segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

A vida a sério e a morte da (na) seriedade


“Nada há mais lisonjeiro para os amadores do génio do que conceber o génio como todo-poderoso senhor da vida dos homens. Mas quem zela mais a verdade do que os senhores homens de génio sabe que o génio ou é espírito ou nada é. Se é espírito, ele não pode conduzir, dirigir, guiar, coisas estas que o espírito ignora (o espírito verdadeiro mostra, não conduz). Muitos homens puseram, certamente, o seu génio a servir as próprias ambições. Eles quiseram conduzir, dirigir, guiar, acabaram por ser conduzidos, dirigidos, guiados para o que muitas vezes não esperavam, e não poucas vezes para a morte ou para a ignomínia. Os séculos volvem uns atrás dos outros e os homens de espírito vão atraiçoando a sua missão continuam a pregar que conduzem, que dirigem, que guiam. Ora quando todos os homens compreenderem o não-sentido disto e se convencerem de como cada um cumpre guiar-se a si mesmo, convicção que não seja mera convicção externa, mas que traga consigo o sentido da necessidade de transmutação profunda dos valores do sentir, saber e julgar nela implicados, o sentido do esforço pessoal e de incomunicáveis resultados a realizar para atingi-lo, começará a vida sobre a terra. Até isso só poucos vivem, até lá está-se na fase de preparação da vida, não na vida.”

|José Marinho, “Sociedade e rebanho”, in Ensaios de Aprofundamento e Outros Textos, INCM, 1995, pp.123-124.

4 comentários:

Paulo Borges disse...

O espírito é mestre em não o ser!

Marinho é um grande pensador ignorado.

Antonio Cardiello disse...

talvez uma tradução em italiano de algumas suas obras ajude na divulgação do seu pensamento, pelo menos lá fóra. Vou pensar nisso...

Paulo Borges disse...

Uma excelente ideia! Há que dar a conhecer à Europa e ao mundo o pensamento português.

Ana Rodrigues disse...

Grande lucidez e originalidade.