e da violência? A liberdade humana é um conceito pouco claro, porque, em qualquer caso, é sempre muito limitada. Mas sem essa reflexão, a liberdade de cada um de nós se reduz a miragem, palavra vazia e imediatista do vocabulário politicamente correto, e só.
Estudo Geral
Uma outra vez, fomos visitar o Professor Agostinho da Silva a sua casa. Gentilmente recebidos, mandou-nos entrar para a sala de conversas. Uma meia dúzia de cadeiras estavam dispostas em círculo e em cima duma delas, sentado, um livro do cronista do reino, Rui de Pina, intitulado justamente Crónica de D. Dinis.
Já não nos recordamos quantas pessoas estavam presentes, mas a imagem do livrinho que acompanhou todo o encontro, e ali pousado nos olhava, não mais nos abandonou. Acabámos por adquiri-lo assim que surgiu a oportunidade.
É sabido que D. Dinis e, sobretudo, a sua esposa, Rainha Santa Isabel, têm lugar de destaque na abordagem que o Professor faz à história e à cultura portuguesa, desde logo, pela introdução no país do culto popular do Espírito Santo, feito pela princesinha de Aragão.
Mas que mais? Porque seria tão importante o reinado do Lavrador, ou do "plantador das naus a haver", como lhe chamou Fernando Pessoa na sua resumida e iniciática História de Portugal, a singela Mensagem?
Sabemos das suas significativas reformas agrícolas, onde, por exemplo, ganhou evidência a plantação do Pinhal de Leiria. Ganhámos um meio de expressão próprio com a instituição da Língua Portuguesa em substituição do galaico-português. Conseguimos prolongar a existência da Ordem do Templo (Templários), depois destes terem sido cruelmente excomungados, perseguidos e, muitos deles, assassinados, alterando-lhe o nome para Ordem de Cristo, a tal onde se desenvolveu o nobre Projecto da Expansão Ultramarina. E foi também por Ele que ganhou vida a primeira Universidade Portuguesa chamada de Estudo Geral.
Hoje os tempos são outros. Mas a pujança da Língua Portuguesa no mundo, a necessidade de bons estadistas em prole de uma organização social de excelência e a necessidade de uma sublimação espiritual constante, aconselham-nos a perscrutar os ecos da nossa história que muito bom legado nos deixou.
No Rei Poeta reconhecemos um conjunto de inovadoras medidas que nos permitiram avançar no tempo, como se houvesse tempo, construindo uma história digna de valor que, ainda hoje, pode ajudar a conduzir-nos universo fora, irmãos entre irmãos.
Fica, assim, feita justiça aquele enigmático livrinho que sentado nos olhava, como uma outra das inúmeras razões de estarmos aqui.
Bem hajam.
Luís Santos
Estudo Geral (clique aqui)
Já não nos recordamos quantas pessoas estavam presentes, mas a imagem do livrinho que acompanhou todo o encontro, e ali pousado nos olhava, não mais nos abandonou. Acabámos por adquiri-lo assim que surgiu a oportunidade.
É sabido que D. Dinis e, sobretudo, a sua esposa, Rainha Santa Isabel, têm lugar de destaque na abordagem que o Professor faz à história e à cultura portuguesa, desde logo, pela introdução no país do culto popular do Espírito Santo, feito pela princesinha de Aragão.
Mas que mais? Porque seria tão importante o reinado do Lavrador, ou do "plantador das naus a haver", como lhe chamou Fernando Pessoa na sua resumida e iniciática História de Portugal, a singela Mensagem?
Sabemos das suas significativas reformas agrícolas, onde, por exemplo, ganhou evidência a plantação do Pinhal de Leiria. Ganhámos um meio de expressão próprio com a instituição da Língua Portuguesa em substituição do galaico-português. Conseguimos prolongar a existência da Ordem do Templo (Templários), depois destes terem sido cruelmente excomungados, perseguidos e, muitos deles, assassinados, alterando-lhe o nome para Ordem de Cristo, a tal onde se desenvolveu o nobre Projecto da Expansão Ultramarina. E foi também por Ele que ganhou vida a primeira Universidade Portuguesa chamada de Estudo Geral.
Hoje os tempos são outros. Mas a pujança da Língua Portuguesa no mundo, a necessidade de bons estadistas em prole de uma organização social de excelência e a necessidade de uma sublimação espiritual constante, aconselham-nos a perscrutar os ecos da nossa história que muito bom legado nos deixou.
No Rei Poeta reconhecemos um conjunto de inovadoras medidas que nos permitiram avançar no tempo, como se houvesse tempo, construindo uma história digna de valor que, ainda hoje, pode ajudar a conduzir-nos universo fora, irmãos entre irmãos.
Fica, assim, feita justiça aquele enigmático livrinho que sentado nos olhava, como uma outra das inúmeras razões de estarmos aqui.
Bem hajam.
Luís Santos
Estudo Geral (clique aqui)
domingo, 14 de março de 2010
Setembro dos Desgarrados - onde não se vai em busca de nada
Sonhei com ela vezes sem conta. Lá o céu seguia colado ao meu coração. Os filhos eram de todos. E todos cuidavamos de todos. Era Setembro e eu sonhei com ela. A terra perdida - sempre a poente. O amor era salgado e salgava a nossa boca. Era Setembro e eu sonhei com ela. A terra dos desgarrados - de quem fugiu sempre a poente. Sonhei com ela tanto, que acreditei viver onde Canela e Petrónio descobriram como amam os casais apaixonados. Todos tinham filhos que eram de todos. Todos comiam o pão que era de todos. Em Setembro dos Desgarrados o céu segue colado ao coração - como se fosse um sonho.
