domingo, 3 de janeiro de 2010

Para uma sabedoria entre - Do terceiro excluído ou do tao inter-calado



(Laozi encontra Yin Xi, o guardião da porta do Tibete)

"Do princípio de não-contradição Aristóteles extrai o do terceiro excluído como sua consequência (em gamma, 7): não há nenhum intermediário entre enunciados contrários, pois é preciso necessariamente afirmar ou negar um mesmo predicado, seja qual for, dum único sujeito. Ou é verdadeiro, ou é falso, isso é ou não é, não há meio entre os dois, tal qual o pode ser o cinzento intercalando-se entre o preto e o branco; há, não "dégradé", mas exclusão e resposta apenas por sim ou não. Pois, a partir do momento em que se toma como ponto de partida uma definição, definição que vem ela própria da necessidade em que se coloca o outro de "dar a cada termo uma significação determinada", é suprimida toda outra possibilidade emergindo de "entre" os contraditórios. [...]

A partir do momento em que a contrariedade primeira, a do ser e do não-ser, serve de base a este princípio do terceiro excluído, pretender haver um intermediário entre estes contraditórios "não é dizer nem do ser nem do não-ser que ele é ou que ele não é" (gamma, 7), não é nada mais dizer de todo e o pensamento soçobra, inelutavelmente, desfaz-se e não mais pensa. Entrar no pensamento taoísta, em contrapartida, é precisamente reabrir a possibilidade desse "entre", metaxu, que Aristóteles aqui exclui. Pois a efectividade inesgotável de que "tao" nomeia a fonte, esta capacidade sempre em recuo do visível e que, por aí, se separa das marcas tangíveis que constantemente dele decorrem, essas mesmas que regista a definição, não pode ser apreendida nem segundo a categoria do "há" (you), que descreve o tangível, nem tão pouco segundo a do "não há" (wu), que constata a sua inexistência. Daí a expressão contraditória, desfazendo a sua oposição, que é a única que o caracteriza: "chama-se [o tao] configuração sem configuração, imagem (fenómeno) sem realidade (concreta)" (Laozi, 14). Do tao, poder-se-á também dizer que não é nem um nem o outro e que participa de um e do outro: ele é apreensível-inapreensível, a sua única característica é ser incaracterizável [...]. Pois, pela virtualidade que deve ao seu constante desenvolvimento, a montante do concreto, ele não se deixará acantonar em nenhuma actualização particular que o manifeste no seio do visível. Mas é também dessa efectividade inesgotavelmente operativa, e demasiado subtil e difusa para não permanecer invisível, que procede toda a manifestação de existência.

[...]

Não se apreendendo o tao senão entre os contrários há/não há, a única caracterização que lhe convém será, não a do claro e do distinto, promovidos como são em exigência da razão europeia, mas, exactamente ao inverso, [...], a do "vago" ou do "vaporoso" (hu huang). Como ele não tem nem a opacidade e massividade das coisas, nem tão pouco o estatuto de pura idealidade que serve no pensamento grego, desde Platão, para definir o mundo das Formas e do inteligível, como ele não é nem fenomenal nem abstracto, mas (se) fenomenalizando-defenomenalizando constantemente, não é susceptível nem de contorno definido nem de determinação intrínseca, e o seu único traço marcante é o "indeciso". Enquanto efectividade, não é nem material nem espiritual, a partir do momento em que um seria distinto do outro, mas, evoluindo entre estes pólos, o seu modo é o do subtil e do dissolvido, do desligado e do decantado (wei, jing); apreende-se, não segundo os termos antitéticos da presença e da ausência, [...] mas na sua constante transição, nos estados da reabsorção e da emergência, manifestando-se simultaneamente no modo do ambiente e do evanescente 1".

1 - Cf. o que já notei do pintor chinês que pinta "entre há e não há" (you wu zhi jian), em La grande image n'a pas de forme, capítulos 1-3.

- François Jullien, Si parler va sans dire. Du logos et d'autres ressources, Paris, Seuil, 2006, pp.85-87.

Sem comentários: