domingo, 6 de fevereiro de 2011

Surrealimo e Saudade


Existe um certo ponto do espírito de onde a vida e a morte, o
real e o imaginário, o passado e o futuro, o comunicável e o
incomunicável, o alto e o baixo deixam de ser percebidos como
coisas contraditórias. Ora, seria falso atribuir à actividade
surrealista qualquer motivação que não fosse a esperança de
determinar esse ponto.

(Breton - Manifesto Surrealista)


Esse ponto do espírito, cerne de toda a supra-realidade, esse ponto que não é nenhum lugar e em
nenhum espaço se encontra, é um ponto indeterminável, que podemos designar de um EnTre, sem centro e sem existência real. Um salto no desconhecido, previsto a Liberdade e o Amor. Neste sentido, esse não lugar rodeia tudo, e a tudo enche, sem, contudo, ter forma ou existência concreta e racional. No plano material das coisas que vemos fora do sonho ou da lembrança. Esse entre é inexistente.

O “ponto” de que fala Breton, metáfora de um além-real, situa-se dentro e fora da existência do mundo real, é um Outro em que tudo se transmuta e transforma. É uma realidade que não é, nem não é. Não pode estar nem não estar no mundo e buscá-lo é nunca o encontrar. As coisas que são, para os que buscam a esperança de encontrar esse lugar, são uma indeterminação no plano real. São ideias, anjos do real. Mas, porque são e não são, ao mesmo tempo, e em todos os lugares e não lugares, são a eternidade indeterminável. As coisas reais, como as entendem os que sonham acordados, um desvanecimento. É aqui que a esperança dos surrealistas encontra a sua mesma busca. É aqui que a Saudade se encontra com o surreal. É nesse ponto, em que ambos os caminhos se cruzam, melhor dizendo, se fazem ponte, que a esperança supravive e se quer futuro.

Nesse athanor alquímico da alma, as coisas apresentam-se não como uma ex-istência, senão como uma lembrança. Podemos então descer, com AML, as escadas com o Sol do lado Direito e a Lua do Esquerdo, tendo ao centro, o Fogo onde tudo arde nos olhos da Deusa.

Surrealismo e Saudade, ambas as visões se dirigem para esse ponto, esse Fogo sagrado, por labirintos onde a palavra se sacraliza e se transforma, servindo-se dos arquétipos onde o inconsciente se une ao consciente e se apresenta como "laboratório" do real e da palavra. Como transformar esse “menos”, essa inexistência de Ser essencial nas coisas existentes, no "mais" que o plano do imaginário possibilita? Esse vislumbre do real é restituído ao homem pela lembrança e pelo sonho, pella imagem transformadora, pela Poesia, o lugar do ser heideggeriano.

Esse ponto imaginal, que buscam os saudosos e os surrealistas, é a impossibilidade possível da Poesia. Isso que em reminiscência e desejo busca o Uno, a Origem, o Indiferenciado. O que é e não, simultaneamente, sem contradição. Esse “Isso” que unifica o “em cima e em baixo”, “futuro e passado”, “real e o imaginário” e, em clarão de síntese, o “mais” que a tudo subjaz, pois nele vive e se faz o "lugar" onde se dá o Encontro.

É essa Realidade, creio eu, esse olhar cego, olhar que queima, olhar livre, que buscam os sábios, os santos, os poetas e os místicos de todas as religiões. É esse “Ser tal qual se é”; essa visão branca de pleno vazio a arder de Plenitude que o coração guarda em si, em tesouro, e que é preciso desvelar para que arda em Liberdade e Amor. Por isso se mata Buda , por falso, quando imaginamos vê-lo, e se mata Cristo, para que nos morra sem morte, ressuscitado em Espírito onde somos Ele. Eesse nenhum espaço e nenhum lugar é a radiosa estrela, a grande aventura surreal. Buscá-lo, só pode ser a Esperança, determiná-lo, o erro do Homem. Viver os contrários, superá-los, talvez seja a única possibilidade irreal ou a única impossibilidade real desta e de outras aventuras poéticas.

1 comentário:

Luiz Pires dos Reys disse...

Texto no ponto. Despontado, portanto.

No ponto onde o texto (saudosamente) se rarefaz.

Raro, como só o real, isto é, o surreal.