terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Acredita que os homens nascem da terra tal como nascem 
as papoilas. Acredita que os amantes existem para salvar o amor,
que a morte é o espelho inconsciente da vida, que as andorinhas
vêm para matar saudades, que os filhos saem pelo coração. 
Acredita na chuva, principalmente na chuva miudinha, 
que na terra escreve cartas de amor. Acredita no pano cru 
para bordar histórias. Acredita no sorriso franco dos animais, 
nos livros do Daniel, nas cítaras, nos escribas noturnos, 
no pão cego do poema, nas manhãs de hoje da Sophia,
nos automóveis azuis, nos pullovers azuis dos insetos. 
Acredita na dor das palavras esdrúxulas,
no sangue circunflexo do silêncio. só não acredita 
nos domingos e dias santos.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Desperta de seres tu

A cada instante é em teu coração que tudo acontece e a cada instante aconteces no coração de tudo. Todo o universo e todas as coisas se contêm em cada ser e fenómeno que em todo o universo e todas as coisas estão contidos. Tudo se entre-contém e interpenetra. Trazemos todos os astros, terra, água, ar, fogo, minerais, plantas, animais e deuses em cada célula e em cada célula de todos eles existimos. Tudo é feito de tudo. Desperta de haver nascimento, vida e morte. Desperta de seres tu.

A questão dos direitos dos animais



Um livro de Hélder Martins Leitão, que me convidou a escrever o estudo final "A questão dos direitos dos animais. Para uma genealogia e fundamentação filosóficas". Transcrevo o último parágrafo desse estudo: "Cremos ser este o rumo de um novo paradigma mental, ético e civilizacional que reconheça que as agressões aos animais e à natureza, para além da sua nocividade intrínseca, são também agressões da humanidade a si mesma, que não separe as causas humana, animal e ecológica e que reconheça valor intrínseco e não apenas instrumental aos seres sencientes e ao mundo natural, consagrando juridicamente o direito dos primeiros à vida, liberdade e integridade física e psicológica e o direito do segundo à preservação, integridade e harmonia da qual depende a própria vida humana (no que respeita aos animais, Portugal possui um dos Códigos Civis mais atrasados da Europa e até do mundo, considerando-os meras “coisas móveis” – art. 205, 1 - , traço de um direito romano e de um cartesianismo-kantismo anacrónicos que urge alterar). Sem este novo paradigma, de uma nova humanidade, não antropocêntrica, em que o homem seja responsável pelo bem de tudo e de todos, não parece aliás viável haver futuro, pelo menos digno, para os homens e para inúmeras espécies animais e vegetais no planeta Terra."

(Hélder Martins Leitão, "A Pessoa, a Coisa, o Facto no Código Civil", Porto, Almeida & Leitão, Lda, 2010)

sábado, 25 de fevereiro de 2012

"(...) uma transição de dimensões planetárias"




“A transformação que estamos vivenciando agora poderá muito bem ser mais dramática do que qualquer das precedentes, porque o ritmo de mudança em nosso tempo é mais célere do que no passado, porque as mudanças são mais amplas, envolvendo o globo inteiro, e porque várias transições importantes estão coincidindo. As recorrências rítmicas e os padrões de ascensão e declínio que parecem dominar a evolução cultural humana conspiraram, de algum modo, para atingir ao mesmo tempo seus respectivos pontos de inversão. O declínio do patriarcado, o final da era do combustível fóssil e a mudança de paradigma que ocorre no crepúsculo da cultura sensualista, tudo está contribuindo para o mesmo processo global. A crise atual, portanto, não é apenas uma crise de indivíduos, governos ou instituições sociais; é uma transição de dimensões planetárias. Como indivíduos, como sociedade, como civilização e como ecossistema planetário, estamos chegando a um momento decisivo.

