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Shiva e Shakti |
(...) a união sexual enquanto ritual, lembremos que atingiu um prestígio considerável no tantrismo indiano A Índia mostra-nos com exuberância como é que um acto fisiológico pode ser transformado em ritual e como, quando a época ritualista está ultrapassada, o mesmo acto pode ser valorizado como uma «técnica mística». A exclamação do esposo
na Brhadâranyaka-Upanishad: «Eu sou o Céu, tu és a Terra!», segue-se à transfiguração prévia de sua esposa no altar do sacrifício védico (VI, 4, 3). Mas no tantrismo, a mulher acaba por incarnar a
Prakriti (= a Natureza) e a Deusa cósmica, a Shakti - ao passo que o macho se identifica a Shiva, o Espírito Puro, imóvel e sereno. A união sexual (
maithuna) é antes de tudo uma integração destes dois princípios, a Natureza-Energia cósmica, e o Espírito. Conforme se exprime um texto tântrico: «A verdadeira união sexual é a união da Shakti suprema com o Espírito (
âtman); as outras só representam relações carnais com as mulheres» (
Kûlârnava Tantra, V, III-112). Já não se trata de um acto fisiológico, mas de um rito místico; o homem e a mulher já não são seres humanos mas são, sim, «desligados» e livres como os Deuses. Os textos tântricos sublinham infatigavelmente que se trata de uma transfiguração da experiência carnal. «Pelos mesmos actos que fazem arder no Inferno certos homens durante milhões de anos, o
yogin obtém a sua salvação eterna.» A
Brhadâranyaka-Upanishad (V, 14, 8) afirmava já: «Aquele que sabe assim, seja qual for pecado que pareça cometer, é puro, limpo, sem velhice, imortal.» Por outras palavras «aquele que sabe» dispõe de uma experiência totalmente diferente da do profano. Quer dizer que toda a experiência humana é susceptível de ser transfigurada, vivida num outro plano trans-humano.
Mircea Eliade,
O Sagrado e o Profano, 2006, Livros do Brasil, Lisboa, p.179
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