segunda-feira, 31 de maio de 2010

O que é para mim a Poesia

Vi um anjo na pedra e lutei com ela até o libertar. 
Michelangelo

I know nothing in the world
that has as much power as a word.
Sometimes I write one, and I
look at it, until it begins to shine.
Emily Dickinson

Estes dois, o poeta da pedra e a poetisa da palavra, conseguem expressar o mais profundo significado que a poesia tem para mim. Imaginemos que as palavras são como pedrinhas. O não-poeta, o que se julga poeta, mas não o é, pega nas pedrinhas e junta-as, chamando a esse conjunto um poema. O poeta não. O poeta respeita as palavras, respeita as pedrinhas, como Michelangelo respeitava as pedras. Cada palavra tem em si um anjo aprisionado. Não basta juntar palavras bonitas e amontoá-las. O poeta sabe o lugar de cada uma em relação a todas as outras. Todas as palavras têm um anjo e são igualmente importantes, mas o anjo só é libertado pela sinergia entre elas, pela colocação de cada uma delas no lugar certo. Então, o poeta, junta as palavras, como pedras e sabe quais as palavras que ligam umas com as outras, quais as que pertencem a outro poema e guarda essas. Depois pega nas que sobraram e coloca-as no lugar certo umas em relação às outras e elas começam a emitir um ligeiro brilho. Mas não é o brilho da poesia. É o brilho do despertar da poesia. Há que guardar mais algumas palavras ou procurar uma que está escondida. E depois ainda há que baralhá-las de novo e respeitar a distância ou o amor entre elas. E polir o espaço entre elas e algumas palavras são como estrelas no céu, mas outras como laços de seda ou veludo da cor da noite, outras ainda como caules ou rios, umas pulsam, outras descansam. E começam a brilhar com a luz da poesia e o poeta apaixona-se por elas e é com esse amor que lhes dá o polimento final que liberta o anjo nelas. E só então temos um poema. E o conhecimento do poeta para fazer isto vem da sabedoria e verdade iniciais. De nenhum outro lugar. E é por esta razão que todo o poema, todo o poema verdadeiro, se inicia com um despertar. Não das palavras, mas do poeta.

domingo, 30 de maio de 2010

Da poesia

Imagem Edgard Hopper

Acredito na poesia como uma experiência que não para de se renovar, e ao longo do tempo pode tornar as pessoas melhores. O exercício da poesia induz o autoconhecimento, sem o qual ninguém sai do lugar. Dá a medida e o peso do que é preciso saber, porque ilumina a razão com a experiência mais íntima das coisas e dos acontecimentos. Aliás, poesia é acontecimento. 

Poesia não serve para rimar palavras ou burilar frases de efeito. Ela relativiza as defesas que criamos para nos aprisionar; remove as máscaras com que tentamos nos esconder ou nos engrandecer. Desmistifica toda fantasia que não exista para celebrar, mas para enganar os outros e a nós mesmos. O exercício da poesia revela a inutilidade de nossos álibis. É o par de asas a nosso alcance.

Acredito profundamente na poesia, porque aproxima estranhos e diferentes, semeia um conhecimento para o qual não existem currículos bastantes, desperta o corpo e a alma das pessoas para uma liberdade que nada pode destruir, porque consegue dizer o que nenhuma outra linguagem comunica. Um bom poema é o simulacro de um momento na vida de alguém, com sua grandeza e fragilidade.

Acredito na força da poesia, capaz de revelar beleza em uma fruta, um corpo ou numa guerra; numa paixão ou num canto de casa empoeirado, na lama da estrada, nas nuvens de chumbo – melhor ainda se o arco-íris não aparecer.

E porque não se impõe nem obriga a nada, acredito que a poesia é a expressão mais verdadeira da difícil liberdade humana.

Marcus Garcia Moreira



O livro “Vidas todos os Dias”, da autoria de Marcus Garcia Moreira, foi produzido no âmbito do Projecto Integr’Arte. O projecto INTEGR’ARTE foi criado pela CERCIESPINHO – Cooperativa de Educação e Reabilitação de Cidadãos Inadaptados de Espinho, com o intuito de dar a conhecer os serviços, valências e actividades realizadas ao longo de 30 anos por esta instituição, sensibilizando a população para a problemática da deficiência.

Neste sentido, o fotógrafo Marcus Garcia Moreira foi convidado a fotografar os beneficiários daquela instituição, nascendo assim a exposição de fotografia “Vidas todos os dias”, a qual resultou na edição do livro fotográfico com o mesmo nome e na apresentação das obras em vários locais a nível nacional e no Brasil.

Nos últimos meses esta exposição iniciou um novo circuito, produzido pela SETEPÉS. Depois de ter estado patente no Centro Português de Fotografia, no Porto, esteve até ao início deste ano no Auditório Municipal Augusto Cabrita, no Barreiro.

Ali teve lugar a apresentação pública desta 2ª edição, bilingue, no dia 3 de Dezembro, Dia Internacional do Cidadão Portador de Deficiência.

A venda deste livro reverterá a favor da CERCIESPINHO, promotora do projecto.

Marcus Garcia Moreira é um fotógrafo, nascido no Rio de Janeiro, cidadão português, formado no Porto na Escola Superior Artística do Porto.

Durante a sua formação realizou trabalhos de criação, produção e organização na área de fotografia, dos quais se podem referir o levantamento fotográfico da Escola de Jazz do Porto, a fundação do Núcleo de Fotografia de Espinho - Infinito Zero, a direcção e produção do trabalho fotográfico para o álbum de estreia dos ADN editado pela EMI – Valentim de Carvalho, e a participação na exposição colectiva “ Sala Bombarda “ com o trabalho “ Lustre “( Aniki Bóbó ) por ocasião da abertura do espaço Artes em Partes.

Em 1998 funda com a artista plástica Carla Moreira e o fotógrafo LimaMil o colectivo Sentidos Grátis com o qual colabora até 2001.

Este colectivo será responsável pela realização anual de um principal evento multidisciplinar com base num manifesto, o qual tem como principais premissas a gratuitidade e a “ocupação” de espaços da cidade, devolvendo-os á participação da vida quotidiana. Após o evento inaugural, o colectivo participa, ainda em 98, no Festival Mundial da Juventude na Costa da Caparica com uma exposição colectiva.

Nos anos de 1999 e 2000 o colectivo recebe durante o Evento 2.0, artistas não só nacionais mas também de países europeus, africanos e sul americanos durante a ocupação do espaço da Rua das Flores – Papelaria Reis – no Porto.

Ainda em 2000 o colectivo realiza varias intervenções em Jardins da Cidade e participa na exposição colectiva dos artistas finalistas da Faculdade de Belas Artes da Universidade Compultense de Madrid, com o trabalho “ Libertações “
Em paralelo a este colectivo está o seu trabalho na direcção, produção e actividade do Núcleo de fotografia Infinito Zero que em 1998 tem a sua primeira exposição na galeria da Livramar em Espinho com o titulo Fotografia Estenopeica.
Em 99 este grupo expõe “ Linhas Cruzadas “ e participa na exposição colectiva comemorativa do Centenário do Concelho de Espinho – 100 Fotos – com organização da câmara local.

