Li uma vez, há muitos anos, um livro com o título Shibumi. Era de um autor do qual nunca ouvira falar e que dava pelo estranho nome de Trevanian. O personagem principal, Nicholai Hel, órfão, é educado por um general japonês e costumavam jogar Go juntos (um jogo japonês de estratégia). Quando finalmente, passados anos, Nicholai ganha ao general, ele decide mandá-lo completar a sua instrução com um famoso professor de Go, chamado Otake-san. E informa Nicholai de que o futuro mestre possui a qualidade do shibumi. Nicholai, estranho ao conceito, pergunta ao general o que é o shibumi e então o general explica, e aqui cito o livro: “… o shibumi tem a ver com um grande requinte subjacente a aparências vulgares. É uma afirmação tão exacta, que não é ousada, tão vibrante que não precisa de ser bela, tão verdadeira que não tem de ser real. … Um silêncio eloquente. Na conduta, trata-se de humildade sem modéstia. Na arte, onde o shibumi assume a forma de sabi, quer dizer uma simplicidade elegante, uma parcimónia articulada. Na filosofia, onde o shibumi aparece como wabi, significa uma tranquilidade espiritual que não é passiva; trata-se de existir sem a ansiedade da vivência. E na personalidade de um indivíduo é… autoridade sem domínio.”
No final, o general oferece a Nicholai uma caixa de sândalo embrulhada num pano cru e Nicholai “fez uma vénia de agradecimento e pegou no embrulho com grande ternura; não expressou a sua gratidão com palavras inúteis. Era o seu primeiro acto consciente de shibumi.”
Apresento de seguida algumas imagens do Japão que, para mim, representam o shibumi. O shibumi é visível na natureza, à superfície do caos, e tem a qualidade de nos alegrar o coração quando o descobrimos. O shibumi existe também, por vezes, nas relações humanas, nas mais marcantes obras de arte, num rosto que dorme, nos arranjos florais do Ikebana, no sussurrar do vento nos bambús ou na preparação de uma refeição. Na realidade, podemos ir ao encontro do shibumi em todo o lado.
Fotografia de Sylvester Adams
Fotografia de Frank Carter
Fotografia de Frank Carter
3 comentários:
"tão exacta, que não é ousada, tão vibrante que não precisa de ser bela, tão verdadeira que não tem de ser real"
Eu gostaria de ter postado isto, mas gosto mais ainda de acolher, sem perturbação nem entusiasmo, a tranquilidade de jardim japonês ou de haikai que respiram estas "paisagens" que aqui, trouxe, Laura.
Eu chamar-lhes-ia de melhor grado "presenças sem nome nem qualidade", visto que elas se dão nisso e como isso que de inominado mais me derrama de mim, e em mim mais se derrama.
Como se fosse o mesmo, como se fossem o mesmo. Que são.
Não importa. Basta que esta presença não cinde o que vê e o que veja: a paisagem vê-me e é com tal olhar que a contemplo e respiro.
Grato.
P.S. Creio não verá inconveniente em que eu destaque a passagem acima, na página de entrada do blog, logo abaixo do pequeno diálogo de Maria Grabriela Llansol ali colocado...
Caro Donis de Frol Guilhade,
fico feliz que tenha gostado.
Laura
Se gostei?
Estes silentes falares, veres e sentires que aqui trouxe "degustaram-me": como se a "natureza" fosse um escanção de nós, simples brisas humanas ...
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