Transformações culturais dessa magnitude e profundidade não podem ser evitadas. Não devem ser detidas mas, pelo contrário, bem recebidas, pois são a única saída para que se evitem a angústia, o colapso e a mumificação. Necessitamos, a fim de nos prepararmos para a grande transição em que estamos prestes a ingressar, de um profundo reexame das principais premissas e valores da nossa cultura, de uma rejeição daqueles modelos conceituais que duraram mais do que sua utilidade justificava, e de um novo reconhecimento de alguns dos valores descartados em períodos anteriores de nossa história cultural. Uma tão profunda e completa mudança na mentalidade da cultura ocidental deve ser naturalmente acompanhada de uma igualmente profunda alteração nas relações sociais e formas de organização social – transformações que vão muito além das medidas superficiais de reajustamento económico e político que estão sendo consideradas pelos líderes políticos de hoje”

- Fritjof Capra, O Ponto de Mutação. A Ciência, a Sociedade e a Cultura Emergente, São Paulo, Cultrix, 2001, pp.30-31.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Quando o mar roubou o sal dos rios, bracejei contra os predadores sem dar conta do encontro das águas. Estuário fértil, onde a vida se procria. 
Qando o sol iludia a noite alongando o dia, contemplava o céu.  Apaixonada, descobria a vida. Equânime é o olhar de quem ama.
Cada quarto de hora, ameaça a meia hora. Ruído infernal que anuncia a morte do tempo. Cadenciado é o som, em cada intervalo da hora.
Entre a minha casa e o mar, existe um caminho de ferro.
O silêncio aparece de madrugada, quando a estação adormece cansada, ou quando os maquinistas fazem greve e as crianças do bairro colam seus corpos nos trilhos como se fossem lagartos.
Uma sirene prolongada, anuncia a desgraça.  Num lamento sombrio a noite escurece o dia.
Da minha janela vejo o mar.  Noite e dia.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Brinde a Omar Kayam!

O poder se esvanece:
pó de nada.
Mas as rosas florescem mesmo do pó.
Do mesmo pó de estrelas
o poder torna escravo
Quem das rosas só as pétalas colhe
Descuidado.

Bebei, pois, de uma taça mais funda
Como quem se esquece
E no esquecer se lembra
que do cálice rubro
transborda a seiva que embriaga mais.

M.S.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

"Carnaval significa Sinceridade"

"Carnaval significa Sinceridade. O homem só é verdadeiro quando se julga incógnito. Se tem de representar a sua pessoa, a arte absorve-o e desvia-o do seu próprio ser"
- Teixeira de Pascoaes, "Verbo Escuro".

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

A todos os Namorados e Amantes, ao Amor



"Vivo a vida infinita,
Eterna, esplendorosa.
Sou neblina, sou ave,
Estrela, Azul sem fim,
Só porque, um dia, tu,
Mulher misteriosa,
Por acaso, talvez,
Olhaste para mim"

- Teixeira de Pascoaes, "Elegia do Amor"

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Sete Lágrimas - Senhora del Mundo







Villancico tradicional portugués de autor anónimo, que data del siglo XVI. Interpretado por el grupo luso Sete Lágrimas.Archivo de audio extraído del concierto celebrado el día 4 de diciembre de 2010 en el Auditorio de San Francisco de Baeza, con motivo del XIV Festival de Música Antigua Úbeda Baeza.Se ha acompañado con imágenes de Los Arribes del Duero, bellísima zona que supone la frontera entre España y Portugal a la altura de Castilla y León.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

"Eu vi-me a mim mesmo na pulga": Arne Naess, a ética da empatia e o si-mesmo ecológico



“O meu exemplo padrão envolve um ser não-humano que encontrei há quarenta anos. Estava a contemplar através de um velho microscópio o dramático encontro de duas gotas de diferentes químicos. Nesse momento, uma pulga saltou de um lemingue que estava a deambular pela mesa e aterrou no meio dos ácidos químicos. Salvá-la era impossível. Levou muitos minutos para que a pulga morresse. Os seus movimentos eram horrivelmente expressivos. Naturalmente, o que senti foi uma dolorosa sensação de compaixão e empatia, mas a empatia não era elementar; era antes um processo de identificação: «eu vi-me a mim mesmo na pulga»”
- Arne Naess, “Self-Realization: An Ecological Approach to Being in the World”, in AAVV, Deep Ecology for the 21st Century, editado por George Sessions, Boston, Shambhala, 1986.