Organiza conversas com fotógrafos de diversas áreas, convidados para mostrar e falar sobre os seus trabalhos.Ainda em 99, Marcus participa na exposição colectiva “ Sem Fio Condutor “ na Galeria do Labirinto – Porto, e é seleccionado com o portofólio Paisagens Urbanas para a VI Bienal de Vila Franca de Xira e que nesse ano é apresentado na exposição colectiva na Casa das Artes do Porto, relativa ao Prémio Pedro Miguel Frades instituído nesse ano pelo CPF – Centro Português de Fotografia.

Nesse ano é seleccionado para a exposição relativa ao III Concurso Nacional Jovens nas Artes Plásticas – Francisco Wandschneider da ANJE.Ainda em 99 é responsável pela projecção de imagem e iluminação das performances realizadas com o musico Alexandre Garrett no Café da Praça, no Meia Cave, no Jazz Café e nos Maus Hábitos no Porto.

Em 2000 o Nucleo de Fotografia - Infinito Zero - organiza a exposição colectiva Mostra Zero na Galeria do Teatro São Pedro em Espinho, com a participação de fotógrafos convidados.

Nesse mesmo ano recebe o 1º prémio do concurso Arte XXI - Camara Municipal de Espinho.

Em junho de 2001 participa no Evento 3.0 dos Sentidos Grátis com o trabalho Andy War.

Dá inicio á realização para a Sete Pés – produtora cultural e artistica, das suas primeiras enomendas, e nesse ano editam para a Porto 2001 Capital Europeia da Cultura a brochura/livro “ Tradições “ – Eventos da Memória.Em Setembro estabelece uma parceria, que mantém até á presente data, com o fotógrafo António Teixeira, e em conjunto formam uma empresa que desenvolve trabalho fotográfico para vários gabinetes de design e produtoras.

Em 2002 participa com duas peças pertencentes ao trabalho fotográfico “ Atmosféricos – Um Outro Brasil “, na exposição colectiva no Mercado Ferreira Borges - Porto, que assinalou os 20 Anos da ESAP . Edição de Catálogo. Em 2003 o mesmo trabalho está representado na exposição colectiva de Artistas do Porto na Galeria Labora – Vigo.
Nesse ano obtém o certificado do curso Produção e Montagem de Exposições - Braga, Museu da Imagem – organizado pela Sete Pés e com as formadoras Luisa Ramos e Isabel Corte-Real.

Em 2004 Marcus recebe a menção honrosa do Prémio Fnac – Novos talentos da Fotografia Portuguesa com o trabalho – MAPA.

Nesse ano é publicado texto e imagens do seu percurso no 2º Caderno das Artes Câmara Municipal de Espinho.

Em 2005 participa no Festival Black & White da Universidade Católica, com o trabalho “ Presença Humana “.Realiza Oficinas de Fotografia Criativa para crianças e jovens na Mediateca do Bairro de Anta – Espinho.È responsável pelo trabalho fotográfico das Agendas – Ciências Em Dia e Artes em Dias, editadas pela Sete Pés.

Em 2006 apresenta pequenos formatos no Espaço 100 + nem - , Porto.É publicado parte do portofólio “ Aparições “ coreografia de Bruno Dizien, nos Cadernos do Rivoli – Culturporto.No inicio desse ano recebe a encomenda da Cerciespinho, por ocasião das comemorações do seu 30º Aniversário, para a produção de um trabalho fotográfico editado em livro e corpo da exposição “ Vidas Todos os Dias “, que é apresentado em Setembro em Espinho.

Em fevereiro de 2007 o trabalho MAPA é apresentado na Galeria do Clube Literário do Porto e em Abril na Galeria Sub-Verso em Espinho.

Ainda sob a encomenda da Sete Pés, Marcus realiza a obra ícone do Evento Almoço na Relva, que teve como proposta de criação uma obra fotográfica que fosse uma reinterpretação da obra de Edouard Manet – Le Dejeuner Sur L´Herbe. Esta fotografia de grande formato esteve presente na exposição colectiva “ Almoço na Relva “ na Casa da Cultura de Paredes em conjunto com as obras ( pintura e video ) de Sónia Carvalho e as fotografias de Virgílio Ferreira – Catálogo editado.

Em Maio Marcus realizou uma palestra sobre o seu trabalho, no Fórum da Fnac do Gaiashoping, inserida no Ciclo Novas Tecnologias.

Nesse mês a exposição Vidas Todos os Dias é apresentada na Casa da Cultura de Paredes.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Tenho pão e vinho sobre a mesa e uma história de fantasmas todos os dias quando me levanto. Queres que te conte ou queres que te cante?

terça-feira, 25 de maio de 2010

Não se compreende os lugares afastados da casa. o sítio onde deixámos os chinelos e o miolo do pão. as silvas que nascem e cobrem janelas. sem poesia. dedos que riscam janelas de ténue olhar. despeja gavetas como se ninhos violasse. existir não é verbo reciclável - basta perguntar a uma pedra. fechou-se bem fechada a espaços náuticos incompreendidos. sacos de plásticos em vez da roupa de domingo. anda pela casa amarela. tocando-se nua. à mulher bateu-lhe sol no ventre. muito sol. colocou-se em posição fetal e pariu um filho silencioso. o sol virou costas ao baptismo e partiu

A influência do Budismo e do Daoísmo na Deep Ecology



No próximo dia 27 de Maio, pelas 17h, Ana Cristina Alves, doutorada no pensamento filosófico chinês, dará uma prelecção sobre o tema: "A influência do Daoismo e Budismo na Deep Ecology". A sessão realizar-se-á no Anfiteatro IV da Faculdade de Letras de Lisboa e enquadra-se no curso de Filosofia e Estudos Orientais (entrada livre para esta sessão).

Mais uma iniciativa no espírito ENTRE, o novo paradigma.

arevistaentre.blogspot.com

segunda-feira, 24 de maio de 2010

23 de Maio, Serra da Arrábida, Festa do Espírito Santo

Paulo Borges


X X

F E S T A D O E S P Í R I T O S A N T O

DOMINGO DE PENTECOSTES

23 DE MAIO DE 2010

ARRÁBIDA

11.00 h - Encontro junto ao Convento da Arrábida-Fundação Oriente
Subida ao Convento Velho

11.30 h - Capela da Memória de Nossa Senhora da Arrábida
Celebração

Saudação

O Culto do Espírito Santo, textos de: Agostinho da Silva,
António Quadros e Dalila Pereira da Costa;
participações de Paulo Borges e António Cândido Franco
“Cultura ENTRE Culturas”, o diálogo
“Uma Visão Armilar do Mundo”, por Paulo Borges

Coroação das Crianças

Evocação / Música - Cânticos

Trovas para o Menino Imperador, de António Quadros
Divino Espírito Santo, quadras de Agostinho da Silva

Bodo
13.30 h - Junto ao caminho de Alportuche. Será oferecido o bodo.
Durante a tarde - Confraternização

Convite à livre participação das pessoas presentes.

