segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Labirintos e “Entre-te-ni-mentos”


A seiva que corre dentro do corpo dos jardins é uma transfusão de luz na alma. Depois chove e a água não pode ser excessiva. Depois vem o sol e o sol não pode secar as folhas, os caules e as raízes. As árvores e as plantas mais pequenas e variadas devem bebê-la na quantidade que mais lhes convém, em harmonia com a sua necessidade e segundo a vontade natural. Assim deveria ser a vida do homem com a natureza. Todo o excesso e falta matam e destroem. É preciso deixar a Natureza fazer o seu trabalho e ao Homem pensá-lo e respeitá-lo. À Poesia, à Religião e à Filosofia, cabem a arte de fazer transbordar e transgredir. Para que se abra o Real, mostrando-o “Outro” no Mesmo. A Árvore na árvore, a Pedra na pedra. E no intervalo disso, no meio de onde não há meio, porque não há medida, no “Entre” de tudo isso, algum deus saudoso nos acena, como uma encoberta ilha.

A arte de “entrar” nessa Realidade não tem porta nem passagem, está para além das portas. Está para além das passagens. É de uma natureza outra, segundo uma nova ordenação. Coberta de sombras, essa fenda, essa passagem, esse interval de luz e de treva iluminados é onde o Poeta vê as palavras como se tocasse um mundo novo e Original: invisível e velado. Este é o mistério do mundo: ser e não ser. Os poetas e os contempladores vivem no «entre-ser» de tudo. As suas vidas são devir saudoso. Porque a “Saudade” é o “entre-tempo” e o “entre-espaço”: uma sombra real, uma luz velada, um mistério e um milagre maiores do que a vida que nos sentimos viver. Aí, o olhar é cegueira iluminada. Existir Isso, tonar-se visível Isso é a possibilidade de haver mundo e vida e a sua mesma impossibilidade. O homem é um paradoxo de si mesmo e a “arte” uma impossibilidade tornada possível. Viver a arte é cair nesse “intervalo”. Uma queda no abismo, “entre-realidades”. E, contudo, elas são a mesma, de uma outra maneira. Viver a Saudade é não existir. É ser do mundo, não estando nele nem fora dele, porque o não podemos estar e ser.

“Estar” e “ser” são dois estados. Verbos de Poetas e filósofos. No “intervalo” sonha-nos o mundo de olhos abertos, como veias por onde cresce a realidade e “nevoeiros” de onde se avista o véu da ilha que sonha vir ao nosso encontro, impossível juntá-los nesta ilusória dimensão. Segundo a Necessidade, a Beleza e o Amor, nos tornamos anjos, ninfas e nereides. Talvez cisnes, para adornar jardins. Segundo a Justiça e o Bem, nos tornaremos solitários. Como aqueles que se afastam para o deserto, hesicastas da alma, “amerímnios” do “estar”. Também como os que sobem montanhas e delas se salvam, como se tivessem “aprendido” a voar; como os derviches na saudação dos átomos e do amor que salva na dança, para que no movimento giratório tudo seja o mesmo no encontro com tudo. Às águias e aos falcões a natureza deu, em medida certa e justa, as “ferramentas” necessárias e originais. Aos “magos” o poder da transformação e da ilusão. Transformar em ouro na alquimia do coração, o real, é uma via morosa: é uma “combustão muito lenta, muito paciente”, como um esquecimento que se quer lembrado, um tempo que se quer eterno; um som que se ouve divinamente ausente. Silêncio que se quer Silêncio. No “intervalo”, ninguém se encontra e até o silêncio se ouve distinto. Como erguer pontes sobre o abismo entre uma coisa e outra coisa? É como aprender a ler sem necessidade de alfabetos ou de conceitos. É ver. O segredo é ver o invisível e pensar o impensável. Pensar a vitória sobre o Minotauro que somos é entrar no labirinto sem temor. Neste labirinto não há entrada nem saída, há mutação. Há sempre o que morrer em nós. Somos peles ressequidas em mudança e nunca deixaremos de existir. Podemos cobrir de penas essa nova pele. Criar um novo animal em nós? Não é o que somos, finalmente? ... “animais divinos” criados por nós? … Entretenimentos e interlúdios entre ser e ser? Amo as rosas que existiram: a-manhã!…

5 comentários:

Isabel Metello disse...

Lindo, nenhumnome, comoveu-me :)

Anónimo disse...

Grata, Isabel,

... até a mim me comoveu... :)sorrio-lhe também).

rmf disse...

Procurar por dentro, o que não existe por fora.

Entre, uma fina membrana que nos permeia de vazio.

E a saudade.

Belíssimo texto!

Anónimo disse...

Aceno-te, Rui e saúdo-te.
São textos que me ocorrem naturalmente e tal como vêm a ideias, assim as faço apontamento e rascunho. São conversas comigo mesma e com o que observo. Sem qualquer preocupação de censura ou julgamento disso mesmo que me ocorre e que aponto sem emendas. São inquietações e perguntas, sem preocupação de resposta. Por isso mesmo sem procurar razões.

Romper essa fina membrana é já não perguntar...

Um abraço entre abraços.

rmf disse...

É magnífico, belíssimo!

Um abraço, Nenhumnome.