domingo, 25 de outubro de 2009

"Vamos para o silêncio do mar ou da montanha, porque o ruído altera todas as relações do homem com verdade" - Leonardo Coimbra



 Herbert Draper, "A Water Baby"

Grande é o homem que conserva sempre em si a luz das primeiras horas; é água à boca da fonte, fogo interior aflorando em jeito de afeiçoar a Terra.
O Universo vai para o Uno da Graça, vindo do Uno do Caos.
É Caos, multiplicidade dispersa, multiplicidade amorosa. E é-o contemporaneamente. Não há uma evolução rectilínea que do caos leve à luz; há, agora e sempre, identidade da origem, pluralidade de seres, identificação final pela penetração amorosa.
As primeiras horas são de Alegria inocente, anterior ao pecado original.
Impropriamente se chama original ao pecado das criaturas. Este é a absolutização de cada criatura, esquecida a origem, tentando uma ilusória unidade pelo aniquilamento do Universo, pela absorção dos outros, pela omnipotência da palavra volvida em todo.
A criança é anterior ao pecado das criaturas.
Ela é a promessa infinita, o homem a exígua realização.

Leonardo Coimbra, “A Alegria, a Dor e a Graça”, Livraria Tavares Martins, Porto, 1956, pág. 26.

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro Damien,

Texto de muita luz, este. Espelho do que gostaria de ser, "eu" que nem existo e sou escuridão múltipla, imperfeição de tudo.

Valha-nos o olhar para essa afeição e senti-la contemporânea e amorosamente nossa. Vizinha (no crer) da identidade da origem onde amorosamente construí a “minha” Casa. É uma casa de palavras, uma casa manchada pela ânsia de um mundo imaginado e belo.

Bebo na fonte da Graça, no silêncio que nos dá a beber, a água que os lábios querem e o fogo que arde ainda. E, no final, possa ele reconhecer-nos como quem anseia, não o mundo, mas o para além dele.

Não sou um absoluto, o nosso pecado é menos original; temo o esquecimento da Origem e temo absorver o mundo na mesma ânsia.
A criança é anterior, é Origem sem querer. É disso que tenho Saudades! Ela é a divina fonte que afeiçoa a Terra. Jardineira sem saber.

Grata.

Paulo Borges disse...

Sempre me fascinou a simultaneidade das três instâncias referidas: "Caos, multiplicidade dispersa, multiplicidade amorosa". A incapacidade de a pensar é a incapacidade do pensar que se não volva noutra coisa.