segunda-feira, 31 de maio de 2010

O que é para mim a Poesia

Vi um anjo na pedra e lutei com ela até o libertar. 
Michelangelo

I know nothing in the world
that has as much power as a word.
Sometimes I write one, and I
look at it, until it begins to shine.
Emily Dickinson

Estes dois, o poeta da pedra e a poetisa da palavra, conseguem expressar o mais profundo significado que a poesia tem para mim. Imaginemos que as palavras são como pedrinhas. O não-poeta, o que se julga poeta, mas não o é, pega nas pedrinhas e junta-as, chamando a esse conjunto um poema. O poeta não. O poeta respeita as palavras, respeita as pedrinhas, como Michelangelo respeitava as pedras. Cada palavra tem em si um anjo aprisionado. Não basta juntar palavras bonitas e amontoá-las. O poeta sabe o lugar de cada uma em relação a todas as outras. Todas as palavras têm um anjo e são igualmente importantes, mas o anjo só é libertado pela sinergia entre elas, pela colocação de cada uma delas no lugar certo. Então, o poeta, junta as palavras, como pedras e sabe quais as palavras que ligam umas com as outras, quais as que pertencem a outro poema e guarda essas. Depois pega nas que sobraram e coloca-as no lugar certo umas em relação às outras e elas começam a emitir um ligeiro brilho. Mas não é o brilho da poesia. É o brilho do despertar da poesia. Há que guardar mais algumas palavras ou procurar uma que está escondida. E depois ainda há que baralhá-las de novo e respeitar a distância ou o amor entre elas. E polir o espaço entre elas e algumas palavras são como estrelas no céu, mas outras como laços de seda ou veludo da cor da noite, outras ainda como caules ou rios, umas pulsam, outras descansam. E começam a brilhar com a luz da poesia e o poeta apaixona-se por elas e é com esse amor que lhes dá o polimento final que liberta o anjo nelas. E só então temos um poema. E o conhecimento do poeta para fazer isto vem da sabedoria e verdade iniciais. De nenhum outro lugar. E é por esta razão que todo o poema, todo o poema verdadeiro, se inicia com um despertar. Não das palavras, mas do poeta.

1 comentário:

Anónimo disse...

Já comentei algures o que aqui não me escuso de repetir. Digo:
Que texto iluminado!
É a forma que é o vazio e o vazio que é a forma, quiça o que Miguel Ângelo faz surgir do anjo cego que lá vivia dentro, à espera de partir o ovo e abrir à luz do Mundo, vencendo na pedra o peso e erguendo-se(lhe) em espírito e em luz as asas; é o poeta a contemplar a plavra com o coração e o canto aceso e brilhante que mora em cada coisa que há e que o poeta sonha...
Não digo mais, porque o que é dito é, serenamente o que é, lucidamente; belamente.

Gratíssima por este texto maravilhoso, claro e limpo; brilhante como estrelas que despertam...