“Um testemunho recebido, a cumprir e a transmitir. Festas proféticas de
uma Idade de Amor e de Fraternidade Universais”.
António Quadros, 1991
“Adeptos que tinham como ideal o cuidado da Criança, a vida gratuita e a inteira
liberdade para a vida”
Agostinho da Silva, 1991

C O N V E N T O S O N H O
/ A S S O C I A Ç Ã O A G O S T I N H O D A S I L V A

Apoio: Convento da Arrábida - Fundação Oriente



quarta-feira, 19 de maio de 2010

ENTRE na Feira do Livro, 6ª, 21, 18 h



A revista Cultura ENTRE Culturas será apresentada no Pavilhão da APEL, na Feira do Livro de Lisboa, 6ª feira, às 18h, por Paulo Borges, Rui Lopo e Dirk Hennrich. Apareçam e divulguem.
A revista publica inéditos de grandes pensadores contemporâneos: Raimon Pannikar, François Jullien, Jean-Yves Leloup, Hans Küng. Além de Vilém Flusser e do eterno Agostinho da Silva.
Tornar-se assinante é ajudar a viabilizar o projecto de uma revista de qualidade internacional em Portugal. Vejam as condições aqui no blogue.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Quantos poemas são precisos para se fazer um homem?


(pausa)

E quantos homens são precisos para se fazer um poema?

segunda-feira, 17 de maio de 2010

De nada vale a solidão quando as canetas estão todas roídas e um cigarro está por acender

sábado, 15 de maio de 2010

"Metrópole do Mundo, Portugal criou [...] cidadãos do Mundo"

“Metrópole do Mundo, Portugal criou de certo modo, cidadãos do Mundo. Formou-se nesses homens, ao contacto múltiplo dos povos peregrinos, uma consciência nova e unitária da Humanidade. Neles, nas suas obras e nos seus actos, raiou pela primeira vez a vasta e complexa compreensão do humano, na sua riqueza e diversidade. Do humano em todos os continentes e em todas as raças. (...) Humanismo mais pragmático e moral do que filosófico e crítico, ele, dissemos nós, não era apenas uma ideia. Era menos e mais do que isso. Era uma regra de conduta. Um temperamento moral. – Uma cultura em acção. O sentimento duma unidade humana a realizar, quer pela fé, quer pelo conhecimento e pelo amor”.

- Jaime Cortesão, O Humanismo Universalista dos Portugueses.

Miradouro

Se o pecado existisse eu teria pecado cegamente em busca do amor em cada pedaço de mim. Ah, se o castigo inventado fosse a eterna busca, eu teria vivido debaixo da pena máxima de encontrar em cada segundo, o amor que se adivinha e parte...

Nunca prometemos amor eterno, nem quando ele me levou a ver o miradouro atrás do prédio de esquina. Durante o caminho lia a vontade dos outros pintadas a vermelho:

“Amo Inês” ou “quem inventou o amor passou por aqui e se perdeu”

Nos outros dias em que passeei sozinha deixava que meu olhar se perdesse pelo horizonte. O muro que nos protegia da queda certa, desaparecia e eu sonhava que tudo era possível – bastava saber o que se queria. Fossem meus braços asas, fosse meu corpo imagem da minha vontade – matéria que se modela a cada sentir.

Fui a ave caçadora em cada viagem só para matar a fome de ti. Fui o eterno sopro fraco no regresso. Lembrança de ti.

Quando voltava para casa, meu cão fugia pela ladeira fora. Longe foi o tempo em que eu corria e gritava: “VOLTA!”

Noutros dias inventei o amor a três. Ele que ama ela, ela que ama ele, e eu que amo a ideia de amar alguém. Nesse amor trocámos as mãos. Odor intenso do sexo que se adivinhou e não aconteceu. Nesses dias eu sorria e lembrava-me de ti rindo da vida.

O cão volta sempre ao dono, mesmo que o cantinho onde mora seja sombrio. Se ele soubesse como fazer, gritaria:

“SALTA! Inventa o mar, mergulha nele essa fome nunca saciada.
SALTA! Navega até te perderes.
Depois VOLTA!
VOLTA, que a casa agora é branca e o teu sorriso violeta.”

Na minha rua, mesmo na esquina, existe um prédio. Nas traseiras dele um caminho para o miradouro.
Quem está enamorado senta-se num banco de pedra e espera que o sol fique laranja até dizer adeus.

Se hoje não chover subo ao miradouro.
E se eu te disser que o atlântico não é mais que um rio?
se te disser que as algas não são exclusivas do mar?
rir-te-ias com certeza da fauna que me cresce nos dedos.
do rumor da minha carne que sacia os pássaros daquele pinheiral.

não repares no meu estilo torto de andar.
foi provocado por um livro que li à nascença. não sei bem o que dizia.
talvez fosse tarde demais para aprender

sexta-feira, 14 de maio de 2010

A antítese Oriente-Ocidente e a síntese ecuménica

"O que cumpre às elites do Ocidente, suponho eu, é desenvolver o mais breve possível a mentalidade ecuménica, para que a reacção do Oriente nos não apareça nacionalista, mas antes seja uma pretensão de nos obrigar a todos nós, os de lá e os de cá, a adoptar a tese universalista, com a inclusão dos Orientais no nosso novo ideal ecuménico. Por outras palavras: é resolver, o mais breve possível, a antítese oriental-ocidental na nova síntese do ecumenismo"

- António Sérgio, "Seara Nova", 1927.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Apresentação do livro: Uma Visão Armilar do Mundo, de Paulo Borges




Uno e verso
                                                                                                                          Risoleta C Pinto Pedro
11 de Maio 2010
Escola de Medicina Tradicional Chinesa
Palácio Estefânia


