domingo, 25 de outubro de 2009

Edmond Jabès: Sobre o deserto


Não se pode falar do deserto como de uma paisagem, pois ele é, apesar da sua variedade, ausência de paisagem. Essa ausência concede-lhe a sua realidade. Não se pode falar do deserto como de um lugar; pois ele é, também, um não lugar; o não-lugar de um lugar ou o lugar de um não-lugar. Não se pode pretender que o deserto seja uma distância, porque ele é, ao mesmo tempo, real distância e não-distância absoluta por causa da sua ausência de marcas. Ele tem, como limites, os quatro horizontes, sendo o que os liga e os separa. Ele é a sua própria separação onde se torna lugar aberto; abertura do lugar. Não se pode pretender que o deserto seja o vazio, o nada. Não se pode, tampouco, pretender que ele seja o fim, uma vez que ele é, igualmente, o começo.

Edmond Jabès in Un étranger, avec, sous le bras, un livre de petit format, Paris, Editions Gallimard, 1989, p. 107-8

Fotografia National Geographic: padrões de erosão no deserto entre o Nilo e o Mar Vermelho.

1 comentário:

Paulo Borges disse...

Belo texto. É neste não-lugar que tudo acontece. Nós próprios.