quinta-feira, 19 de novembro de 2009
O mito é o nada que é tudo
O olhar da esfinge é esfíngico e fatal, porque a esfinge nunca olhava nada mais, do que o caminho fatal sobretudo daqueles que vieram para responder a pergunta que nem a esfinge sabia responder. A pergunta da esfinge era um enigma mesmo para a esfinge e quando a verdade se exprimiu através da boca de Édipo, ela, pela primeira e ultima vez, se reconheceu como mero instrumento do caminho do homem e da sua verdade. O olhar esfíngico e fatal é este olhar distante sem distancia porque é somente um olhar para o exterior e a Europa que olha com olhar para além do mar num gesto melancólico ainda deseja mais, e ainda não sabe nada de si. Mas o mito é o nada que é tudo. E o mito da Europa revela o verdadeiro rosto, mais assustador do que o olhar esfíngico e fatal. O mito que é tudo revela-se na genealogia da donzela do Oriente chamado Europa, sequestrado e estuprado pelo Deus violento e luxurioso Zeus para dar a luz o Rei Mino, o fundador do mercantilismo naval e da tecnocracia, que contrata o inventor Dédalos, a plena consciência científica, que inventa o Minotauro e o labirinto, o primeiro fracasso do humanismo europeu e o espelho da consciência ocidental. Aí Ariadne, com o fio vermelho na mão, o fio vermelho da historia de um continente fundada sobre guerras e massacres, a cor vermelha que é a cor do sol-pôr e (também) da alvorada. Do mesmo sol que derreteu as asas de Ícaro, este filho trágico da cultura europeia, filho da hipocrisia e da soberba, irmão de Dom Sebastião e pai de todos nos europeus. E aí também Dionísio e Teseu, uma dialéctica entre o dionisíaco e o apolíneo, a eterna guerra em nos. O mito que é nada é o tudo, mas ainda não entendemos o mito, ainda não nos reconhecemos, olhando ainda com o olhar esfíngico e fatal sem saber o que retribuir ao Reino Oriental, por ter roubado a donzela da praia dourada de uma Índia Ídeal.
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1 comentário:
Tocaste no ponto que queria desenvolver a seguir, Dirk. É preciso pensar o rapto de Europa, que ainda prossegue no arrebatamento com que fita, com olhar esfíngico e fatal, o além de si. Portugal é a quinta-essência desse arrebatamento e a possibilidade da Europa se evadir de tudo isso que referes, se evadir de si! Mas, para tal, Portugal tem de morrer. Temos todos de morrer!
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