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Tal como o real não é linguagem, nem tem linguagem, é, portanto, uma “existência de grau zero”; uma evidência pura e terrível, para o nosso olhar, assim a leitura do real é a criação mesma da linguagem, múltipla na sua aparente fisicidade e peso. O verbo revisitado, sempre disponível para novas e múltiplas leituras e para a construção de novos reais, aproxima-se e afasta-se do real, volteando sempre, como ave solta, sobre o firmamento do real. O Real está para além do espaço e do tempo, como a linguagem está para além e para lá dos nomes. Pode e deve a linguagem ser ponte suspensa sobre a compreensão do outro, como realidade simultânea e coexistente. Pode a compreensão do mundo passar sem o real? Ultrapassar a linguagem?
O real pode ser (e é) uma inifinidade de “inexistências” reais, uma rede fina e infinita de leituras para o olhar que o tenta, em vão, apreender, como um jogo de ilusórias e caóticas redes presentificadas e equilibradas em diferentes pontos que não vemos. O real é. Para lá da linguagem e do desejo da limitação e da apreensão. O real não é só relação, como a linguagem não é só possibilidade da poesia se manter desejo. A linguagem deixa de ser representação do mundo, quando, não o nomeando, nem o descrevendo, esse tal real é instante que fulgura ou desaparece quando não é olhado pelo olho, sempre “plástico” da linguagem; sempre que toca o infinito do não dito, do não-nome que brilha e fulgura em todo o real. Ou seja, só há real para a fuga da palavra, quando o poema é mudo. O real, então, fala, ou ausenta-se como a Saudade. O real é como o paraíso. Original fonte de ser que ultrapassa e dissemina tudo em todas as direcções, tornando-se o abissal Nada. O Real é o Nada?
O real é uma mudez gritada. Como uma existência que, sendo exterior, necessita de uma linguagem que a adentre, que a penetre, assim a linguagem tem o olhar cego que busca o lugar da compreensão do real e da sua absorção. Consubstanciando-se nele, ou dele se ausentando, como no caso dos loucos às voltas com a liguagem sem real, e o pensamento em delírio, sem referente, como em alguma Poesia lemos. A Realidade não precisa da linguagem para existir, mas pouco ou nada é sem o olhar que a encontre, ou desencontre, ou a ele se furte.
O olhar é talvez a forma da solidão mais devastadora, que a poetas e outros artistas se revela como abismo. O olhar é uma ausência que nos visita. A linguagem de pouco serve sem o "mar" mutável do Real. Seremos como os “fala-sós” quando olhamos o abismo da própria linguagem, essa ausência presente que se molda à nossa sensibilidade, à imaterialidade superior de uma religação profunda com o verbo que para sempre nos falta, e sempre se insinua como o mistério do Real. O seu instante irruptivo, ou o hialino não ser da linguagem. A brancura da neve que nos silencia e nos cala, por ausência de referente para essa presença pura, inapreensível. Por isso dizemos que a linguagem é canto e sopro, e nada mais dizemos que valha a pena ao olhar. A realidade é um multiplo espelho sem separação, onde nos vemos naturalmente de todos os ângulos e em tudo nos vemos semelhantes e diferentes, na relação, no desenho dos múltiplos reais impressos nos nossos sentidos, como relação e participação, como presentificação. Mas, sobretudo, como religação e saída do labirinto, deixando tombar as babélicas torres para abrir as pontes, sobrevoando-as. O real e a linguagem são, pois, como certos jogos em que, para cobrir um espaço deixamos outro sem ocupação, cego o olhar nesse jogo interminável onde multiformes, múltiplos e multifacetados peixes voadores que se são escapando pelas malhas, véus, de um labirintado abismo, imenso caleidoscópio que sempre nos interroga o olhar. Direi então como ouvi dizer da poesia: se um dia me perder do real, sigo o rasto da palavra: "Verbo escuro" sem altura nem fundo.
2 comentários:
Não será o "real" a teia do maior engodo e engano?
Não será ele a substância mesma do infindável transvio entre labirintar dédalos em nosso variegado curso?
Comprazemo-nos no que nos deleita o gozo do que sentimos ou nos ancora na razão ou sem-razão do que pensamos.E ambos são entretecer intérmino do que nos acorda ou desvaria.
Ocorre-me aquela palavra em brasa, de Isaías:
"em vão escutas, pois não compreendes,
em vão olhas, e não vês”.
Por certo, será, Donis...
O mesmo que mostra a Dédalu a queda do seu filho? Ou devemos imaginar Ícaro suspenso na imensidão do seu voo?
Aí onde nem céu nem mar, nem palavra, nem realidade mais se escutam, nem gravidade ou golpe de asa inflamam o desejo de conseguir, de "desafiar" o limite?
Será esse, então, desperto do desejo de voar que mostra a Dédalu o Real que Isaías diz não ser de ver ou escutar por ouvidos não abertos ao vero olhar e à vera palavra?
O real é o labirinto ao qual juntamos o da linguagem que o não diz...
Quando o que vemos tem que se dar no encontro entre o que flui de um de outro lado e de dentro e de fora e em todas as direcções sem direcção se ouve e se presentifica na instante aparição... que, no final é cega... para ouvir e... muda...
Um abraço
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