Fiquei a pensar como seria a tarefa de contar as minhas sardas...
Quando era criança, morei num bairro de pescadores, em Fortaleza, onde os
miúdos traziam na boca histórias fantásticas. O Vavá tinha a cabeça
achatada e explicava que era assim porque a mãe quando grávida tinha
caido no chão bem em cima da barriga. Recordo o meu espanto com tal
explicação. Se ela tivesse caído de lado, como seria o perfil?
Um dia o Pirrita aconselhou-me a lavar a cara com o meu xixi para limpar a cara.
A verdade é que sempre tive complexos por ser sardenta.
Na adolescência colocava base e as sardas viam-se por baixo - teimosos
sinais castanhos que não me largavam.
Para as ruivas, o cabelo é da cor
da cenoura e faz todo sentido serem sardentas. Eu que sempre tive o
cabelo castanho, passava por uma falsa sardenta. Com os anos fui aprendendo a gostar destesn pequenos sinais.
No rosto são mais de cem, no corpo outras tantas que invento e não
encontro.
Umas cresceram como se fossem sementes de uma nova gente.
Outras apagaram-se tão cansadas estavam da vida acontecida.
Acordam na
minha pele todas as manhãs.
Vivem comigo desde
criança.
Namoram, casam-se e inventam filhos.
Nunca
as vi morrer.
Talvez na hora do juízo
final.
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