Os livros são, também eles, uma espécie de alimento. E há de tudo, como na mercearia, como na farmácia. A mercearia pode ser uma farmácia. Há alimentos que matam, há alimentos que curam. Do hamburger do Mc Donald ao mais requintado  prato.
Se fosse alimento (e é), este livro seria um misto de prato mediterrânico temperado com azeite e coentros, com o requinte de um prato francês, o exotismo de uma sobremesa marroquina, um toque de especiarias: cravinho e canela, e uma pitada das cinzas douradas de um mestre tibetano. Para não ir mais longe.
Para mim, ler estas palavras é como saborear um bombom, algo que delicia, uma guloseima para a alma. Porque aqui concentra e oferece em taça de cristal o que de melhor saboreei  na literatura e no pensamento Português, de Camões a Agostinho da Silva, para abreviar.
A minha alma alimenta-se, refresca-se, aprofunda-se e eleva-se nesta leitura, que é pão para o meu espírito.
A criança que sou alegra-se e sente-se resgatada por séculos de injúrias.  Encontro aqui todos os ingredientes que curam sem amargar.
Reencontrei aqui os autores que me têm acompanhado  como avós de espírito; é sempre reconfortante reencontrar uma família.
Quando digo “este livro”, quero dizer “este pensamento”, porque é uma expressão de um pensamento  tão antigo e original quanto novo, um pensamento do autor captado no ar, no álbum de pensamentos de um povo, de uma civilização temperada pela saudade da canela, digo, do perfumado Espírito Universal, de onde a Natureza não pode ser excluída, porque isso já experimentámos, com os resultados que todos conhecemos e ainda resta saber o que para aí virá… ou não. De nós depende.
Não poderei dizer-vos o que diz este livro, mas apenas o que eu li nele. O que pode não ser a mesma coisa.
A esfera armilar, como símbolo de totalidade, como refere o autor, vejo-a como uma espécie de mandala a pelo menos, ou por enquanto,  V dimensões, que é a dimensão do Homem de Vitrúvio quando se põe a rodar pelo mundo e se funde em veneração com a natureza.
É muito difícil falar sobre um pensamento que tão bem se diz a si mesmo. Este é um livro amplo e ao mesmo tempo simples.
É matéria complexa de tão simples, por isso tive de escrever, por isso prefiro ler o que escrevi.
Como estrutura, Paulo Borges parte do sentido iniciático da obra de alguns autores, passando por uma reflexão própria e culminando no manifesto Refundar Portugal.
Aqui se fala do real e do símbolo, das viagens e das tantas aventuras do povo português. Não vou explicar o que cada um terá de sentir no seu coração, que é por aí que se lê este livro, mas destacarei alguns aspectos que falaram à leitora que sou. Tal como o Paulo Borges fez em relação aos autores que aqui trouxe.    
Assim como traz também a crítica a alguns aspectos da contemporaneidade em contraponto com o Ser que, e assumo a responsabilidade do baptismo, eu designaria como o já referido Homem de Vitrúvio. Pois não é ele a perfeição, plenitude, totalidade e infinidade? Ou, diria eu: Portugal no seu melhor, Portugal armilar. E brincando: arma e lar, depois das armas, o regresso ao lar.
A mensagem ainda algo revolucionária para os que estão presos ás ilusões que nos têm comprimido, é a “interconexão dinâmica de todos os seres e coisas”; mas uma criança percebe isto muito bem, sabe tratar com a mesma dignidade e igualdade, um gato, um sapato, uma pessoa ou uma formiga, um estrangeiro ou um familiar. Antes de ser contaminada. É por isso que é importante refrescar a ideia do V Império, o dos inocentes. Aqueles para quem não é impossível “ser tudo de todas as maneiras” ou transformar-se “o amador na cousa amada”. Esta leitura poética parece ser ao autor, no que concordo com ele, a mais profunda que podemos fazer da história.
Somos inicialmente conduzidos para uma leitura de Camões; e nesta leitura o amor é a chave, não teórica, mas operativa, a nossa leitura é, ela mesma, se sincera, um ritual de iniciação à viagem amorosa pelo interior intemporal do universo, porque o Império é muito mais grandioso que as belas mas limitadas fronteiras territoriais, do tempo e do Ego. O Império globaliza-se através do amor universal. É a aparentemente louca, mas mais realista que qualquer outra, aspiração ao Paraíso.
Daqui se fala de cabala, lírica, platonismo e neo-platonismo  e dos inúmeros mitos e representações da tradição simbólica e cultural que me abstenho de referir, portanto vou directamente ao assunto.
Numa  viagem pela mitologia revisitada a uma nova luz, partindo de uma ilha de utopia, a de Camões (que passou a ser nossa, ou talvez já o fosse antes de o ser) chega-se à democratização e à globalização do divino, se tal ousadia me é permitido verbalizar. Trazer a utopia ao Lugar, o topos,  se aparentemente a nega, porque ela é o não lugar e passa, a esta luz, a ser o topos, faz que a ilusão deixe de ser a utopia, e a utopia tome o lugar dela, isto é, do medo, do ego e de todo o tipo de limitação, enviando-os para  o momento da não-existência.
Os mais loucos sonhos assumem possibilidade real, como a união dos opostos, numa leitura para lá da superfície onde se tocam a Terra e o Céu e onde outros antiquíssimos desejos se nos afiguram tremendamente realizáveis no nosso destino.
Ideias que desvelam ou revelam com desvelo os pensamentos dos seres particularmente despertos que foram (são?) Camões, Vieira, Pascoaes, Pessoa,  A. da Silva: em síntese, a ideia de um Império de transcendência reconstruído  sobre o amor e a abundância.
Aqui se fala de história, mas como metáfora e símbolo; nessa perspectiva, o próprio Antero é citado. Pensamentos proféticos de totalidade e inclusão, Santidade, Graça e Luz,  o nada e o tudo, sempre presentes numa ideia comum.
Ideias por enquanto escandalosas para um pensamento ainda a sacudir o pó do positivismo, mas, mesmo sem saber, determinado a abrir novos focos de atenção.
É curioso que em cada um dos ensaios  que este livro inclui sobre os autores referidos, todos os outros acabam por ser citados, como membros de uma família ou faces do mesmo poliedro, em que um não existe sem os outros. Para lá do tempo.
É claro que tudo isto assim sistematizado,  constitui uma ruptura radical com o pensamento convencional: a vida na morte, o futuro no passado, o eu no outro,  o todo no nada… e os seus contrários.
E pela pena de Pascoaes somos lembrados que é na aproximação ao eu no aparente  outro que cabe a incontornável reaproximação do oriente, tanto tempo esquecido. É no outro que nos reconhecemos.
Também as religiões aqui são repensadas numa tenda de reunião onde caibam até as não-religiões: crentes, gnósticos, não-crentes. Um novo conceito de religião, um novo conceito de política, onde a Polis se eleva, mas abraça a natureza. Uma nova forma de estar vivo, inclusiva e abrangente, metafísica, política, poética, estética, ética, em expansão, mas não em afastamento,  a partir de um mesmo centro.

Nesta leitura, Portugal, na sua forma sentimento, quando interioriza torna-se demasiado grande para ser só ele, ele é ele e é o mundo , e nele cabe o mundo,  o todo já está na parte, como nas imagens dos fractais. Como os poetas tão bem souberam, antes dos cientistas.
O cosmopolitismo, assim entendido, será um tributo à essência do próprio conceito: no cosmos a polis, na polis o cosmos.

Este livro é uma oportunidade de aprofundamento do processo de consciência acerca do que significa ser humano, ser vivo, ser adulto ou ser criança. Com o apoio do pensamento de A. da Silva, uma reflexão sobre esta barbárie a que chamamos civilização. Edgar Morin também já o vem dizendo há muito, mas delicia-me recordar a frescura de Agostinho que este livro me vem recordar, e o quanto é doloroso reconhecer o “contributo” que os sistemas escolares têm dado para esta “queda” civilizacional. João dos Santos também o denunciou, muito solitariamente.
Onde estão a alegria, a espontaneidade, a liberdade a abundância para que cada ser, sem excepção, nasceu?
Apenas haverá futuro com a resolução do conflito que cada um vive dentro de si entre a “realidade” dessacralizante e consumista e a não dual natureza profunda de tudo o que existe. Neste novo mapa do mundo, a técnica deverá ser um instrumento de libertação do humano para que este possa ser, finalmente, aquilo para que nasceu: divino.
A minha tentação, mais do que falar-vos da minha leitura, foi, em diversas ocasiões, encher de citações estas minhas notas, ou simplesmente, ler-vos páginas do livro, mas sabendo que ia haver leituras, era preciso que eu falasse. O que faço obscuramente. ´É sempre obscuramente que se consegue falar de um pensamento tão claro. E, como já disse, ao mesmo tempo contemporâneo, e tão do fundo dos tempos. Trazendo novamente o Espírito Santo pela mão. Um Espírito Santo cada vez  mais revisitado pela evidência de que ou está nas nossas vidas ou não haverá vidas. A fraternidade, a liberdade e o Amor acima dos estafados vícios das disciplinas e sacrifícios. Que tiveram o seu tempo e função, mas que estão para nós como os dinossauros estiveram para os primeiros homens.
Uma ampla rede de informação se foi criando muito antes da internet; Joaquin de Fiori, Bandarra, D. Dinis e a poesia amorosa medieval, o culto popular do Paráclito e o franciscanismo no seu amor pelos seres não humanos.
Há séculos, há milénios, que sabemos que o futuro ou será a Inocência, o Império da Criança, ou não será. Que será a Liberdade, ou não se sobreviverá. Que será a igualdade na abundância, ou não existirá. Se quiserem, uma religião sem deuses ou onde todos são deuses, numa existência de expansão das potencialidades de totalidade, criatividade e encontro com tudo.

