sábado, 7 de novembro de 2009

A Pintura é um olho cego que continua a ver, que vê o que o cega



Bram Van Velde, Sans titre, 1936/1941
Guache sobre cartão, 125,8 x 75,8 cm
Doação de Samuel Beckett, 1982
Centro Georges Pompidou
(imagem do Google)

Pintar é acercar-se do nada. Pinto a impossibilidade de pintar. [...] o importante é não ser nada[...]. A Pintura é um olho cego que continua a ver, que vê o que o cega [...]. Para ser autêntico é necessário submergir-se, tocar o fundo [...]. Dizer o nada [...]. Não ser nada, simplesmente nada [...]. A arte é um esforço para o impossível, o desconhecido [...]. É necessário tratar de ver onde ver já não é possível ou onde já não há visibilidade [...]. Não assino as minhas telas. Não se pode pôr um nome no que ultrapassa o indivíduo [...]. Para chegar a certo algo, é necessário não ser nada [...]. Importa avançar sem saber nada, inclusive sem saber aonde se vai [...]. Tal é o que me permite fazer visível o invisível [...]. A pintura é o abismar-se, a imersão [...]. Quanto mais se está perdido, mais se é empurrado para a raiz, a profundidade [...]. O que sai de mim é sempre desconhecido. Tal é a razão de viver neste perpétuo assombro [...]. É terrivelmente difícil aproximar-se do nada.

- Charles Juliet, Rencontres avec Bram van Velde, Fata Morgana, 1978.

2 comentários:

Donis de Frol Guilhade disse...

Estas palavras são silenciantes, Paulo: em trespasse e paradoxo.

São boca cortada ao meio, numa boca que é o próprio meio que não há.

São o gume da lâmina de que somos o corte, ou não somos sequer.

São a seta com que o arco lança ao alvo a nossa espectativa da própria inconsequência de algo esperarmos.

São a catástrofe de pensar-se que seja a linha o princípio da geometria, quando é (e quiçá nem isso) a geometria que ordena os princípios, que se não importam com isso de ordenar o que se furta à ordenação.

A arte, creio, é precisamente esse exaltante derrame do nada que nos inunda o olhar sentindo, ou o sentir pensando.

É rapto, mas êxtase não é. Se o fosse, morreríamos a cada delícia: que é o que há, mas não é.

Donis de Frol Guilhade disse...

Corrijo:
Onde se lê "espectante", deve claramente (risos) ler-se "expectante".

É o que dá começar um texto ousando falar do que é silenciante. Troca-se logo os ss pelos xx, como quem troca as pernas.

(É uma espécie de variação de pronúncia "sibilante". Um pouco como a outra, dos vv pelo bb...)