“Pois Naess sugere que podemos escolher cultivar um mais amplo si-mesmo pela nossa própria identificação com a natureza e as coisas naturais, mediante a expansão do nosso círculo de tal identificação de maneiras que nos nutram e enriqueçam. Deste modo, o si-mesmo ecológico não é apenas uma espécie de coisa maleável, sendo também construído pelas identificações que escolhe fazer. Tal como na noção de iluminação de Gandhi, derivada do pensamento hindu, na qual o ser iluminado “se vê a si mesmo em toda a parte”, a ecologia profunda instiga-nos a encontrar realização mediante a identificação com a natureza. Em vez de avançar com uma ética que nos mande fazer o nosso dever, ou controlar os nossos desejos e apetites, Naess esperava que a sua forma de auto-realização nos iria encorajar a procurar o nosso próprio bem, como a sua directiva primária. Uma tal ética salvará o mundo, espera ele, mas não por via de fazer da regra “salva o mundo” a nossa primeira norma de conduta”
- Andrew BRENNAN / Y. S. LO, Understanding Environmental Philosophy, Durham, Acumen Publishing, 2010, pp.103-104.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Quem disse que para ver o mundo de cima era preciso ir além da escada?
Quem disse que o amor é o alfabeto das pontes levadiças?
Quem disse que à tua porta a minha (esverdeada) solidão bateu?
Quem disse que o poeta cavalga vinte vezes mais que o sangue do vidro?
Quem disse que a morte tem pressentimentos e brinca como uma criança?
Quem disse que a vida escreve-se de bruços?
Quem disse que, afinal, loucos são os pedreiros?

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

"Vivemos sob a ditadura do dinheiro e a economia é a nossa religião" - Satish Kumar (futuro colaborador da Cultura ENTRE Culturas)




Satish Kumar é um nome pouco conhecido, mas o do seu mentor não. Gandhi inspirou toda a filosofia do indiano de 75 anos, que na década de 60, em plena crise dos mísseis de Cuba, fez uma caminhada de 14 mil quilómetros pelo mundo contra as armas nucleares. Quase meio século depois, Satish lidera a Universidade Schumacher e dirige uma revista sobre sustentabilidade. O i encontrou-se com o antigo monge Jai (a religião de Gandhi) na Estação de Santa Apolónia, em Lisboa. Satish surgiu como o imaginávamos: enérgico, bem-disposto, simples. Tinha acabado de chegar do Porto, onde foi falar sobre sustentabilidade a convite da Gulbenkian.

Como correu a conferência?

O Porto faz-me lembrar uma cidade da Índia, Varanassi, uma cidade sagrada com cinco mil anos que fica nas margens do Ganges. Então comecei por dizer isto ao público, que me sentia em casa por isso, e depois falei de sustentabilidade.

E o que disse?

Que a sustentabilidade não virá dos bancos nem do dinheiro. Sustentabilidade tem de vir do país, da nossa terra, temos que prestar mais atenção à agricultura, à comida, ao queijo, ao vinho, ao azeite e a outras coisas que, para o Porto, podem vir de um raio de 500 quilómetros. Assim passamos a precisar de menos transportes que são baseados em combustíveis fósseis, porque para os termos, temos de entrar em guerra na Líbia. Os combustíveis fósseis não são politicamente sustentáveis, nem economicamente sustentáveis, nem humanamente sustentáveis. Vamos fazer do Porto e de Portugal sítios mais independentes e evitar que os chineses nos tirem empregos e capacidades.

Como assim?

Hoje em dia tudo é feito na China. Eles levam o algodão e trazem-no em tecidos. E é assim que as pessoas perdem capacidades. E agora eles fazem as coisas baratas mas dentro de dez anos não vão ser baratas. Vamos para a China usar trabalho barato mas isso irá tornar-se caro, porque os nossos povos não vão saber fazer roupa, vamos perder as nossas capacidades, os nossos ofícios, e vamos ficar dependentes da China e esquecer como se fazem coisas bonitas. Esta globalização não é boa nem sustentável. Foi disso que falei na conferência, sobre o futuro da sustentabilidade. Tem de ser local: economia local, agricultura local, ofícios locais. E disse que o dinheiro não é uma riqueza real. O dinheiro é apenas um meio de troca, uma medida de riqueza. A verdadeira riqueza é terra, água limpa, florestas, árvores, pessoas, a sua criatividade, as suas capacidades, a sua imaginação.

Uma cidade em Itália já declarou independência do sistema financeiro. Parece-lhe a resposta certa?

Eu não digo que devemos abolir completamente o dinheiro. O dinheiro foi uma boa invenção e é um meio para alcançar um fim, mas não é o fim. Nós fizemos do dinheiro o fim, vendemos terras para termos dinheiro, destruímos florestas, pomos animais em fábricas, usamos pessoas para fazer dinheiro. Fazer dinheiro tornou-se o objectivo. Isto está de pernas para o ar. Temos de dizer: o dinheiro é um meio para alcançar um fim e esse fim deve ser o bem-estar das pessoas. O dinheiro tornou-se um ditador. Estamos a viver sob a ditadura do dinheiro e a economia é a nossa religião. E é a religião errada!

Falou sobre a Líbia. Acha que o Ocidente está a aproveitar-se desta Primavera Árabe por causa do petróleo?

Sim. O caso da Líbia devia ter sido como o da Tunísia e o do Egipto, em que deixámos as pessoas levantar-se e levar a cabo revoluções pacíficas, não-violentas. É assim que se faz. E na Síria, ainda que haja pessoas a serem mortas, se mandarmos a NATO e as forças americanas para lá haverá ainda mais mortes. Saddam Hussein matava no Iraque, mas quando os americanos entraram lá, mataram ainda mais. Os exércitos não são a resposta. Os países ocidentais devem deixar as pessoas erguer-se por elas próprias e parar de fornecer armas a estes países. Porque são países europeus e a América quem fornece as armas que estão a ser usadas para matar estes povos. Esta revolução deve ser pelo povo e para o povo, nós não podemos impor democracia três mil pés acima deles. É uma hipocrisia! Eles só querem ver-se livres do Kadhafi, não estão lá para proteger o povo líbio.

É conhecido por ter feito milhares de quilómetros a pé pela paz mundial e contra as armas nucleares.

Foi uma experiência maravilhosa. O Bertand Russell estava a protestar contra as armas nucleares em Trafalgar Square [Londres] e foi preso. Tinha 90 anos! Eu estava num café com um amigo e disse: aqui está um homem de 90 anos a lutar contra isto e o que é que eu, jovem, estou a fazer pelo mundo aqui a beber café?

Isto foi em que altura?

De 1962 a 1964, dois anos e meio. Comecei em Nova Deli, a partir da sepultura do Mahatma Gandhi, e andei 14 mil quilómetros até à sepultura de John F. Kennedy.

Porquê até à sepultura de Kennedy?

Porque estes dois homens foram assassinados por armas. Queria mostrar que as armas não matam só inimigos, também matam Gandhi e Kennedy.

Desde Nova Deli, passou por onde?

Passei pelo Paquistão, Afeganistão, Irão, Azerbaijão, Arménia, Georgia, Rússia e cheguei a Moscovo - primeira capital nuclear que visitei. Daí fui pela Bielorrússia, Polónia, Alemanha, Bélgica, França e cheguei a Paris, segunda capital. De França fui para Inglaterra de barco e cheguei a Londres, terceira capital. De Londres apanhei outro barco para Nova Iorque e daí para Washington DC, a última.

E neste tempo todo, o que fazia?

Dizia que precisamos de três tipos de paz. A primeira é a paz com as pessoas, o desarmamento nuclear, o fim das guerras, viver em harmonia com todas as religiões e nações. Temos de resolver os nossos problemas apenas através de negociação, de meios pacíficos, porque a guerra é obsoleta, particularmente a nuclear. As armas nucleares são completamente inúteis. Largando uma bomba nuclear mata-se tudo: homens, mulheres, crianças, animais, plantas, rios, lagos, terras, insectos, tudo! Estamos a gastar milhões e milhões de dólares e de libras e de euros nestas armas inúteis quando há pessoas com fome. As pessoas não têm empregos, corta-se na educação, corta-se nos hospitais, corta-se nas bibliotecas e gasta-se em armas. E dizemos nós que somos instruídos e civilizados. Isto é civilização? Isto é inteligência? Temos de gastar mais dinheiro em diplomacia e menos em força militar. Depois, temos de estar em paz com o ambiente - é a segunda paz. Neste momento, a humanidade está em guerra com a natureza, está a tentar conquistá-la. Mas mesmo que ganhemos, nós é que vamos ser vencidos, porque não se pode competir com a natureza.

