quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Padre António Vieira e o regresso do mundo ao vegetarianismo paradísiaco

“Pois se do princípio do mundo até o dilúvio [que se contaram 1650 anos] os animais viviam em paz entre si, e os que hoje feros e domésticos naquele tempo pasciam no mesmo campo pacífica e concordemente, sem se perseguirem, nem se comerem: que muito será que torne o mundo a ver na sua última idade o que viu na primeira ? e [sic] que na renovação da terra e dos ares que considerámos acima se restitua também o temperamento dos animais à constituição antiga com que, sem nenhum milagre nem mudança essencial da natureza, o instinto e apreensão da fantasia os leve aos frutos e às ervas como hoje os convida às carnes ?”

– Padre António Vieira, Apologia das Coisas Profetizadas, p.292.

9 comentários:

Luiz Pires dos Reys disse...

São inúmeros os casos, a oriente e a ocidente, de santos homens a conviverem pacificamente com as "feras".
À "restituição" ao estado "paradisíaco", da natureza pura, sem "pecado" e sem "mancha" (que releva da imagem primordial, sempre intacta e intocável pela imperfeição), acresce a condição "deíficada", correlata da semelhança perdida, então plenamente manifestada na concórdia com todos os seres e criaturas.

Belo texto deste português universal, que tão exemplarmente con-viveu com povos ditos "selvagens" e que muito proximamente viveu o seu modo de vida, de harmonia com a Natureza e a natureza.

Aquela que reflecte disse...

Os comedores de vegetais são tão criminosos como os comedores de animais. Os vegetais são seres vivos e mesmo que não o saibam, sabemo-lo nós. Se sentem vibrações musicais, também sentem vibrações quando estão a ser mastigados. O facto dessas vibrações não serem dolorosas, não invalida a sua condição de ser/estar vivo.
Todo aquele que come, mata. Qual a diferença entre degolar um animal ou degolar uma planta? O verbo é o mesmo. Só muda o ser. Duma forma ou de outra, somos todos predadores. E, num mundo de predadores não há amiguinhos. Há comida! Paparoca!

Luiz Pires dos Reys disse...

Eu creio que esta questão "alimentar" só findará realmente com uma qualquer mutação (espiritual, alquímica, "rácica") na natureza do corpo humano e transcensão da sua carência de alimento para sobreviver.

Quando, quer o "libertação" (a Oriente), quer a "salvação" (a Ocidente e Médio-Oriente) forem sinónimos de saúde no pleno e integral sentido do termo, a questão das necessidades alimentares findará por si mesma. E o negócio que a sustenta e alimenta, também.

Até lá, teremos sempre os que se obstinam na insensibilidade e irresponsabilidade de manterem hábitos alimentares que não só contribuem para um certo tipo de holocausto legalizado, como também contribuem para o desequilíbrio ambiental, como teremos os que defendem uma progressiva consciencialização da ignomínia que está por trás de tudo isto.
Seja como for, fanáticos, fariseus e hipócritas existem em todos os domínios.
Não se deve, por isso, avaliar a floresta por uma só árvore.

A questão da saúde, que se tende a relegar para o domínio da "liberdade" de escolha do que se come, o facto é que ela é tão "livre" como o ser a maioria da população bombardeada com publicidade, propaganda e o correlato condicionamento dos hábitos e do comportamento, sem sequer disso se dar conta.

Quanto à questão (pertinente, aliás, com base em dados científicos) aqui levantada de serem "os comedores de vegetais (...) tão criminosos como os comedores de animais", ela faz sentido até ao exacto ponto em que deixa de fazê-lo: equivale um pouco a dizer que é a mesma coisa matar um adulto e matar uma criança. É "a mesma coisa", e não é.

Por isso, eu continuo a dizer: a solução disto está (sem embargo das acções de defesa dos animais e protecção da saúde pública e ambiental) na procura duma mutação da natureza e da natureza do homem: falam disso várias tradições espirituais antigas, bem como seus vários desenvolvimentos hodiernos mais actualizados.

Haveria, por exemplo, que reaprender a prática do "jejum" como processo não apenas ascético, mas também "eco-sófico", isto é, como um elemento (e um só apenas), friso), na reaprendizagem da sabedoria de vida.
Saber comer e saber não-comer são coisas muitos afins e interrelacionadas.

Fôssemos todos mais sábios e menos ego-centrados, fôssemos nós mais "eco-centrados" e menos laxos, indiferentes e insensíveis, e a própria consciência nos "ditaria" naturalmente comportamentos mais equilibrados e harmoniosos.

Sebastião come tudo disse...

Só sei que se apanhar alguma criancinha agarrada a uma folha de alface como se não houvesse amanhã, atesto-lhe um bofardo na carinha laroca que é para aprender a respeitar o paraíso vegetal. Depois, sento-me debaixo de uma frondosa e bebível árvore de chá, se possível, em cima de formigas, enquanto devoro uma suculenta bifana que é para não serem porcos! Levo comigo o papagaio ao qual já dei corda para que repita vezes sem conta: "Ó Sô livre, Sô livre?!.." enquanto pontapeio o gato vadio que não pára de se reproduzir e corro atrás duma galinha mafiosa para fazer um arroz de cabidela com ovo a cavalo, ementa do logo ao jantar.
Tudo acompanhado por um sumo de laranja assassinada, comprada no cemitério frutal de um qualquer supermercado. Ou sumo de uva.

A cultura é um repasto tremendus.

Sem hipocrisia? Comamos os pratos e os talheres e a toalha.

Anónimo disse...

À noite, divirto-me a ver tourada enquanto dou uma vista de olhos nas "Farpas" do Ramalho Ortigão. Eça é que é Eça!

Luiz Pires dos Reys disse...

Há modos de vida e vidas a seu modo.

E há (entre as coisas que não dão fome nem dão de comer) o sebastianismo. Desse, há o do costume, há o que é costume e há o costume do que há.


P.S.
A sebastina criatura, entretanto, que reflecte, no meio disto, alimentar-se-á de quê (pergunta-se)?

Já sabemos que come tudo. Mas será de tudo um pouco, ou um tudo nada de pouco mais do que nada quase?

O que fica visto é que prega aos vieirinos peixes (hoje, enlatados), tem (cor de) lata que nem um carapau, e é patusco como um peixinho-de-horta.

Bom apetite!

Trinca-espinhas disse...

Hoje comi ervilhas e chorei.

Luiz Pires dos Reys disse...

A mim admirar-me-ia é se alguém dissesse que tinha ouvido as ervilhas a chorarem.

E, porém, elas choram. Choram, "de dores de parto".

Choram por que em nós nasça uma semente, uma flor, um fruto e um animal menos inumano.
E mais... natural.

Talvez por isso haja quem acabe por contentar-se com trincar as espinhas.

Pudera... pois as espinhas, ao que se sabe, não choram.
Picam, e fazem chorar.

espinha en-latada disse...

- Gostas de vieiras? - Diz a espinha para a ervilha. - Nem por isso, responde o carapau.

As ervilhas choram na lata, o seu ser picante e conservante.