Neste livro se fala, reunindo o melhor e mais requintado dos pensadores e poetas já referidos, (mas não só, refiro por exemplo S. João da Cruz), do tudo e do nada, da dor e do êxtase (a dor não é mais do que a resistência ao êxtase), de como tudo é a mesma coisa e de como o fio da navalha não existe e é infinito e de como a consciência transformada  tudo transforma.

Um dos aspectos importantes que me parece ver neste livro é a atenção aos riscos a que pode levar, e tem levado, no seio deste pensamento, um “excesso de paixão lusocêntrica”  ou o “patriotismo ensimesmado” que conduziu e conduz aos nacionalismos estéreis em detrimento de uma visão não totalitarista mas total, solidária e realmente cósmica. Ou, como aqui se diz, um “ nacionalismo trans-patriótico e universalista”.

Os últimos quatro capítulos são uma meditação própria, mas não alheia aos estudos anteriores sobre o pensamento português e os caminhos a que este pode conduzir-nos no sentido da profundidade do Ser  e a Universalidade desse mesmo novo Ser que é ao mesmo tempo indivíduo, Pátria e Mundo. Do motor visível ao motor oculto de um povo, que é afinal, não um país, mas o próprio mundo, onde a humanidade, para crescer, tem de aprender a abraçar.
Outro importante tópico a reter desta leitura são os conceitos, já não exclusivos da mística, mas também da ciência, de interdependência e impermanência, da transcendência da ilusão da bipolarização do eu e do outro, e do equívoco da crença na transformação do mundo sem a prévia e radical transformação da mente que percepciona esse mesmo mundo.
Finalmente, o Manifesto Refundar Portugal, corolário coerente destas reflexões que de certo modo o fundamentam.
Com um passado de expansão geográfica, Portugal é mostrado como um país privilegiadamente preparado para criar pontes de comunicação entre “povos, culturas e civilizações”. Num momento em que o paradigma é ainda o do consumo e da exploração humana, animal e da natureza em geral, este documento propõe uma profunda reforma das mentes, baseada numa ética global que se estenda aos animais e a todo o planeta, universalista e multicultural, baseada nos valores mais sagrados que vêm sendo perpetuados quer por uma tradição popular, quer por alguns poetas e pensadores que ao longo dos séculos foram dando voz a um sentimento presente,  mas nem sempre consciente.
Inclusividade em expansão, pois assim como o Universo está em expansão, assim está a consciência universal deste povo, já não para ocupar e explorar, mas para ligar e reunir no respeito por todas as diversidades.
A forma de o fazer também tem de ser inovadora, já não se trata de uma questão geográfica, mas um processo de interiorização após o qual, apenas, será possível implantar fora o que já se consegue imaginar. Porque tudo é da natureza da luz.
 Já singrámos por terra, pela água, pelo ar, e  com o fogo das espingardas. Agora, o fogo é outro, é aquele que “arde sem se ver”, e os caminhos são os da cada vez mais incontornável Luz.
À qual estamos inapelavelmente condenados. Apesar de nós.  Graças à Luz. Que somos Nós.
Grata ao Paulo Borges por ter proporcionado à minha criança feliz esta leitura que é um bálsamo para os ferimentos dos joelhos das muitas quedas. Grata pela criança inocente que sei que sou, grata por todas as crianças inocentes que sei que somos. Apesar de todas as histórias editadas pela Culpa, uma editora decadente, felizmente em vias de extinção.


Cultura ENTRE Culturas e Uma Visão Armilar do Mundo na Casa Bocage, Setúbal, Sábado, 15, 21 h



Car@s amig@s ,

Gostaria de os convidar para participar na Noite dos Museus na Casa Bocage, já no próximo Sábado, 15 de Maio, às 21h00.
Para comemorar a Noite dos Museus, cujo tema deste ano é a «Harmonia Social», organizámos uma programação que dá ênfase à multiculturalidade e ao diálogo entre culturas:

Visitas acompanhadas aos espaços museológicos (Exposição «As Sete Musas de Bocage», Centro de Documentação Bocagiano e Arquivo Fotográfico Américo Ribeiro);

Apresentação da exposição de desenho e escultura «Conexões», por Rui Oliveira Lopes, com a presença do autor, João Lino;

Lançamento em Setúbal do número 1 da revista «cultura ENTRE culturas», pelo seu Director, Paulo Borges;

Canto livre e improvisado de Poesia de Bocage, por Patrícia Domingues;

Apresentação da obra «Uma Visão Armilar do Mundo - A Vocação Universal de Portugal em Luís de Camões, Padre António Vieira, Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva», de Paulo Borges, por Bruno Ferro;

Fado à capela, por Pedro Paz;

Confraternização e partilha;

No Dia Internacional dos Museus, 18 de Maio, entre as 14h30 e as 17h30, João Lino estará presente na Casa Bocage, para conversar com os visitantes sobre o seu processo criativo na realização da exposição «Conexões».

Um abraço cordial,

Bruno Ferro
Casa Bocage | Divisão de Museus | CMS

Casa Bocage
Arquivo Fotográfico Américo Ribeiro

Rua Edmond Bartissol, 12
Tel.: 265 229 255

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Matthieu Ricard em Lisboa - dia 26 - 21 h - Membro da Comissão de Honra da ENTRE e colaborador do nº2



Reservas/ Informações: 707 234 234
Locais de venda: Bilheteira da sala, Fnac, Ag. ABREU, Worten,
C. C. Dolce Vita, Megarede, El Corte Inglês(Lisboa e Gaia)
www.ticketline.sapo.pt

Preços de 15€ (Plateia) e 10€ (Estudantes)

Matthieu Ricard é um monge budista francês, fotógrafo e autor. Vive e trabalha no mosteiro Shechen Tennyi Dargyeling no Nepal, Himalaias, há quarenta anos.
Nascido em França em 1946, filho do conhecido filósofo francês Jean-François Revel, cresceu no seio das ideias e personalidades dos círculos intelectuais franceses. Viajou para a Índia em 1967.

Doutorado em genética molecular no Instituto Pasteur de Paris em 1972, decidiu abandonar a sua carreira científica e concentrar-se na prática do budismo tibetano. Estudou com Kangyur Rinpoche e alguns outros grandes mestres dessa tradição e tornou-se estudante próximo e auxiliar de Dilgo Khyentse Rinpoche, até ao seu falecimento em 1991. Desde então, tem dedicado a sua actividade à realização da visão de Dilgo Khyentse Rinpoche.