E a terceira paz?

Paz com nós próprios. Andamos constantemente em tensão, em pressão, sempre a correr, rápido; mais rápido, mais dinheiro, mais tudo. Não passamos tempo connosco, vivemos sem tempo para nos sentarmos em silêncio, para escrever um poema, ler um livro, ir a um jardim, cozinhar, estar com a família, andar a pé. Porque também estamos em guerra connosco. Por isso, paz com o mundo, paz com a natureza, paz connosco. Em sânscrito dizemos shanti, shanti, shanti. Assim, três vezes: paz, paz, paz. Era esse o meu objectivo e andei sempre sem dinheiro.

Foi sozinho?

Fui com esse amigo indiano. Começámos por dizer: a paz começa pela confiança e a guerra começa pelo medo. Se íamos caminhar pela paz, eu ia mostrar a mim próprio que confiava nas pessoas e na natureza. Então, durante dois anos e meio nunca tive dinheiro. E às vezes não arranjei comida mas dizia: é uma oportunidade para jejuar. Se não encontrava um abrigo para dormir dizia: é uma oportunidade para dormir sob as estrelas. E não tinha nenhum medo da morte. Disse: se eu morrer a caminhar pela paz, será a melhor das mortes. E assim consegui caminhar com o meu amigo durante dois anos e meio - faz 50 anos no próximo ano.

E o que acha que mudou em 50 anos?

O nuclear está melhor. Naquela altura havia muita ênfase nas armas nucleares, mas depois da Guerra Fria, a Rússia e a América passaram a dar-lhes menos importância. Agora deviam era ver-se livres delas de uma vez por todas! Já hoje!

E o que está pior?

A violência contra a natureza; estamos a usar tecnologia para mais destruição. E a paz connosco também está a piorar, por causa de toda a tecnologia e velocidade. Temos de desacelerar para avançar. E temos de caminhar mais, é a melhor maneira de ficar saudável, mental e fisicamente. Ter tempo para caminhar, para fazer yoga, para cozinhar, para fazer jardinagem, para estar em contacto com a natureza e amá-la. Assim seremos mais felizes.

A Alemanha está perto de criar carne artificial. Isto não é questionável?

Se for para uma transição da carne animal para a carne vegetal, como seitan, parece-me bem. Eu não gosto de seitan, mas prefiro que as pessoas não tenham a palavra carne na cabeça. Os elefantes são vegetarianos e tornam-se tão grandes. Os cavalos são vegetarianos e são tão poderosos. Se os elefantes e os cavalos podem viver sem carne, os humanos podem viver sem carne. Eu sou vegetariano há 1600 anos!

(risos) 1600 anos?

Os meus antepassados tornaram-se vegetarianos há 1600 anos. Eu tenho 75 anos e olhe para a energia que tenho! A ideia de que precisamos de carne por causa das proteínas é propaganda da indústria da carne, é mentira! Na Índia há milhões de pessoas vegetarianas e completamente saudáveis. Para alimentar uma pessoa com carne são precisos cinco hectares de terra. Mas para alimentar uma pessoa com vegetais só é preciso um hectare. Precisamos cinco vezes mais de terra e de água para comer carne! E mesmo que as pessoas não se tornem completamente vegetarianas, pelo menos reduzam o consumo e comam apenas carne orgânica e de animais felizes. Porque se comermos animais infelizes e vítimas de crueldade, como a maioria deles vive neste momento, fechados em fábricas à espera de morrer, vamos ser infelizes e cruéis.

Nasceu no Rajastão mas vive em Inglaterra. Mudou-se com que idade?

Mudei-me em 1971. Dirijo a Universidade Schumacher, em Darlington, onde temos cursos holísticos, uma educação ecológica, espiritual, científica. Temos mestrados sobre os três tipos de paz de que falei, aplicados à economia, ciência e outras áreas.

Muitos dizem que os seus ideais são utópicos. O que responde a isso?

Muita gente diz-me que eu sou idealista e que tenho de ser realista. A minha resposta é: o que é que os realistas fizeram pelo mundo? O que é que alcançaram? Por estarmos a ser governados por realistas temos uma crise económica, temos aquecimento global, temos guerra no Afeganistão, Líbia e em outros tantos países. Os realistas criaram esta confusão toda. É altura de os realistas saírem e de os idealistas entrarem. Isto não é mero idealismo, é um idealismo realista. Vamos dizer: adeus realismo, bem-vindo idealismo!