Sonhei com ela - a terra onde existo.
Onde não se vai em busca de nada. Lá, onde tudo faz sentido.
Sonhei com ela - a terra onde existo.
Onde não se vai em busca de nada. Lá, onde tudo faz sentido.
Uma Visão Armilar do Mundo - Auditório da Biblioteca Nacional (Campo Grande), 3ª feira, 16, 18.30
Car@s Amig@s
Tenho o prazer de vos convidar para o lançamento do meu último livro, Uma Visão Armilar do Mundo. A vocação universal de Portugal em Luís de Camões, Padre António Vieira, Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva (Lisboa, Verbo, 2010), que será apresentado pelo escritor e ensaísta Miguel Real.
Além de ensaios sobre o tema e os autores referidos no título, o livro inclui alguns dos textos mais interventivos que tenho ultimamente produzido, nomeadamente o Manifesto "Refundar Portugal", que deu origem ao Movimento Outro Portugal, um movimento informal de reflexão e acção cívica e cultural que visa reinventar um Portugal melhor para todos e mais conforme aos grandes desafios do século XXI: o pleno desenvolvimento humano, um novo e melhor paradigma educativo, social, económico e político, o diálogo intercultural e inter-religioso, a harmonia ecológica e o bem de todos os seres sencientes. Desde Novembro de 2009 o MOP conta com mais de 1300 adesões.
Segue uma breve apresentação da obra.
Conto com a vossa presença e a extensão deste convite a todos: amigos, indiferentes e inimigos! A Vida é Festa para a qual todos são convidados.
Saudações cordiais
Paulo Borges
..........................
Este livro é uma reflexão acerca da vocação universal de Portugal, em diálogo com alguns dos seus maiores poetas, profetas e pensadores: Luís de Camões, Padre António Vieira, Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva.
Este Portugal e esta vocação designam, num sentido, a predisposição para uma convivência planetária, mediadora de um novo ciclo cultural e civilizacional, sob o signo de uma globalização ético-espiritual, contrastante com a económico-tecnológica. Noutro sentido, esta visão de Portugal assume-o como símbolo do próprio homem em busca de se realizar plenamente.
A isto se chama Uma Visão Armilar do Mundo, conforme o símbolo que tremula na nossa bandeira: a perfeição, plenitude e totalidade da esfera e, nas suas armilas, a interconexão de todos os seres e coisas, tradições e culturas, artes e saberes. Muito antes de ser o emblema de D. Manuel I, é essa a maior fecundidade simbólica da Spera Mundi, Esfera e/ou Esperança do Mundo: ao invés do nacionalismo ou patriotismo comuns, a cultura portuguesa e lusófona tenderia a converter muros em pontes, fronteiras em mediações, limites em limiares, numa abertura ao planeta e ao universo, a todos os povos, nações e seres, a todas as línguas, culturas, religiões e irreligiões. Uma visão armilar do mundo é uma visão-experiência integral e holística do mundo, sem cisões, exclusões ou parcialidades.
Numa era celebrada como multicultural, mas ainda tão cega para o entre-ser universal, aqui se invoca a Esfera Armilar como actual paradigma da reinvenção de Portugal como nação de todo o mundo, que vise o melhor para todos, uma cultura da paz, da compreensão e da fraternidade à escala planetária, que não separe o bem da espécie humana da preservação da natureza e do bem-estar de todas as formas de vida senciente.
Paulo Borges
umoutroportugal.blogspot.com
jornaloutro.blogspot.com
sábado, 13 de março de 2010
"Ulisses e Abraão", um artigo de Anselmo Borges no DN de hoje
Um artigo no espírito da nova revista Cultura ENTRE Culturas, publicado por um distinto membro do seu Conselho de Direcção:
"Pode discutir-se, mas é sugestiva, a comparação feita pelo célebre filósofo E. Levinas entre Ulisses e Abraão como figuras paradigmáticas da relação com o outro.
Ulisses, depois da Guerra de Tróia, de volta a casa, vive a aventura de encontros múltiplos com outros, experiências variadas. Travou combates, enfrentou obstáculos sem fim, conheceu o diferente. Coberto de vitórias e glória, regressa. Mas, chegado a casa, mesmo disfarçado, "diferente" do Ulisses que partira, é ainda o "mesmo", que o seu cão, pelo faro, e Penélope, pelo amor, reconhecem. Ulisses representa o herói do regresso, que contactou com o diferente apenas para, num mundo domesticado e assimilado, o reduzir ao mesmo.
Abraão ouviu uma voz que o chamava, e partiu da sua terra, para nunca mais voltar. A sua viagem vai na direcção do novo, do não familiar, do diferente, do Outro. Ninguém o espera num regresso ao ponto de partida. Há só uma palavra de promessa que o chama para um futuro sempre mais adiante. Abraão ouve, caminha, transcende. A sua identidade transfigura-se a cada passo, é processual, histórica. Rompe com o passado, e o seu êxodo vai no sentido de um futuro imprevisível e novo.
A identidade não é estática, fixa, determinada de uma vez para sempre. Claro que cada um, cada uma é ele, ela, de modo único e intransferível - a experiência suma desse viver-se cada um como único e irrepetível dá-se frente à morte, na angústia do confronto com a possibilidade do nada e da aniquilação do eu: "ai que me roubam o meu eu!", clamava Unamuno -, mas fazemo-nos uns aos outros, de tal modo que ser e ser em relação coincidem. Por isso, a identidade faz-se, desfaz-se, refaz-se e, em sociedades complexas e abertas, ela será cada vez mais compósita e planetária, com tudo o que isso significa de enriquecimento e ao mesmo tempo de complexidades e possíveis rupturas.
