quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

"Uma parte do ser é o Prolífico, a outra o Devorador" (William Blake)

 
Lambeth, gravura de William Blake, in The Book of Urizen, 1794.

Os Gigantes que modelaram este mundo e lhe deram existência sensível e parecem agora viver nele acorrentados são, na verdade, as causas da sua vida e as fontes de toda a actividade; mas as correntes são a astúcia de espíritos débeis e submissos, capazes de resistirem à energia; segundo o provérbio, o fraco em coragem é forte em astúcia.
Assim, uma parte do ser é o Prolífico, a outra o Devorador: para este é como se o produtor fosse seu prisioneiro; mas não é assim, ele apenas toma partes da existência e imagina ter o todo.
Mas o Prolífico deixaria de o ser se o Devorador, como um mar, não recebesse o excesso dos seus prazeres.
Alguns dirão:
– Não é Deus o único Prolífico?
Eu respondo:
Deus apenas Age e É nos seres existentes ou Homens.
Estas duas espécies de homens existem sempre sobre a terra e devem ser inimigos: quem quer que tente conciliá-los busca destruir a sua existência.
A Religião é um esforço para os conciliar.

William Blake, A União do Céu e da Terra, tradução de João Ferreira Duarte, Via Editora, Lisboa, 1979, pág.39

1 comentário:

Anónimo disse...

Não sei se clarifica ou se obscurece o que aqui é dito, mesmo assim, aqui, digo o que digo:

Em potência todas as qualidades existem no Ser inconsciente disso mesmo. Só os contrários no ser geram a criação. Agrilhoado, o Homem, visiona esse ponto de união mística com o Todo, o Regresso impossível.

O “Pai de Si mesmo”, continha em si tudo o que existe num estado de inconsciência, num estado incorruptível, eterno e insubstante. Toda a história da Criação e da União concebe o Mistério da geração.

Para os gnósticos, Aipolos é o ponto sem existência real, em torno do qual todas as qualidades existem e tudo gira. O “yod”, o “ponto” de luz que torna plenas todas as coisas: a Androginia Primordial: “Eu, eu mesmo me uni a mim…”; o dragão urobórico que a sua cauda devora é anterior a toda a existência. Toda a criação exige o sacrifício da imortalidade.

O Génesis bíblico e os mitos da Criação a ele remetem. Os mistérios alquímicos apontam no sentido do mesmo “punctum solis”, centelha e origem de todas as coisas. O que contém em si o seu contrário. Nada pode existir no mundo, enquanto esse ponto eterno a si mesmo se unir...

Surgida, Sofia celeste, da centelha divina, em si mesma geraria o Fogo e a Treva, o “monstro” de que se envergonha, o “mesmo” que teria tapado o rosto de Maria, ao ver Cristo gerar de si mesmo o ser Feminino ao qual se une. É o sofrimento de Sofia que possibilita gerar o Filho que a redime. É no ventre de Maria que é gerado o Cristo Vivo.

Entre Razão e Desejo, a oposição Urizen/Orc; Javé/Satã, Blake cria a sua mitologia, de onde surge, a figura do deus forjador...

Desculpe a volta do pensamento. Creio, contudo, "entreler" na afirmação, essa união
buscada na "religação" do homem,sem deixar de ser em si a dupla face: a do "Prolífico" e a do "Devorador"...

Um beijo.