As fotografias de Matthieu Ricard de mestres espirituais, das paisagens e das pessoas dos Himalaias têm aparecido em inúmeros livros e revistas. Henri Cartier-Bresson disse do seu trabalho, ”a vida espiritual de Matthieu e a sua câmara são um só, donde brotam estas imagens, fugazes e eternas“.

Ele é o autor e fotógrafo de “Tibet, An Inner Journey” e “Monk Dancers of Tibet” e, em colaboração, os fotolivros “Buddhist Himalayas”, “Journey to Enlightenment” e recentemente “Motionless Journey: From a Hermitage in the Himalayas”. Matthieu Ricard é o tradutor de diversos textos budistas, incluindo “The Life of Shabkar”.

O diálogo com seu pai, Jean-François Revel, em “O Monge e o Filósofo”, foi um best-seller na Europa e foi traduzido para 21 idiomas, e “The Quantum and the Lotus” (em co-autoria com Trinh Xuan Thuan) reflectem o seu interesse de longa data pela Ciência e o Budismo.

No seu livro de 2003 “Plaidoyer pour le Bonheur” (publicado em Inglês em 2006, como “Happiness: A Guide to Developing Life’s Most Important Skill”) explora o significado e plenitude da felicidade e foi um grande best-seller em França.

Matthieu Ricard foi apelidado de “a pessoa mais feliz do mundo” pelos media depois de ser voluntário para um estudo realizado na Universidade de Wisconsin-Madison sobre a felicidade, posicionando-se significativamente acima da média obtida após os testes de centenas de outros voluntários.

Membro do conselho do “Mind and Life Institute”, que é dedicado a encontros e pesquisa em colaboração entre cientistas e estudiosos budistas e praticantes de meditação, as suas contribuições foram publicadas em “Destructive Emotions” (editado por Daniel Goleman) e noutros livros de ensaios. Matthieu Ricard está também profundamente envolvido na investigação sobre o efeito do treino da mente sobre o cérebro, nas Universidades de Wisconsin-Madison, Princeton e Berkeley.

Matthieu Ricard foi condecorado com título de Cavaleiro da “Ordre National du Mérite” pelo presidente francês François Mitterrand pelos seus projectos humanitários e pelos seus esforços para preservar o património cultural dos Himalaias.

Nos últimos anos tem dedicado os seus esforços e doa todos os proventos do seu trabalho em favor de trinta projectos humanitários na Ásia, que incluem a manutenção e construção de clínicas, escolas e orfanatos na região: www.karuna-shechen.org
Desde 1989, actua como intérprete de Francês para S. S. o Dalai Lama.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Uma outra noção de educação e cultura

Educado e culto é o ser humano que, em todos os pensamentos, palavras e acções, não vise senão o bem e a felicidade de todos os seres sencientes, sem distinção de etnia, nação, língua, religião, estatuto social, sexo ou espécie. Educado e culto é o ser humano que viva para o bem de todos, não se privilegiando a si nem a parentes, amigos, compatriotas, falantes da mesma língua, membros da mesma religião, partido, empresa, clube ou espécie. Educar-se e cultivar-se é progredir cada vez mais neste sentido. Disto depende o presente e o futuro do mundo: o Despertar de uma consciência solidária universal.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

A criança, o jogo e a abolição do tempo

"Aquilo que distingue realmente uma criança de todo o resto que é vivo no Universo é a capacidade enorme de sua absorção no jogo. A capacidade enorme de imaginar que as coisas efectivamente estão surgindo como ao toque mágico de uma vara de fada e fazer que perante isso o tempo não exista. O milagre que uma criança faz quotidianamente no mundo é aquele milagre de conseguir que o tempo desapareça de sua vida na realidade. Aquela historieta que se conta do monge da Idade Média que esteve trezentos anos ouvindo um rouxinol cantar e teve por aí a ideia do que deve ser a eternidade, esse milagre de monge medieval é repetido realmente pela criança todos os dias quando brinca. Tempo para ela desaparece, e é o adulto que vem impor-lhe normas de tempo; o adulto existe no mundo da criança para interromper a cada momento a história do monge e do rouxinol"

– Agostinho da Silva, "Baden Powell, Pedagogia e Personalidade" [1961], in Textos Pedagógicos II, p.24.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Novas apresentações da Cultura ENTRE Culturas e de Uma Visão Armilar do Mundo





UMA VISÃO ARMILAR DO MUNDO
APRESENTAÇÃO DO LIVRO
de Paulo Borges
11 de Maio (3ª) | 18h30
apresentação da obra por Risoleta Pinto Pedro
leitura de textos por Bruno Ferro e Luíza Dunas

CULTURA ENTRE CULTURAS
que diálogo entre culturas?
APRESENTAÇÃO DA REVISTA
por Paulo Borges
11 de Maio (3ª) | 19h
leitura de textos por Bruno Ferro e Luíza Dunas

Escola Superior de Medicina Tradicional Chinesa*
Palácio da Estefânia
Rua Dona Estefânia, 175
1000-134 Lisboa
(metro Saldanha)

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Ser alegre: não ter medo de estar só

[…] escusamos de supor que teremos alguma espécie de salvação enquanto formos tristes, isto é, enquanto supusermos que consiste a alegria, à fácil maneira americana, em tirar retratos rindo; ser alegre consiste, pelo contrário, em não ter medo de retratos sério: em não ter medo de estar só

- Agostinho da Silva, “Imperfeição do Renascimento”, As Aproximações [1960], in Textos e Ensaios Filosóficos II, p. 58.

terça-feira, 4 de maio de 2010

De onde vem este cântico?
Que me embala o sono, suavemente
Será a voz de Deus ou o sussurro da fonte?
Mistério em movimento, linguagem do Céu

Estou só, em abandono penitente
Ausente por amor à raça
Perene no susto, suspenso no canto
Antepassados a surgirem no nevoeiro

Ergo o padrão do silêncio
Em pedra fria e musgosa
As ervas crescem na solidão

O mistério vagueia algures pelo Céu
Distingo-lhe a sombra possante
De onde vem este cântico?

in, A contemplar a Prímula (inédito)
João Raposo Nunes

Nota: Este poema foi publicado no "Estudo Geral Nº3". Pode ver mais AQUI.

Hoje - Novo lançamento da Cultura ENTRE Culturas



Colóquio Internacional "Do Diabólico ao Simbólico: A Filosofia de Vilém Flusser"
Anfiteatro IV, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

Organização: Paulo Borges / Dirk Hennrich; Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa

Segunda-Feira, 3 de Maio

14:30 ABERTURA

15:00 - 15:30 Gustavo Bernardo Krause. - “MEU BEM, VOCÊ NÃO ENTENDEU NADA.” A DÚVIDA DE VILÉM FLUSSER.
15:30 – 16:00 Joaquim Domingues. - O MUNDO NOVO DA LÍNGUA - HOMENAGEM A VILÉM FLUSSER
16: 00 – 16:30 Jorge Leandro Rosa. - A RELAÇÃO COM O INARTICULÁVEL. LINGUAGEM, COMUNICAÇÃO E ONTOLOGIA EM VILÉM FLUSSER.
16:30 – 17:00 – Debate
17:00 – 17: 15 - Intervalo

17:15 – 17:45 José Bragança de Miranda. - A NOÇÃO DE APARATO EM VILÉM FLUSSER
17:45 – 18:15 Jorge Rivera. - SUPERFÍCIES, LINHAS, NÓS: AS OPERAÇÕES DA IMAGINAÇÃO E O PENSAMENTO DE VILÉM FLUSSER.
18:15 – 18:45 Louis Bec. - LE VAMPYROTEUTHIS INFERNALIS: UNE PREUVE D’AMITIÉ (PROJECTION, IMAGES ET VIDÉOS)
18:45 – 19:15 – Debate e encerramento.