É, portanto, preciso pensar a unidade na diferença e a diferença na unidade. A unidade sem diferença é a mesmidade morta, mas a diferença sem unidade é o caos sem sentido. O mesmo se deve dizer da identidade: ser si mesmo na relação, mas sem se deixar absorver pelo outro.
Descartes acentuou o primado da subjectividade, do eu, contrapondo-lhe Levinas, em antítese, o primado da alteridade, do tu. Mas, afinal, se não se pode prescindir da alteridade, caindo no perigo do solipsismo, também é necessário evitar a tentação daquela afirmação do outro que parece prescindir do eu, caindo numa espécie de alterismo. Como escreveu M. Moreno Villa, a verdade não se encontra nem no solipsismo nem no alterismo, mas na subjectividade e na alteridade, "afirmadas ambas simultaneamente no círculo ontológico interpessoal".
Há várias imagens para esta afirmação simultânea da identidade e da diferença. Por exemplo, na música - o famoso compositor e dirigente de orquestra Daniel Barenboim apresenta precisamente a música como a grande imagem do que deve ser o diálogo intercultural -, há múltiplos instrumentos (de corda, de percussão, de sopro, podendo a orquestra ser ainda acompanhada por um coro de vozes) - e, de todos juntos, até em contraponto, resulta uma sinfonia: a unidade de diferentes. Num tecido, há múltiplos fios, que se entretecem de diferentes modos, configurando uma unidade. Numa rede - e cada vez mais é preciso pensar em rede -, há múltiplos nós. Ora, os nós, que significam a identidade própria, só existem precisamente na rede, de tal modo que não há rede sem os nós nem os nós sem a rede.
Num mundo global cada vez mais multicultural e multirreligioso, é urgente repensar a identidade sempre a caminho, no quadro de múltiplas pertenças, e, para lá do multiculturalismo e do multirreligioso, que sublinham o "multi", avançar para o diálogo intercultural e inter-religioso, sublinhando o prefixo "inter", que implica um caminho de interacções múltiplas, sendo a identidade mais uma meta do que um ponto de partida, num horizonte que sempre se desloca na medida em que se marcha para ele. O seu símbolo é mais Abraão do que Ulisses".
Publicado em:
arevistaentre.blogspot.com
"Pode discutir-se, mas é sugestiva, a comparação feita pelo célebre filósofo E. Levinas entre Ulisses e Abraão como figuras paradigmáticas da relação com o outro.
Ulisses, depois da Guerra de Tróia, de volta a casa, vive a aventura de encontros múltiplos com outros, experiências variadas. Travou combates, enfrentou obstáculos sem fim, conheceu o diferente. Coberto de vitórias e glória, regressa. Mas, chegado a casa, mesmo disfarçado, "diferente" do Ulisses que partira, é ainda o "mesmo", que o seu cão, pelo faro, e Penélope, pelo amor, reconhecem. Ulisses representa o herói do regresso, que contactou com o diferente apenas para, num mundo domesticado e assimilado, o reduzir ao mesmo.
Abraão ouviu uma voz que o chamava, e partiu da sua terra, para nunca mais voltar. A sua viagem vai na direcção do novo, do não familiar, do diferente, do Outro. Ninguém o espera num regresso ao ponto de partida. Há só uma palavra de promessa que o chama para um futuro sempre mais adiante. Abraão ouve, caminha, transcende. A sua identidade transfigura-se a cada passo, é processual, histórica. Rompe com o passado, e o seu êxodo vai no sentido de um futuro imprevisível e novo.
A identidade não é estática, fixa, determinada de uma vez para sempre. Claro que cada um, cada uma é ele, ela, de modo único e intransferível - a experiência suma desse viver-se cada um como único e irrepetível dá-se frente à morte, na angústia do confronto com a possibilidade do nada e da aniquilação do eu: "ai que me roubam o meu eu!", clamava Unamuno -, mas fazemo-nos uns aos outros, de tal modo que ser e ser em relação coincidem. Por isso, a identidade faz-se, desfaz-se, refaz-se e, em sociedades complexas e abertas, ela será cada vez mais compósita e planetária, com tudo o que isso significa de enriquecimento e ao mesmo tempo de complexidades e possíveis rupturas.
É, portanto, preciso pensar a unidade na diferença e a diferença na unidade. A unidade sem diferença é a mesmidade morta, mas a diferença sem unidade é o caos sem sentido. O mesmo se deve dizer da identidade: ser si mesmo na relação, mas sem se deixar absorver pelo outro.
Descartes acentuou o primado da subjectividade, do eu, contrapondo-lhe Levinas, em antítese, o primado da alteridade, do tu. Mas, afinal, se não se pode prescindir da alteridade, caindo no perigo do solipsismo, também é necessário evitar a tentação daquela afirmação do outro que parece prescindir do eu, caindo numa espécie de alterismo. Como escreveu M. Moreno Villa, a verdade não se encontra nem no solipsismo nem no alterismo, mas na subjectividade e na alteridade, "afirmadas ambas simultaneamente no círculo ontológico interpessoal".
Há várias imagens para esta afirmação simultânea da identidade e da diferença. Por exemplo, na música - o famoso compositor e dirigente de orquestra Daniel Barenboim apresenta precisamente a música como a grande imagem do que deve ser o diálogo intercultural -, há múltiplos instrumentos (de corda, de percussão, de sopro, podendo a orquestra ser ainda acompanhada por um coro de vozes) - e, de todos juntos, até em contraponto, resulta uma sinfonia: a unidade de diferentes. Num tecido, há múltiplos fios, que se entretecem de diferentes modos, configurando uma unidade. Numa rede - e cada vez mais é preciso pensar em rede -, há múltiplos nós. Ora, os nós, que significam a identidade própria, só existem precisamente na rede, de tal modo que não há rede sem os nós nem os nós sem a rede.
