Acabei de ter o meu primeiro banho de multidao. Delhi, avenida Mahatma Gandi, fim de tarde, hora de ponta. O ruido permanente das buzinas tem uma funcao preventiva e ordenadora. E (devia ter acento) a dimensao audivel do transito estratificado por castas: do ricoxo a lambretas-taxis, de motoretas (numa iam tres pessoas e uma delas, de pe, bracejava como um policia sinaleiro para facilitar a travessia em contra-mao, na diagonal e aos zigzagues, a avenida) a autocarros sem luzes e outros com poucas luzes, uns apinhados com gente a sair pelas portas traseiras, outros semi-vazios, carcacas de latao fumegantes mas decorados com fitas douradas pendentes dos vidros traseiros, e muitos automoveis, alguns teimando em circular contra a corrente formada por uma massa continua de veiculos motorizados que aparentemente se deslocavam numa arteria de sentido unico. Um verdadeiro trafego darwinista.Mas incrivelemente nao vi, apesar de muitas ameacas, uma unica colisao. Percebe-se que ha um codigo que funciona. As buzinas dao o tom a este sistema mais que dinamico, um caos de milhares de unidades discretas que para o meu olhar estupefacto e contemplativo parece um fluxo, uma corrente que avanca ininterrupta, um hino a diversidade da luta pela vida.
- José Eduardo Reis, Nova Delhi, 5.2.2011 (sem acentos, para respeitar o original)
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