Terça-Feira, 4 de Maio

Abertura

11:00 – 11:30 Rui Lopo. - A FILOSOFIA DA LINGUAGEM DE VILÉM FLUSSER
11:30 - 12:00 Dirk-Michael Hennrich. - A “COISA”, EM VILÉM FLUSSER E EUDORO DE SOUZA
12:00 - 12:30 Rodrigo Cunha - O DESIGN SEGUNDO VILÉM FLUSSER.
12:30 - 13:00 Rainer Guldin. - ACHERONTA MOVEBO: DO MEFISTOTÉLICO NA OBRA DE VILÉM FLUSSER
13:00 - 13:30 – Debate e Intervalo para almoço

15:00 – 15:30 – Jacinto Godinho. - O ESPECTADOR DE FLUSSER
15:30 – 16:00 - Paulo Borges. - O DIABÓLICO EM VILÉM FLUSSER
16:00 – 16:30 António Braz Teixeira. - O SAGRADO E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA EM VILÉM FLUSSER
16:30 – 17:00 - Debate

17:00 – 17:15 – Intervalo

17:15 – 17:45 - Apresentação da revista Cultura ENTRE Culturas, com um inédito de Vilém Flusser. Encerramento.

18:30 Louis Bec – ARTAXONOMIQUE ET HYPOZOOLOGIE (na Livraria do Instituto Franco-Português)