Num mundo global cada vez mais multicultural e multirreligioso, é urgente repensar a identidade sempre a caminho, no quadro de múltiplas pertenças, e, para lá do multiculturalismo e do multirreligioso, que sublinham o "multi", avançar para o diálogo intercultural e inter-religioso, sublinhando o prefixo "inter", que implica um caminho de interacções múltiplas, sendo a identidade mais uma meta do que um ponto de partida, num horizonte que sempre se desloca na medida em que se marcha para ele. O seu símbolo é mais Abraão do que Ulisses".
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quarta-feira, 10 de março de 2010
terça-feira, 9 de março de 2010
Religião e Ciência
domingo, 7 de março de 2010
A procura do essencial: crónica de Frei Bento Domingues no "Público"
(Frei Bento Domingues deu-nos a honra de aceitar pertencer ao Conselho de Direcção da revista Cultura ENTRE Culturas)
1.O maior inimigo do cristianismo é a ocultação do essencial. Todos os textos do Novo Testamento – cada um com o seu estilo – são narrativas de rupturas, de processos de transformação, de actuações escandalosas, para tocar no que há de mais decisivo na prática de Jesus, que saltou as barreiras das convenções sociais, culturais e religiosas em que nasceu. Hoje, alguns historiadores parecem apostados em mostrar que não há rupturas. Fazem um esforço espantoso de investigação para reduzir Jesus e a sua mensagem a uma das correntes do mundo judaico. Se, antes, certa apologética e certas elaborações cristológicas faziam de Jesus uma figura celeste caída do céu no seio da Virgem Maria, sem história nem geografia terrestres, hoje, procura-se explicar tudo pela sua condição judaica e pelas ideias correntes no judaísmo plural do seu tempo. Para eliminar falsas rupturas, acabam por não explicar como é que Jesus se tornou, por um lado, uma figura tão polémica no interior do judaísmo e, por outro, uma figura universal, interpretada por S. Paulo como não cabendo nos limites do judaísmo. É certo que Jesus não deixou nada escrito acerca das suas experiências, das suas perplexidades e das suas opções. Se eliminarmos, porém, a originalidade inconfundível da sua personalidade e da sua mensagem, dentro e fora do judaísmo, de quem falam os textos do Novo Testamento, tanto os canónicos como os apócrifos? Haverá, dentro dessas narrativas, alguma outra personalidade que o possa substituir e a quem possam ser atribuídas as acções e as palavras de Jesus?
Comecemos pelo princípio. Jesus levou muitos anos a encontrar o seu caminho. Quando julgou que o tinha encontrado guiado por João Baptista – o seu baptismo, de tão incómodo para o seu prestígio, deve ser um facto histórico – tem uma experiência que o afasta deste mestre para seguir o seu próprio caminho. Essa experiência vem narrada em todos os Evangelhos, embora segundo a perspectiva de cada um. O céu abriu-se e a sua voz era diferente da pregação avinagrada de João Baptista: és um filho muito amado. A partir daí, sentiu a necessidade de fazer um longo retiro para tudo rever. Foi tentado, nesse retiro, pelas figuras do messianismo do seu tempo e, no fundo, pelas maiores e constantes tentações humanas.
2. Um messias verdadeiro tinha de se apresentar com uma solução clara para os problemas económicos, políticos e religiosos do seu tempo e do seu povo. Jesus, no retiro, foi atormentado por essas expectativas, que ele interpretou como tentações diabólicas, isto é, tentações que o desviavam, radicalmente, daquilo que pretendia fazer e daquilo que lhe parecia mais importante.
Conta o Evangelho de Marcos que até os discípulos que escolheu não compreendiam o seu caminho. Entre o capítulo quatro e o capítulo dez, isto é repetido oito vezes. Jesus vê-se obrigado a dizer a Pedro, figura destacada do grupo: arreda-te de mim Satanás, porque não pensas as coisas de Deus, mas dos homens (Mc 8, 33).
Donde vinha este desentendimento? Os discípulos não queriam abandonar a teocracia implicada na noção de Reino de Deus. Julgavam que tinham sido chamados por Jesus para participarem no reino do poder da dominação divina, segundo os modelos dominantes do messianismo. Esta obsessão era tão grande e tão persistente, colocando os discípulos numa vergonhosa luta interna pelo poder, que Jesus sentiu a necessidade de os reunir a todos para lhes mostrar que estavam completamente enganados. Na sua proposta não havia “tacho” para ninguém. Quem quisesse ser o primeiro que se colocasse ao serviço de todos: o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por todos (Mc 10, 45).
Mateus (23, 8-11) não atenua o combate ao carreirismo na comunidade cristã: Quanto a vós, não vos deixeis tratar por “mestre”, pois um só é o vosso Mestre e vós sois todos irmãos. E, na terra, a ninguém chameis “Pai”, porque um só é o vosso “Pai”: aquele que está no Céu. Nem permitais que vos tratem por “doutores”, porque um só é o vosso “Doutor”: Cristo. O maior de entre vós será o vosso servo.
3. Chegados a este ponto, fica claro que nenhuma teocracia se pode reclamar de Jesus nem ele propôs qualquer modelo económico, político, cultural ou religioso. Não por indiferença, mas porque pertence aos seres humanos, dos diferentes povos e culturas, elaborá-los. Fica, porém, um critério e um fermento: só vale, do ponto de vista humano, aquilo que se fizer para serviço de todos, não para dominação de uns pelos outros, sabendo que cada um se considera demasiado grande para ser, apenas, um bom irmão.
