domingo, 23 de janeiro de 2011

Entre tudo e nada: alguma coisa

«Penso
Que o silêncio é imenso.
Entanto,
Se um grilo canta no silêncio,
O seu ínfimo canto
Vence-o.»
- Carlos Queirós, «Breve tratado de não-versificação»

2 comentários:

Anónimo disse...

Suponho que seja o canto a vencer o silêncio. Ou será o grilo que é "vencido" pelo silêncio?
Ou o silêncio sem tamanho tem grilos a cantar "o seu canto ínfimo"? Ou o canto ínfimo do grilo vence o pensamento de o pensar imenso. Ou será antes o silêncio que nos canta a ausência do ínfimo, no imenso intervalo entre o nada e o tudo. Somos aí, nesse intervalo, silêncio cantado?
:)

Alguma coisa entre tudo e nada
Se faz silêncio na minha boca
Imenso o que não penso.
O ínfimo canto o vence
Um canto todo feito de silêncio.

Penso que o silêncio me pensa
Oiço o ínfimo e desmedido canto
Cheio de som imenso e mudo. Entanto, um grilo ínfimo faz vibrar o silêncio do seu canto.

Grata.
Um abraço.

Leôncio Orégão disse...

Eu é que agradeço, cara Maria Sarmento. E acho que compreendo.
Na minha opinião e experiência, é o grilo, são todos os animais, é o pensamento e o sentimento, somos nós, as notas e as pausas, os copos cheios e os copos vazios, a maré cheia e a maré vaza, o meio-dia e a meia-noite, o entusiasmo e a calma, - são todas as coisas que são sempre alguma coisa determinada, particular, finita, limitada, parcial, imperfeita, não totalmente boa nem totalmente má. É isso. E o silêncio absoluto, como o nada e o tudo em si mesmos, como a experiência total e a escuta do completo vazio - isso é o que não somos e o que, quando formos, já não seremos, porque então morreremos, nunca o experimentaremos.´
E acho que viver bem é saber isso, é reparar em cada pedra, amar cada animal e não a espécie, amar cada espécie e não o género, amar cada género e não apenas todos os géneros em conjunto. Acho que ser amigo é ser amigo de um e de outro e de mais outro e outro ainda, não é ser o amigo de todos ao mesmo tempo. Acho que acreditar em alguma coisa é deixar de acreditar noutra. Acho que só existe diálogo e não monólogo se existirem dois interlocutores diferentes. E acho que a diferença no diálogo não tem de ser ultrapassada, nem pela guerra nem pelo acordo na conversação.
Acho também que o diálogo nasce do silêncio e a ele volta, quando se interrompe. Mas acho que, logo imediatamente, quando se retoma o mesmo diálogo ou outro ao lado acontece, voltam a nascer as palavras, as diferenças, os grilos e as nossas próprias individualidades condicionadas, tudo volta sempre a nascer do silêncio.
E é por as coisas tanto serem vencidas pelo silêncio e pela morte como os vencerem que nem a vitória nem a derrota são absolutas.