sábado, 1 de maio de 2010

A Leitora, dançarina do Caos


Corot, As Bailarinas

A luz da clareira embriagou as dançarinas da memória, os antepassados de todas as épocas, as cantoras de todos os sonhos ocuparam as orlas da clareira e balançaram as palavras dos textos perdidos no incêndio de Alexandria, os textos flamejavam nas labaredas das saias tocadas pelo desejo de ler, de escutar as vozes e de se tornarem leitoras cantoras. Rodopiavam nos círculos do tempo em torno do corpo, nos anéis das folhagens, na vertigem da luz por entre as ramagens. As dançarinas estendiam ao alto os braços do tempo e tornaram-no rumor que chama os anjos da escrita transparente, a escrita das lágrimas e dos suspiros. Nessa evocação esfuziante, nessa declamação implorante, nessa desmesura do corpo que chama a escrita e as vozes que vêm do autor, que chora no mar das suas lágrimas de impotência, a leitora afastava-se para o âmago do bosque perseguindo a gota de cristal que a asa do corvo preto tem para ela ver o refrão que do mar traz o símbolo sagrado do Amor. A gota de água, a lágrima do rio do tempo, a porção imemorial do dilúvio que salvou os que souberam preservar o mundo e as paisagens do ruído. A gota de água da asa do corvo _ que é um falante da língua silente dos puros e dos inocentes, dos que ouviram, depois de Babel, a disputa dos pássaros com Deus sobre a importância de ficarem apenas detentores do significante _ é a gota da voz que é foz. A cantora leitora queria, como Gilgamesh, a rosa, a gota silente do corvo que sabe a direcção da morada para Deus e para o Amor, e os chama sem linguagem e sem nome, a leitora queria interpelar, com poucos nomes como o corvo, e transparecer como a gota que transcorre na sua pele a beleza que as palavras e outros signos omitem do mundo e dos mortos.
A leitora queria libertar do mutismo a beleza da vida que não se esgota nem na diversidade, nem nas cores, nem nas formas visíveis e invisíveis de tudo o que aparece e se manifesta. A leitora lia a exuberância múltipla do bosque e percebia que só cantando e repetindo, redobrando a voz, num mesmo e ou noutro som, soltava o que dentro dela, o que em cada ser mudo ou falante silente está fechado na percepção, na emoção, no conceito e na ideia. A cantora leitora entusiasticamente tecia, um pano com os fios dourados das línguas incompreendidas pelos falantes do significado e, suavemente, puxava com o fio da voz, o fio da vida ténue do poema e desfazia a teia que o prendia a um tempo, a um contexto, a uma interpretação que não interpelava. Puxando o fio, como Penélope, afastava do corpo do texto, a que estava enlaçada pela voz e pelo contacto, os falsos pretendentes da sua compreensão. O poema rebrilhava com a forma que podia vestir o seu corpo solitário, a caminho das fontes. A voz, como a gota de água, modulava no poema a forma perdida e desligada das possibilidades infinitas e imprevisíveis que a sua natureza, como a Natureza, prometem aos que emprestam à sua leitura o corpo e os seus órgãos. Tocados pela beleza transformam-se em instrumentos musicais, de uma orquestra imemorial que desperta outros para a constituição do coro dos que trocam o discurso pela ópera alucinante da visão e tornam o poema o refrão da sinfonia da vida.
Cantando e lendo os poemas que sabia de cor, vestindo as vestes de fios dourados, soltos da beleza antiga do que foi escrito a ouro na alma da cultura e dos povos, a leitora caminhava no bosque num indireccionado percurso de perdição, de amor e de espera. As vozes percutiam nela a loucura de um excesso que não podia mostrar nos espaços profanos, que não permitem que o nó invisível do Homem abra a dobra de todas as possibilidades do corpo e da voz, no poema. Remetido para o não-lugar, o poema reconquistava a sua sacralidade perdida desde os rapsodos e desde Homero, o da palavra eterna, como diz o seu nome. Assim, no canto, os cantores leitores são aqueles que tornam a voz o anel que se compromete entregar o silêncio do esquecimento ao logos último que Adão não conseguiu nomear. Expulso para fora do tempo, numa memória de futuro, inscrito numa matéria dúctil que é a do corpo desejante, o poema amado aproxima-se, pela voz da cantora leitora, do divino e a ele o consagra e o entrega como sua única morada.
A voz que canta o poema antigo pinta de forma indelével uma sagração da primavera nas clareiras abertas pelos olhos videntes da leitora, peregrina nos altares do bosque. O bosque é o museu de vozes desaparecidas das Línguas. Tomada por esta consciência, a leitora dispersava e distendia, em aItálicolturas improváveis aos que não desejam nem deliram, a voz e o canto pranto, atrás do corvo, essa ave que conhece nos mitos e nos contos a palavra audível de Deus. Na perseguição do amor e da dor, a voz interior da leitora pensa a imortalidade da alma como um estado rítmico sem fim, como uma voz modulada por um som que se estende e alastra a todas as coisas que fora dela sejam tocadas pelo tom e pelo som, pelo dom de pensar. Pensar é cantar e amar é a condição daquele que une a si o universo a partir do nome do amado, do botão do poema, numa reunião total de cada coisa a partir de um centro que se expande, a partir do que o botão prende para reunir e congregar em torno de um ponto invisível e discreto. O corpo do que ama, o corpo do que canta é, como o botão da rosa de Silesius, conforme à luz e ao canto dos anjos da escrita de água, a pétala que se oferece à reescrita do que ficou esquecido e é eterno. O corpo da cantora leitora inclinava-se, curvava-se para um centro, o botão do poema, a página como corpo nu, para reunir pela leitura,Itálico dirigida pela luz e pela melodia, a diversidade de géneros, de formas, de temas e de matérias, do texto para a matriz única das Línguas. Lendo como quem contempla a rosa, a cantora leitora transformava o mundo do texto numa clareira de aproximações espirituais a que se juntavam outras vozes vindas de outros corpos e que a voz amadora reúne e aproxima de modo afim ao modo sexual com que dois corpos desnudados e tangentes se fundem e fundindo-se têm o dom de multiplicar.
O texto, o poema cantado, tem, na voz que escuta a foz, o dom de celebrar no indivíduo o universo e de o celebrar no altar do olhar que, admirando e desejando, funde os que vagueiam nas margens sombrias dos caminhos irretornáveis do esquecimento. Assim, a leitora sabia que entre o esquecimento e o canto, o corpo que ama, conseguia exaltar-se e dançar. A leitora é um ser bailante, uma poderosa bailarina do caos, da desordem e da multiplicidade em que o esquecimento pulveriza os textos, os poemas que o tempo e a ignorância obliteram. As bacantes teriam sido leitoras dessa multiplicidade que o raciocínio dominado por regras reduziu a uma unidade sem reunião e sem amor. Um conceito é um corpo sem movimento e amusical, atonal. A cantora leitora não raciocina. Exprime como uma leitora trágica da vida. A cantora leitora é uma bailarina que deseja encontrar o corvo que tem guardado na asa a gota translúcida onde está espelhada a reunião de tudo com tudo num silêncio misericordioso. Dançar com a música da natureza é o acto último que o corpo da bailarina leitora deseja. Esse corpo que ela toca, com a voz e com o olhar, é uma página que o canto despe como se desnudasse um outro corpo do amor e com quem faz unidade ou se unifica. Esse bailar desejante, com e sem corpo, na orla do bosque ou no seu centro, é um acontecimento que a voz exalta, porque a voz é o único poder que permite, àquele que vibra com o amor, fazer renascer os dons do intangível, do invisível e do inaudível A leitora bailarina, a leitora cantora, quando lê, não procura possuir, ela sente que a sua voz, o seu suspiro, desfazem o feitiço da incomunicabilidade dos corpos, da opacidade e do silencioso. A leitora ensaia o passo duplo, ela caminha com um pé no chão e tem o olhar voltado para o céu, por onde se orienta como uma malabarista de Chagall, a leitora vive em estado de desequilíbrio como um anjo da escrita que tem que escrever na asa o que pode esvoaçar para os limites ilimitados do esquecimento. O anjo da escrita usa o seu torso inconsistente para inscrever o impermanente que o tempo torna fugaz, a cantora leitora tem que chamar com a voz o que porque perder-se entre as múltiplas árvores de linguagens e línguas com que Babel arborizou a paisagem que esconde os que na sua nudez são os mais desejáveis para as almas compassivas. A cantante leitora é a leitora andante que atravessa o bosque para reencontrar os seres que nele se escondem por não poderem mostrar-se como são e terem perdido o ritmo e a cadência musicais da vida, a letra do poema da ópera de retorno ao paraíso.
Mas nisso a cantora bailante não é diferente de uma certa espécie de filósofo que existiu e que Benjamin fez renascer na sua escrita voltada para a infância do homem que nele pensou. Esse filósofo foi apenas leitor dos que se tornaram ignotos, esquecidos no silêncio e na crítica, porque esses que se escondem tremem porque foram tocados por uma voz que os deixou nus quando o canto da vida e do amor os percorreu e os deixou, de novo, à porta distante do paraíso. Ele há cantoras leitoras que se perdem nos bosques à procura de um Adão que vagueia fechado no silêncio de não ser compreendido por nenhuma língua, por nenhuma mulher, por nenhum símbolo e nu se despir em frente ao mar porque tem medo de amar. É a esse que a cantora leitora beija quando os seus lábios lêem os poemas que Celan largou numa garrafa nas ondas do mar. Porque só o poema abre o caminho para o Paraíso da linguagem que é o jardim das delícias e do amor. Afinal, não foi o desejo de amar que irritou Deus, foi o desejo de falar do que não se podia que nos fez ficar silenciosos perante o amado e o que está tão nu. Devido a essa traição, o nome do amor e do amado ficaram para sempre indizíveis mas não esquecidos. No canto perdido dos bosques, a cantora restitui ao mundo essa tarefa primitiva com que em Lascaux, o artista das grutas escavadas no útero da terra repetia, ler é ser perseguido por aquele que perseguimos sem fim. O autor é alguém que se ama mesmo quando o seu rosto já perdeu, nas paredes em que o inscrevemos, o seu traço identitativo. Ainda assim, a leitora canta-o, porque ela não precisa de vê-lo, precisa de escutá-lo. É a sua voz que ela persegue quando empresta a sua voz ao seu texto, o seu corpo à sua reescrita, porque somente quando copiado, o texto domina a alma do que sobre ela se debruça, (…) porque o leitor obedece ao movimento do seu eu, nos livres espaços aéreos da sua fantasia, enquanto o copista permite que eles sejam comandados. Por isso o copista chinês era o incomparável garante da cultura literária e a cópia de textos uma chave para os enigmas chineses. (in, Benjamin, Rua de Sentido Único, Mercadoria Chinesa) A cantora leitora dança porque inscreve uma voz que ama no seu corpo e o seu corpo é comandado por essa voz e com ela o seu corpo multipla os sentidos da vida única e floresce numa clareira chamada Alma. Dançar ao som do escrito é a chave para o enigma da sua revelação. O texto é um altar onde a leitura é acompanhada da dança do malabarista de Chagall, porque é preciso ter um pé em cada mundo, no da Terra e no do Céu. Porque um texto está escrito numa linguagem humana mas num papel que caiu da árvore do paraíso. Só quem toca esse papel é que desnuda o poema do sentido e o faz brilhar na nudez do seu Dizer. As modulações da voz são, afinal, as modulações da harpa do coração e todos os órgãos do corpo da leitora são instrumentos da nostalgia da voz com que um poema cantado responde à voz que o escreveu e com a qual se encanta e do qual ela se sente enamorada. Ler é a paixão dos que não podem imitar a vida de Cristo, mas renascem. Por isso a leitura obedece a doze estações.

Para o N.P. que é o ser que mudo se lança no fundo do mar e corre o risco de um dia lá encontrar um belo e fundo poema capaz de o fazer amar, porque nem todos os leitores cantam, no fundo do mar, um leitor como ele encontrará um peixe-poema que o fará lembrar a amada perdida no tempo e no mundo, porque ela vinha do paraíso e despiu-o com o olhar.