"[...] vejo hoje o pensamento estranhamente desprovido perante o reino do uniforme que, pelo facto de atingir doravante os limites do planeta, estabelece a sua lei - lei da força oculta e não do direito; e que, para além do sentimento de perda, nostalgicamente experimentado mas culpabilizando-se a si mesmo por não saber harmonizar-se com a nova dimensão das coisas, este colectivo atolamento no uniforme não é na verdade criticado: que a sua pseudo-universalidade não é claramente analisada. Ora, é no entanto precisamente aí, creio, que o desejado diálogo entre culturas encontra o seu principal obstáculo; como também a sua maior utilidade. Pois, tomando a uniformização ambiente pelo universal, falha-se ao mesmo tempo o recurso - que não seja somente conservatório ou museológico - da diversidade das culturas; assim como o plano - que não seja somente de imitação ou de assimilação - sobre o qual elas poderiam encontrar-se"
- François Jullien, De l'universel, de l'uniforme, du commun et du dialogue entre les cultures, Paris, Fayard, 2008, p.37.
1 comentário:
Os tempos não são hoje, em verdade, de visitação - como a dos três anjos a Abraão, a do anjo a Maria, ou de Maria a Isabel -, sempre benigna e abençoante visitação, ainda que inesperada e, assim, sempre tão mais deleitosa, mas são, sim, ai de nós, de insinuação invasiva que não pede licença para pôr a pata onde pés palminham caminhos de seu inteiro direito, que uns tantos profiaram fossem dificultosos, para maior e mais conveniente distração aquando da tão perseguida maviosa vileza.
Num mundo assim, fala-se de "globalização", mas quer-se dizer braço longo em toda a parte de sempre os mesmos. Fala-se em "democracia", mas significa-se sujeição por uma qualquer maioria de muito incerta ou incerteira razão sobre a certeza daqueles a quem tem a razão.
Dado o "colectivo atolamento no uniforme"(...) em que se toma "a uniformização ambiente pelo universal", isso de que falamos falha sobretudo porque não é levado a cabo pelo verdadeiro lugar onde a cultura é semeadura, colheita e partilha (a vida do homem que celebra a vida), mas sim na aseptia, castrada de todo o verdadeiro sentir, que atravessa o ar condicionado de todos os gabinetes onde uns pouquissimos senhores, insábia e veleidadamente, ousam decidir daquilo que jamais conhecerão: a sagrada inumanidade que há em cada homem (e que eles, propositadamente, confundem com desumanidade) e a sacral divindade que em toda a parte fala a toda outra parte, e que seria isso precisamente que tornaria possível que qualquer diálogo entre diversas agriculturas da vida, que as há em todos os povos diversas, se reconhecessem mutuamente como navegação partilhada da alma em cada um.
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