(Entrevista ao jornal i, 8 de Setembro de 2011)

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Lab C - Workshop de Expressão Criativa

O Lab C é um laboratório de criação e partilha entre criadores, artistas e amantes das Artes. É inter-dinâmico entre as diversas formações que se conjugam e complementam pois os formadores também participam na formação. É composto de diversas matérias e disciplinas artísticas que confluem para um exercício de criação em tempo real que se pretende partilhar com o público. No final abrimos a possibilidade de uma comunicação directa entre formadores, formandos, participantes quer na função de actuante quer na de público. Ao nível do conteúdo criativo estimularemos a busca do texto De Khalil Gibran, "O Profeta", numa adaptação própria intitulada "Povo de Profetas".
António M. Rodrigues

Mais informações e contactos, aqui
O meu amor pode ser fraco,
mas tem voz que abraça
as árvores 


A minha poesia pode ser fraca,
mas imagina mães a guardarem
pássaros no ventre 


Os meus sonhos podem ser fracos, 
mas são da cor do mar
quando descalço os pés.

May East, "Cidades em Transição", hoje, 18.30



2ª feira, 6 de Fevereiro, 18.30
Anfiteatro III da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade (metro Cidade Universitária)

May East é educadora e designer para a sustentabilidade. Trabalha internacionalmente com o movimento global das ecovilas e como consultora de assentamentos humanos sustentáveis e cidades em transição. Mora há 19 anos na ecovila Findhorn da Escócia, onde é Directora de Relações Internacionais entre a ecovila, a Global Ecovillage Network e a ONU. May East é directora do programa Gaia Education, um consórcio internacional de designers de sustentabilidade presente em 23 países. CEO do CIFAL Findhorn, Centro de Treinamento Associado a UNITAR- United Nations Institute of Training and Research, onde lidera treinamentos em design ecológico e mudança climática para urbanistas e autoridades locais da Grã Bretanha e Europa do Norte.

May é especialista em diplomacia de mudança climática e uma referência internacional no contexto da Educação para a Sustentabilidade.

Organização do projecto “Filosofia e Religião”, coordenado por Carlos João Correia e Paulo Borges.

Apoio da revista Cultura ENTRE Culturas

Entrada Livre

May East falará também amanhã, dia 7, às 18.30, no II PANdebate, com Sandro Mendonça, no Instituto Macrobiótico de Portugal, na Rua Anchieta, nº5, 1º esq (ao Chiado, em Lisboa).

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Que nunca te canse olhar o tempo, as flores, os rios, a poesia, ou sequer o amor. A sapiência está na capacidade de ler as legendas.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

A Grande Libertação

Penso na multidão de escravos do trabalho, que vendem vida, corpo e alma a troco de frustração e nada. Penso na multidão de escravos do desemprego, cujo maior sonho é serem escravos como os outros. Penso na muito maior multidão dos escravos em campos de concentração à espera do abate para alimentarem os outros escravos. Penso nos escravos da ganância, da avareza e da gula, incluindo esses outros escravos que são os seus donos. Penso nos escravos da ignorância, do egoísmo, do conforto e da indiferença que somos todos nós, a fazer de conta que isto é normal ou que não existe, a tentar tirar proveito disso, a convencer-se de que nada há a fazer ou a anestesiar-se para não doer muito. Penso nisto tudo e desejo que o dia da Grande Libertação comece agora mesmo e chegue a todos.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Colocar-se no lugar do outro

Num recente, inspirador e esclarecedor livro, Doze passos para uma vida solidária, Karen Armstrong mostra que o grande desafio para que indivíduos e povos possam viver hoje em harmonia numa comunidade global passa pela aplicação da Regra de Ouro de toda a ética, presente nas grandes tradições espirituais da humanidade e hoje também um imperativo laico: “Não fazer aos outros o que não gostaríamos que nos fizessem” e “Fazer aos outros o que gostaríamos que nos fizessem”. Isso implica a experiência de se colocar no lugar do outro, a experiência da em-patia ou da com-paixão, que não é um mero e ocasional ter pena emocional e condescendente, mas antes um abandonar a gravitação em torno de si mesmo para ser capaz de ver e sentir o mundo como o outro o vê e sente. É uma experiência de descentramento, de desobstrução do espaço ocupado pelo ego, individual ou colectivo, para constantemente sentir em si o que o(s) outro(s) sente(m), dores ou alegrias.

