terça-feira, 16 de março de 2010

A liberdade doente



* Imagem selecionada da Internet. Sem menção de autor.




Os convites para sites de relacionamento e chat, que chegam todo dia à caixa de e-mail, em geral vêm em nome de alguém de nossa lista, que no entanto pode não ser o autor da mensagem. Não só os vírus e spams nos chegam desse modo. Os convites vêm em tom invasivo e falsamente descontraído, mas não passam de marketing, já tão incorporado a nosso dia-a-dia que às vezes nem nos damos conta. Por que estranhos a léguas de distância estariam preocupados em nos trazer de volta amigos extraviados ou antigos colegas de escola e de trabalho? Sempre o mesmo pretexto para oferecer produtos supérfluos, serviços que ninguém pediu e outras mercadorias perfunctórias, esse tipo de mídia eletrônica onde piscam mil e um patrocínios de construtoras, lojas, hotéis, carros, utilidades, inutilidades, garotos(as) ou amigos de programa, que em certos casos pagam para se oferecer via internet.

Cada vez mais forças externas tentam dirigir os atos que deveriam ser de iniciativa exclusiva de cada um. Isso lembra muito 1984, de George Orwell, ou Admirável mundo novo, de Aldous Huxley. Outro dia, revendo Zorba, o Grego (grande filme!), e vendo os camponeses de Creta esperando a morte de Hortense para saquear sua casa, pensava na analogia entre aquela cena e a constante intrusão de empresas e pessoas que insistem em nos convencer de que o melhor para nós é o que eles querem. E o que pretendem com isso? Empurrar-nos alguma coisa em troca de dinheiro e/ou submissão para fomentar seu poder.

Por conta dessa luta de interesses, o mundo às vezes parece um grande manicômio. O inconsciente coletivo virou um amontoado de noções sem fundamento e preconceitos distorcidos explorados por aventureiros. Diante desses, os sofistas da antiga Grécia eram seres sem malícia. Nos anos 1960 passamos por um período em que as ideologias se digladiavam e geravam debates e contendas sem fim. Agora porém as ideias e visões de mundo chegam aos pedaços, mal assimiladas e achacadas pelo mercado, pelos políticos e por aquele tipo de gente que corre atrás da fama a qualquer preço.

O lado virtuoso da comunicação em tempo real, que chega da televisão e da internet, traz em seu bojo dois vícios capazes de neutralizar grande parte dessa eficiência e rapidez: a informação chega muitas vezes mal elaborada e quem a recebe na outra ponta quase sempre deturpa seu sentido, por estar mal preparado ou desinformado de dados anteriores, sem os quais a notícia perde seu sentido principal. Diante disso, a mentalidade do público flutua entre juízos precipitados e dúvidas sem resposta; e grande parte das pessoas desiste de entender e se acomoda na alienação, ou então assume uma atitude irracional diante dos acontecimentos.

Talvez tenha chegado a hora de reunir de novo na praça os pensadores, os artistas e o povo, como faziam os antigos gregos na ágora. Quem sabe ainda se consegue plantar em nossas cabeças a semente de uma reflexão sem compromisso com os interesses do dinheiro, do poder e da violência? A liberdade humana é um conceito pouco claro, porque, em qualquer caso, é sempre muito limitada. Mas sem essa reflexão, a liberdade de cada um de nós se reduz a miragem, palavra vazia e imediatista do vocabulário politicamente correto, e só.

3 comentários:

Nuno Maltez disse...

Entre

Será esta breve vida mais do que uma queda no abismo que há entre o antes e o depois?
Em que se constituem estes antes e depois?
Serão eternos e contínuos?
Ou, de modo diferente, cairemos por vezes (ou talvez constantemente) em diferentes planos ou modos de existência?
Será esta vida, que aqui e agora vivemos, experienciamos, apenas mais um dos alguns ou muitos modos de existência que experimentamos ao longo da nossa talvez eterna existência?

Certo é que esta vida é um breve hiato entre o antes e o depois...



Quem se percebe entre o antes e o depois olha já o infinito e obtém um melhor, mais lúcido, entendimento do Universo. Sabermo-nos entre o antes e o depois liberta-nos dos males deste mundo.

Paulo Borges disse...

Desde que o "entre" não seja filho do antes e pai do depois...

Mas vim aqui para saudar a bela e muito justa reflexão do post.

Nuno Maltez disse...

Se o for, é.