Amanhã nada disto existirá
A bailar no veio translúcido do instante
A insuportável exsurgência da manhã
A distante evanescência das quimeras
De ter sido na imponderabilidade do vento
Nada disto consiste em querer ou ter ou poder
Uma fome alada que resiste
Na planície úbere do não ser
E viro a página
Estar vivo é só a possibilidade de perdição
E em ondas de luz que de cima me revelam
Só o que ficou o resto da alba que não houve
Tudo se precipita em abismos de lume
Na alvorada nova do esquecimento
O cheiro a creolina no charco de ter nascido
O aqui envolto em turvação
Ganha pé o mais ambárico dos vinhos
Não são de fiar as coisas demasiado perfeitas
Tudo vem de fábrica plastificado
E esterilizado
Já nada se gasta só por ser usado
A não ser a habituação a nós
Torna-se espessa e ganha um corpo subtil
De cave fechada repleta de inutilidade
Em fundo uma música quase ignorada
Dos codeine velvet club torna desculpável a decisão
De desfazer os baús na feira da ladra
Da escrita
2 comentários:
Também quero anunciar-me, porque sei que "Amanhã nada disto existirá". O que fica, é o que sempre cá esteve. Começo a escrever a parir de: «Não me procuraríeis se não me tivésseis encontrado já...» creio de Santo Agostinho.
"De cave fechada (e) repleta(o) de inutilidade é o nosso rosto: esse lugar de vazio que nos escuta em labirinto, em música!
Grata por este belo texto que me ajuda a fechar baús e a abrir outros...
Um sorriso amável :)
:)
e há o que excede tudo isso e até a ideia de excesso, de excessividade, de excedência...
há duas categorias que aponta 'isso' - o rosto e o sorriso...
talvez...
:)
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