Em termos evolutivos, é a possibilidade aberta pelo surgimento do neocórtex, que nos permite a reflexão e o distanciamento dos instintos herdados no hipotálamo, procedentes dos primitivos répteis, há 500 milhões de anos, e designados como os 4 Fs: “feeding, fighting, fleeing e f… (alimentação, luta, fuga e “reprodução”). Todavia, se olharmos para a humanidade, ou seja, para nós mesmos, não deixa de ser incómodo e doloroso ver como em tantos aspectos da nossa vida pública e privada continuamos a comportar-nos como esses velhos répteis, dominados pelo complexo da presa-predador, pelo medo que leva à fuga e ao ataque, pela luta desenfreada por sobrevivência, por território, por ganho e por reprodução física e comportamental. É isto que no fundo explica o estado crítico em que está o mundo: a rápida evolução científica e tecnológica não foi acompanhada por uma igual evolução ética, mental e espiritual, fazendo com que indivíduos, grupos e nações ainda sujeitos aos mais primitivos instintos e emoções detenham sofisticados mecanismos de opressão, exploração e destruição militar e económica; temos hoje uma civilização global, em termos económico-tecnológicos, mas não uma consciência ética global.

Uma outra potencialidade reside todavia em nós, a do neocórtex e algo mais: o espírito ou a natureza profunda da mente. As suas qualidades naturais são a consciência global e a empatia amorosa e compassiva. São elas que nos permitem colocar-nos no lugar do outro, de todo o outro, não só dos nossos familiares e amigos ou membros do mesmo grupo, clube, empresa, partido, nação, religião ou espécie. São elas que, ao contrário dos velhos répteis que ainda somos, nos permitem alargar progressivamente o círculo dos nossos afectos e consideração moral, ao ponto de amar os nossos próximos como a nós mesmos, não deixando fora da categoria do próximo os nossos inimigos nem os membros de outras espécies, abrangendo ainda o mundo natural que é fonte comum da nossa vida. São elas que nos permitem experimentar dor e alegria com todos os que sofrem e são felizes e não sermos indiferentes aos pobres, doentes e sem abrigo, aos que padecem fome e sede, aos que são explorados, oprimidos, torturados, violentados e mortos, sejam humanos ou animais. É a nossa natureza profunda, à medida que se for libertando de parcialidades, que nos permite sentir igualmente a dor do desempregado, do sem abrigo, do porco, frango ou vaca no matadouro e do touro na arena. Simplesmente porque é dor, independentemente da forma e do aspecto de quem a sente. E é a nossa natureza profunda que nos permite sentir ainda compaixão por todos os que, por ignorância, avidez e ódio, são responsáveis pelas dores dos outros e pela doença que trazem em si mesmos, transmutando a revolta e a raiva em luta não-violenta contra essas acções.

É do cultivo dessa consciência ética global, abrangente de homens, animais e planeta, que depende a saída desta crise e o surgimento de uma nova civilização. Só a cultura da visão global, do amor e da compaixão pode salvar o mundo. O seu desenvolvimento, em todas as esferas da vida pública e privada, sobretudo por via da educação, tem de ser o maior imperativo e investimento de cada um de nós e de todo o governo que venha a ser digno desse nome. Enquanto se colocar a economia e as finanças acima da sabedoria, da compaixão e de leis que as expressem, a produção de riqueza será sempre para benefício de poucos e prejuízo da maioria. Enquanto se colocarem interesses de indivíduos e grupos de uma só espécie acima do bem comum da Terra e de todos os seres, enquanto não nos colocarmos no lugar do outro antes de cada pensamento, palavra e acção que o vai afectar, continuaremos a ser velhos répteis, grotescamente sofisticados em termos científico-tecnológicos, mas 500 milhões de anos atrasados e em risco de extinção.

(publicado no nº de Fevereiro de 2012 da revista CAIS, na secção "Cultura ENTRE Culturas")