Tocámos no essencial. Jesus, a partir de uma experiência divina, vinha revelar que todos os seres humanos estão inscritos no coração de Deus e que a tarefa de cada um é inscrever os outros, mesmo os inimigos, no seu próprio coração. Neste reino não há excluídos. Quando fez esta revelação, narrada por S. Lucas, o próprio Jesus se comoveu e exultou de alegria sob a acção do Espírito Santo (Lc 10, 17-22). Era a primeira vez na história humana que se ouviam estas palavras.
A Quaresma, como retiro, destina-se a rever tudo e a ficar com o essencial. Que Deus nos perdoe a todos.
1.O maior inimigo do cristianismo é a ocultação do essencial. Todos os textos do Novo Testamento – cada um com o seu estilo – são narrativas de rupturas, de processos de transformação, de actuações escandalosas, para tocar no que há de mais decisivo na prática de Jesus, que saltou as barreiras das convenções sociais, culturais e religiosas em que nasceu. Hoje, alguns historiadores parecem apostados em mostrar que não há rupturas. Fazem um esforço espantoso de investigação para reduzir Jesus e a sua mensagem a uma das correntes do mundo judaico. Se, antes, certa apologética e certas elaborações cristológicas faziam de Jesus uma figura celeste caída do céu no seio da Virgem Maria, sem história nem geografia terrestres, hoje, procura-se explicar tudo pela sua condição judaica e pelas ideias correntes no judaísmo plural do seu tempo. Para eliminar falsas rupturas, acabam por não explicar como é que Jesus se tornou, por um lado, uma figura tão polémica no interior do judaísmo e, por outro, uma figura universal, interpretada por S. Paulo como não cabendo nos limites do judaísmo. É certo que Jesus não deixou nada escrito acerca das suas experiências, das suas perplexidades e das suas opções. Se eliminarmos, porém, a originalidade inconfundível da sua personalidade e da sua mensagem, dentro e fora do judaísmo, de quem falam os textos do Novo Testamento, tanto os canónicos como os apócrifos? Haverá, dentro dessas narrativas, alguma outra personalidade que o possa substituir e a quem possam ser atribuídas as acções e as palavras de Jesus?
Comecemos pelo princípio. Jesus levou muitos anos a encontrar o seu caminho. Quando julgou que o tinha encontrado guiado por João Baptista – o seu baptismo, de tão incómodo para o seu prestígio, deve ser um facto histórico – tem uma experiência que o afasta deste mestre para seguir o seu próprio caminho. Essa experiência vem narrada em todos os Evangelhos, embora segundo a perspectiva de cada um. O céu abriu-se e a sua voz era diferente da pregação avinagrada de João Baptista: és um filho muito amado. A partir daí, sentiu a necessidade de fazer um longo retiro para tudo rever. Foi tentado, nesse retiro, pelas figuras do messianismo do seu tempo e, no fundo, pelas maiores e constantes tentações humanas.
2. Um messias verdadeiro tinha de se apresentar com uma solução clara para os problemas económicos, políticos e religiosos do seu tempo e do seu povo. Jesus, no retiro, foi atormentado por essas expectativas, que ele interpretou como tentações diabólicas, isto é, tentações que o desviavam, radicalmente, daquilo que pretendia fazer e daquilo que lhe parecia mais importante.
Conta o Evangelho de Marcos que até os discípulos que escolheu não compreendiam o seu caminho. Entre o capítulo quatro e o capítulo dez, isto é repetido oito vezes. Jesus vê-se obrigado a dizer a Pedro, figura destacada do grupo: arreda-te de mim Satanás, porque não pensas as coisas de Deus, mas dos homens (Mc 8, 33).
Donde vinha este desentendimento? Os discípulos não queriam abandonar a teocracia implicada na noção de Reino de Deus. Julgavam que tinham sido chamados por Jesus para participarem no reino do poder da dominação divina, segundo os modelos dominantes do messianismo. Esta obsessão era tão grande e tão persistente, colocando os discípulos numa vergonhosa luta interna pelo poder, que Jesus sentiu a necessidade de os reunir a todos para lhes mostrar que estavam completamente enganados. Na sua proposta não havia “tacho” para ninguém. Quem quisesse ser o primeiro que se colocasse ao serviço de todos: o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por todos (Mc 10, 45).
Mateus (23, 8-11) não atenua o combate ao carreirismo na comunidade cristã: Quanto a vós, não vos deixeis tratar por “mestre”, pois um só é o vosso Mestre e vós sois todos irmãos. E, na terra, a ninguém chameis “Pai”, porque um só é o vosso “Pai”: aquele que está no Céu. Nem permitais que vos tratem por “doutores”, porque um só é o vosso “Doutor”: Cristo. O maior de entre vós será o vosso servo.
3. Chegados a este ponto, fica claro que nenhuma teocracia se pode reclamar de Jesus nem ele propôs qualquer modelo económico, político, cultural ou religioso. Não por indiferença, mas porque pertence aos seres humanos, dos diferentes povos e culturas, elaborá-los. Fica, porém, um critério e um fermento: só vale, do ponto de vista humano, aquilo que se fizer para serviço de todos, não para dominação de uns pelos outros, sabendo que cada um se considera demasiado grande para ser, apenas, um bom irmão.
Tocámos no essencial. Jesus, a partir de uma experiência divina, vinha revelar que todos os seres humanos estão inscritos no coração de Deus e que a tarefa de cada um é inscrever os outros, mesmo os inimigos, no seu próprio coração. Neste reino não há excluídos. Quando fez esta revelação, narrada por S. Lucas, o próprio Jesus se comoveu e exultou de alegria sob a acção do Espírito Santo (Lc 10, 17-22). Era a primeira vez na história humana que se ouviam estas palavras.
