Fonte da imagem: arquivo do Google
Com as sandálias e a espada de seu pai, Teseu caminhou todo o dia e toda a noite, e todos os dias
e todas as noites, até chegar ao labirinto do tempo, onde se fecha e abre a porta sem porta de onde nunca se regressa. O labirinto é um nó que se desata só com os pés descalços. As sandálias de Teseu não tinham asas e a espada não cortava o medo. Uma espada é uma lâmina para abrir a fina flor da teia. A teia era uma estrela na árvore. O leitor leu que as velas pretas para a partida seriam o luto com que o branco manto de Ariadne haveria de cobrir-lhe o rosto. Os espelhos no labirinto eram as águas dos lagos. E os pássaros eram mudos como suspenso tempo. Entre as árvores a brisa calada trazia para a luz o silêncio dos peixes a deslizar nas águas. O som da água entre o corpo escorregadio e rápido dos peixes era como brilhos coloridos na profunda altura da luz. Não havia nenhuma gruta onde esconder o diadema. Os versos estavam seguros por um fio que escorregou das mãos de Ariadne. As sandálias do deus correram a agarrá-lo. As mãos de Ariadne voltaram a segurar o fio de lã. O oiro brilhava como uma luz que lhe saia das mãos, como uma seda amarela. A seda cobria o caminho por onde o oiro do fio passava. Ariadne entrou no labirinto por um caminho que lhe tinham ensinado os flamingos. Os flamingos levantaram voo, enquanto o deus chorava dentro de uma rocha aberta no mar. Essa rocha falava e cantava como se fosse uma ilha em forma de sereia. Uma sereia como uma ilha. Teseu trocou as velas brancas pelas velas pretas e o navio foi tocado pela ira, mergulhou no mar com o som de muita água a bater no fundo Oceano que o salvou. O mesmo que o haveria de esperar depois. O castelo de lume é um imenso labirinto onde os pés vão descalços sem deixar qualquer vestígio ou sinal. O labirinto tem à entrada a cabeça de um touro. Dentro do labirinto há borboletas que voam em círculo, asfixiadas de luz. A voz do Oráculo calou-se. Ariadne segurava o fio e a espada levantou o punho como que para abrir a tela do tempo. A tela do tempo era um desenho em espiral, como um imenso labirinto em forma de ilha, em forma de castelo onde Dionísio costumava plantar a vinha. Ao ver a beleza de Ariadne coroa o seu amor em ouro e pedras. Tornada rainha do eterno abandono sobe aos céus para sempre entre a Serpente e o poderoso Hércules.Ariadne adormece entre as sedas pretas e brancas dos navios que se movem sobre a cabeça coroada do tempo que a visita em Saudade, como o dia se afunda na profunda noite e a noite emerge e arde no altar do dia.
3 comentários:
Maravilha! Um texto em espiral, uma filigrana polissémica, cuja leitura nos aproxima do torvelinho da contemplação das imagens imensas de Escher - labirínticos, porque nos (des)sonhamos lineares? :)
EN-T-RE LABIRINTOS nos deslocamos na leitura dérmica deste encontro com o desenhar dos Deuses na cidade dos nossos poros e no deslocar por entre poléns de Minotaurus ausentes.
EN-T-RE as tuas mãos repletas de signos e a nossa visão fica um fio de luz com os quais enlaçamos as nossas sandálias puras de Ouro e vamos ao teu encontr`O. Dentro do circulo que contém o labirinto.
O eco enTre labirintos soou-me alhures, em certo nenhures de todo o lugar.
Ali, onde o fio é desfiar das vias sem tempo, numa certa "vita nuova" que nos (en)caminha... ao nosso, alfim, lugar insituável.
Beijo o raro tecido deste texto, Maria.
E beijo a tecedeira que em alma o teceu, no tecer-nos.
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