E pergunta-lhes se conservam memória de mim, como penso.
Saúda o Palácio do Xarajibe da parte dum donzel
Que perpetuamente suspira por esse palácio.
Morada de leões e de brancas gazelas
que ora parece um covil, ora um gineceu!
Quantas noites não passei, à sua sombra, divertindo-me
com mulheres de largas ancas e cintura delicada,
brancas e morenas que faziam na minha alma
o efeito de espadas refulgentes e de lanças escuras!
E a noite, deliciosamente passada, junto do açude do rio
Com a donzela cuja pulseira semelhava a curva da corrente…
Ela continuamente me embriagava, ora com o vinho dos seus olhares,
Ora com o da sua taça, ora com o dos seus lábios.
As cordas do seu alaúde, feridas pelo plectro, faziam-me estremecer
Como se ouvisse melodias de espadas nos tendões do colo inimigo.
Ao deixar cair o manto, descobria seu corpo, ramo de salgueiro
Brilhante, como quando do botão surge a flor!
[Poema de al-Mu’tamid dirigido a Ibn Ammar, falando-lhe da bela Silves, em que este último residia, e onde viveram as suas juventudes livres e apaixonadas, como qualquer jovem vive ou sonha viver. Por enquanto, a amizade e o amor que existia entre um e o outro, era um elo difícil de fazer quebrar. Já o tempo, essa invariável linha de nascimento, se encarregou de o destruir, e as suas existências acabaram tão tragicamente como os momentos que as levantaram.]
1 comentário:
Que aromas de saudade nossa, aqui se alevantam da boca duma alma árabe... que nos antepassou!
A quantos poderemos nós, em verdade, dentre os que nos conhecem ainda ou já esqueceram, a quantos perguntaríamos "se conservam memória de nós, como pensamos"?
Ousá-lo-iamos, ou refrear-nos-ia antes o tíbio receio de que assim se nos mostrassem como são, isto é, como estão, e não estão?
Nesta diferença, e na distância que a lavra e sulca, há tanto daquilo que melhor fôra jamais houvessemos perdido!...
Assim fosse e, por certo, "perpetuamente suspiraríamos por esse palácio" íntimo: da memória e da saudade do eterno.
(Gratíssimo, meu amigo, por esta memória antiquíssima do Al-Gharb da minha infância, eu que nasci - mouro de alma e de ardor sagrado - na moura encosta do Castelo da tão amada Uphiussa, cidade das serpes da nossa origem anteprimeva.)
Ah, terra minha de árabes e moçárabes...
Oiço ecos de nenhures "ao deixar cair o manto" do inútil e do vão, "descobrindo o corpo, ramo de salgueiro".
Corpo e alma brilhantes, eu os almejo, "como quando do botão surge a flor": " memória de mim, como penso"...
"Ah, minha Shilb!"
Silves da alma, saúdo-te às margens do rio que me adentra, em ser mar, marão de amores em ilha de mais vivente exceler.
Hei-de ser o que hei ser!
"Ish Allah!"
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