A Quaresma, como retiro, destina-se a rever tudo e a ficar com o essencial. Que Deus nos perdoe a todos.
sábado, 6 de março de 2010
A despedida de Raimon Pannikar
Transcrevo, com funda comoção, a carta-circular que recebi de Raimon Pannikar, datada de 28 de Janeiro deste ano. Constato que o adiamento da entrevista que tive com ele marcada para 14 de Janeiro, na sua minúscula aldeia catalã de Tavertet, devido ao seu cansaço, foi a frustração do desejo que acalentava há muito e da derradeira oportunidade de conhecer pessoalmente este que é, aos 91 anos, um dos maiores pensadores vivos do planeta e um gigante do diálogo intercultural e inter-religioso, com uma obra monumental. Constato também, com a mesma comoção, que o texto, inédito em Portugal, que ainda teve a bondade de enviar para o primeiro número da revista Cultura ENTRE Culturas, foi provavelmente o seu último acto de intervenção pública. Interpreto isto como um sinal e um legado. Possa a revista doravante assumir a responsabilidade de continuar a sua tarefa em prol de uma interculturalidade autêntica, pacífica e fraterna: a mesma tarefa entre nós assumida por Agostinho da Silva. E possamos nós estar e continuar a seu lado, como ele a nosso lado está e continuará: "no silêncio e na oração".
.....
Queridos Amigos:
Quisiera comunicaros que creo que ha llegado el momento (aplazado varias veces) de retirarme de toda actividad pública, sea con una participación directa o con una participación intelectual, a las que he dedicado toda mi vida como forma de compartir mis reflexiones.
Continuaré a vuestro lado de un modo mas profundo, es decir, en el silencio y en la oración, y del mismo modo os pido de estar a mi lado en este último período de mi existencia.
Me habéis oído decir a menudo que la persona es un nudo en una red de relaciones. Al despedirme de vosotros os quiero agradecer sinceramente de haberme enriquecido con la relación que he tenido con cada uno de vosotros.
Estoy agradecido tambiém a todos aquellos que, de una manera personal o asociada, seguirán actuando, incluso sin mi, por la difusión de mi pensamiento y compartiendo mis ideales.
Doy gracias también por el don de la vida, que sólo es tal cuando se vive en comunión: es con este espíritu que he vivido también mi sacerdocio.
Raimon Pannikar
(Tavertet - Catalunya)
quinta-feira, 4 de março de 2010
Ecos do Oriente: um diálogo entre Schopenhauer e Wagner
terça-feira, 2 de março de 2010
Matthieu Ricard no Porto, 8 de Março, 18.30: "A necessidade de altruísmo"
Matthieu Ricard, o conhecido monge budista francês, estará no Porto para dar uma Conferência Pública, no dia 8 de Março a convite da C.A.S.A. (Centro de Apoio ao Sem Abrigo). A conferência terá o título “A Necessidade de Altruísmo” e terá lugar na Fundação Dr. António Cupertino de Miranda.
Data: 8 de Março de 2010 às 18h30
Local: Fundação Dr. António Cupertino Miranda, Av. da Boavista, 4245, 4100-140 Porto
Preço: 15 € / estudante: 10 €
O valor angariado reverte a favor da instituição CASA - Centro de Apoio ao Sem Abrigo
Mais informações:
--
CASA - Centro de Apoio ao Sem Abrigo
Morada: Rua Álvaro Castelões, 229, 3º
4450-041 Matosinhos
tel.: 22 937 84 46 tlm.: 91 777 21 57 / 91 493 59 07
email: casa.apoioaosemabrigo.porto@gmail.com
Sobre Matthieu Ricard
Matthieu Ricard é um monge budista francês, fotógrafo e autor. Vive e trabalha no mosteiro Shechen Tennyi Dargyeling no Nepal, Himalaias, há quarenta anos.
Nascido em França em 1946, filho do conhecido filósofo francês Jean-François Revel, cresceu no seio das ideias e personalidades dos círculos intelectuais franceses. Viajou para a Índia em 1967.
Doutorado em genética molecular no Instituto Pasteur de Paris em 1972, decidiu abandonar a sua carreira científica e concentrar-se na prática do budismo tibetano. Estudou com Kangyur Rinpoche e alguns outros grandes mestres dessa tradição e tornou-se estudante próximo e auxiliar de Dilgo Khyentse Rinpoche, até ao seu falecimento em 1991. Desde então, tem dedicado a sua actividade à realização da visão de Dilgo Khyentse Rinpoche.
As fotografias de Matthieu Ricard de mestres espirituais, das paisagens e das pessoas dos Himalaias têm aparecido em inúmeros livros e revistas. Henri Cartier-Bresson disse do seu trabalho, ”a vida espiritual de Matthieu e a sua câmera são um só, donde brotam estas imagens, fugazes e eternas“.
Ele é o autor e fotógrafo de “Tibet, An Inner Journey” e “Monk Dancers of Tibet” e, em colaboração, os fotolivros “Buddhist Himalayas”, “Journey to Enlightenment” e recentemente “Motionless Journey: From a Hermitage in the Himalayas”. Matthieu Ricard é o tradutor de diversos textos budistas, incluindo “The Life of Shabkar”.
O diálogo com seu pai, Jean-François Revel, em “O Monge e o Filósofo”, foi um best-seller na Europa e foi traduzido para 21 idiomas, e “The Quantum and the Lotus” (em co-autoria com Trinh Xuan Thuan) refletem o seu interesse de longa data pela Ciência e o Budismo.
No seu livro de 2003 “Plaidoyer pour le Bonheur” (publicado em Inglês em 2006, como “Happiness: A Guide to Developing Life’s Most Important Skill”) explora o significado e plenitude da felicidade e foi um grande best-seller em França.
Matthieu Ricard foi apelidado de “a pessoa mais feliz do mundo” pelos media depois de ser voluntário para um estudo realizado na Universidade de Wisconsin-Madison sobre a felicidade, posicionando-se significativamente acima da média obtida após os testes de centenas de outros voluntários.
Membro do conselho do “Mind and Life Institute”, que é dedicado a encontros e pesquisa em colaboração entre cientistas e estudiosos budistas e praticantes de meditação, as suas contribuições foram publicadas em “Destructive Emotions” (editado por Daniel Goleman) e noutros livros de ensaios. Matthieu Ricard está também profundamente envolvido na investigação sobre o efeito do treino da mente sobre o cérebro, nas Universidades de Wisconsin-Madison, Princeton e Berkeley.
Matthieu Ricard foi condecorado com título de Cavaleiro da “Ordre National du Mérite” pelo presidente francês François Mitterrand pelos seus projetos humanitários e pelos seus esforços para preservar o património cultural dos Himalaias.
Ns últimos anos tem dedicado os seus esforços e doa todos os proventos do seu trabalho em favor the trinta projetos humanitários na Ásia, que incluem a manutenção e construção de clínicas, escolas e orfanatos na região: www.karuna-shechen.org
Desde 1989, actua como intérprete de Francês para S. S. o Dalai Lama.
(N.T.: Karuna significa “compaixão” em sânscrito)
Saudações
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Fundação Kangyur Rinpoche
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Tel. 21 390 40 22/ 21 774 25 39 / 934 353 961
Correspondência:
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1500 - 197 Lisboa
www.krfportugal.org
Aos pedaços
Sofrimento que ninguém descreve,
como um peso na alma [...]
é a dor das águas que o moinho mói, é a
dor que não sabe onde é que dói.
Dante Milano
como um peso na alma [...]
é a dor das águas que o moinho mói, é a
dor que não sabe onde é que dói.
Dante Milano
Nosso tempo é de fragmentação cultural e subjetiva. Um tempo em que a dor, a morte, o amor, a alegria, o sucesso e o fracasso das pessoas que a mídia e o mercado escolhem, para melhor vender seus produtos, são tratados como peças de um jogo de proporções globais. Às vezes voluntariamente exposta pela busca da celebridade, outras vitimada ou incensada por alguma espécie de notoriedade que a torne colunável, uma pessoa ganha caras diferentes e até contraditórias segundo o veículo e o comentarista.
A intelligentsia-classe-média representada pela mídia de “bom nível” (leia-se a que tem mais recursos e poder) toma conta dos assuntos e manipula opiniões. Podemos dormir tranquilos. Afinal, quem somos nós pra pensar diferente? As polêmicas se resolvem quase sempre a favor da opinião dominante na mídia de maior ibope. Veste-se a opinião alheia como quem veste uma roupa de segunda mão e fica-se “de bem com a vida”. A coisa é tão bem feitinha que até pensamos ser nossas as ideias que nos implantam pela raiz dos cabelos e pelos poros.
Armado o jogo, vilões, mocinhos, princesas, bandidos, vítimas e algozes ficam nítidos e fáceis de entender. Podemos então acompanhar o movimento das peças, todas com seus papéis devidamente definidos e objetivos simplificados. E o que seria drama e dor alheia, na notícia pungente da primeira manchete, ganha um colorido atraente, confortável, divertido até.
Ninguém pode se queixar da mídia; temos sempre os olhos e os ouvidos cheios de notícias: Michael Jackson morreu; o rosto aparece como uma horrível máscara mortuária num jornal pop – assunto para muito papo, a mídia é um milagre; mostra-se a cerimônia fúnebre sem corpo, um show e tanto, que arrasta multidões. Mas ninguém sabe do defunto; então, Michael não morreu; aparece o retrato dele de óculos escuros, enfiado numa espécie de burka. É mentira? A mesma que contaram de Elvis, de Lennon, Jim Morrison e tantos outros? Mas ainda há quem insista no boato, que fica em cima do muro e não sabe mais se é boato ou revelação sensacional – que seria muito mais interessante, vamos combinar.
Mas que graça tem saber/não saber isso ou aquilo, dar ou não dar ouvidos às fofocas?
Pode ser a graça de não ter que se definir; de não deixar tempo nem espaço para ideias próprias ou para refletir pela própria cabeça. Ninguém mais se lembra por exemplo da moça que vegetava (será mesmo que vegetava? Alguém pensou e sentiu com o cérebro dela, percorreu as terminações nervosas de seu corpo, experimentou as sinapses que ainda funcionavam nela?), e que foi eliminada aos olhos do mundo, sem ao menos gozar da paz e da privacidade necessárias a quem vai morrer. Notícia irada, tanto mais que passou rapidinho e deu lugar a outras também sensacionais e de vida igualmente curta. Porque essa coisa de parar num assunto é um tédio.
Pode ser que as imagens formatadas para o consumo, travestidas de informação, sejam um bom suporte para a projeção das dores de cada um. Talvez assistindo vidrados ao show dos problemas alheios o tempo passe mais depressa e nos poupe de nossos problemas. Assistindo ao espetáculo das penas de figuras virtuais esqueço um pouco das minhas. Não faz tanto mal que tenha problemas reais, se tenho um anestésico tão poderoso. Melhor assim, sofro menos sendo parte da imensa multidão resignada que acha que nada vai mudar mesmo, e embarca na idolatria dessas imagens misteriosamente belas, mágicas, que merecem retratos coloridos e sorriem sempre.
segunda-feira, 1 de março de 2010
Participando...
Na sequência da apresentação pelo Professor Paulo Borges do Manifesto "Refundar Portugal", na Escola Aberta Agostinho da Silva (Casa Amarela), Alhos Vedros, agendámos por aqui uma conversa para trocarmos ideias sobre o movimento cívico “Outro Portugal”, no primeiro Domingo de Março.
Entretanto, avançámos com a criação de um Blogue/Revista (mais um!), de seu nome “Estudo Geral”, que para lá da sua exposição diária tentará ter uma divulgação mensal... Será um possível espaço de encontro para as nossas criatividades, num espírito que se pretende plural, na política, nas religiões, nas idades, sendo que a "Revista" e a participação na "Revista" serão autónomas de tudo o resto.
Aqui fica o convite para que adiram e participem. Pensamos que a palavra é essa: participação.
Num momento em que o mundo renova os seus equilíbrios, a que o país e a região não passarão incólumes, e grandes transformações sociais (e naturais) vão ocorrendo, podemos fazer alguma coisa mais, por pequena que seja, do que assobiar para o lado.
Chegou o momento de nos chegarmos mais à frente (que é simultaneamente mais atrás), ajudando a uma maior participação nesta muito incerta democracia representativa, promovendo uma cidadania activa, onde a voz dos movimentos cívicos ganhe uma importância acrescida.
Luís Santos
lcrsantos@gmail.com
Entretanto, avançámos com a criação de um Blogue/Revista (mais um!), de seu nome “Estudo Geral”, que para lá da sua exposição diária tentará ter uma divulgação mensal... Será um possível espaço de encontro para as nossas criatividades, num espírito que se pretende plural, na política, nas religiões, nas idades, sendo que a "Revista" e a participação na "Revista" serão autónomas de tudo o resto.
Aqui fica o convite para que adiram e participem. Pensamos que a palavra é essa: participação.
Num momento em que o mundo renova os seus equilíbrios, a que o país e a região não passarão incólumes, e grandes transformações sociais (e naturais) vão ocorrendo, podemos fazer alguma coisa mais, por pequena que seja, do que assobiar para o lado.
Chegou o momento de nos chegarmos mais à frente (que é simultaneamente mais atrás), ajudando a uma maior participação nesta muito incerta democracia representativa, promovendo uma cidadania activa, onde a voz dos movimentos cívicos ganhe uma importância acrescida.
Luís Santos
lcrsantos@gmail.com
Nada do que penso existe
Ela morreu na sexta-feira. Enquanto dormia o coração disparou e disse boa noite. Meu tio conta que o médico tinha alertado que o coração dela crescera desmesuradamente e acrescentou que não havia como regredir o tamanho. Para um coração assim grande recomenda a medicina uma vida isenta de sal. Uns dias ela cansava-se da monotonia e salgava o paladar. Eram nove da noite quando a minha tia Maria Luísa faleceu. Meu tio diz entre dentes que ela andava feliz.
Lembro dela sempre na cozinha entre panelas. Parecia uma raposa, mal se aproximava das pessoas. Quando ria colocava apressada a mão na boca, como se rir fosse má educação. Envergonhada pedia desculpas. Maria Luísa deu o primeiro banho da minha filha. Nunca falámos muito. Era uma mulher tão acanhada que as palavras fugiam antes dela abrir a boca.
Entre as panelas e a lide doméstica Maria Luísa existiu. Nunca a vi muito feliz. A não ser agora quando o coração começou a crescer.
Desde há cinco anos que o meu coração também cresce. Acho que por outras razões. Nunca fui uma pessoa que vivesse entre panelas, apesar de gostar de cozinhar. Sempre ri sem vergonha. Ao contrário de minha tia, fui sempre exagerada. Quando chorava, mostrava toda a dor da existência. Quando ria incendiava a vida.
Ontem a minha tia partiu sem me contar a razão do seu sorriso.
Hoje ele me abraçou e meu corpo estremeceu. Nada do que penso existe. Hoje meu corpo contou a verdade.
Enquanto meu coração cresce diminuo o sal. Tempero a vida com outro paladar.
Se o médico achar um perigo um coração assim tão ‘crescido’ ofereço-lhe um sorriso. Digo a ele que não se preocupe. Ando feliz.
Antes de morrer o meu coração abraçará o mundo.
Lembro dela sempre na cozinha entre panelas. Parecia uma raposa, mal se aproximava das pessoas. Quando ria colocava apressada a mão na boca, como se rir fosse má educação. Envergonhada pedia desculpas. Maria Luísa deu o primeiro banho da minha filha. Nunca falámos muito. Era uma mulher tão acanhada que as palavras fugiam antes dela abrir a boca.
Entre as panelas e a lide doméstica Maria Luísa existiu. Nunca a vi muito feliz. A não ser agora quando o coração começou a crescer.
Desde há cinco anos que o meu coração também cresce. Acho que por outras razões. Nunca fui uma pessoa que vivesse entre panelas, apesar de gostar de cozinhar. Sempre ri sem vergonha. Ao contrário de minha tia, fui sempre exagerada. Quando chorava, mostrava toda a dor da existência. Quando ria incendiava a vida.
Ontem a minha tia partiu sem me contar a razão do seu sorriso.
Hoje ele me abraçou e meu corpo estremeceu. Nada do que penso existe. Hoje meu corpo contou a verdade.
Enquanto meu coração cresce diminuo o sal. Tempero a vida com outro paladar.
Se o médico achar um perigo um coração assim tão ‘crescido’ ofereço-lhe um sorriso. Digo a ele que não se preocupe. Ando feliz.
Antes de morrer o meu coração abraçará o mundo.
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