segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Páscoa: Morte e Re-nascimento de Cristo

Não há propriamente uma data determinada nem para o morrer, nem para o re-nascer de Cristo – essa ex-traordinária e iluminada figura que a História nos doou, como uma benção – para além das convencionadas no calendário católico/religioso.
Não obstante estarmos bem perto de comemorar o re-nascimento desde judeu amaldiçoado pela vileza dos homens e, por extensão, a Paz, a Solidariedade, a Luz, a Verdade, o Bem, o Amor, a Justiça..., não devemos esquecer que o Mundo continua a sofrer, a ser martirizado e crucificado como Cristo o foi, um dia, pela histeria colectiva das multidões enfurecidas, alucinadas pela sede do sangue, fresco e quente, de um Homem que tinha tão-só por missão salvar a Humanidade de si mesma e dos seus próprios perigos e erros
Iludir a realidade a reboque das comemorações convencionais, só porque são convenções (cada vez mais minadas pelo exacerbado consumismo que nos esgota as bolsas e a alma) não faz, jamais, a Humanidade crescer, pensar ou reflectir sobre esse sofrimento, físico e psíquico, de que ela mesma é vitima, a partir das suas próprias mãos maculadas, amiúde, pelo sangue jorrado das Almas e dos corpos inocentes.
Enquanto uns estão à mesa a confraternizar com as suas famílias (mesmo que sobre as franjas da hipocrisia, todos o sabemos!), em serenidade e alegria, deliciando-se com o mais requintado dos manjares, especialmente organizado para a Páscoa celebrar (mas que Páscoa!? Mas que celebração!?), outros morrem de subnutrição, aí mesmo ao nosso lado, espalhados por esse mundo imenso, sem dó, são vítimas de balas perdidas, da má fé, das guerras infundadas e da violência gratuita.
O tormento, a amargura, dessas gentes vexadas na sua humanidade pela malvadez, pela violência, pela crueldade... não se exaure pelo simples facto de o dia de Páscoa estar quase a chegar, não se extenua durante uns escassos momentos de tréguas. Lamentavelmente, tudo permanece do mesmo modo, em alguns casos, camufladamente, noutros claramente visíveis, apenas ocultos para aqueles que, por conveniência, não querem ver.
Recuso-me, por conseguinte, a ludibriar a realidade; recuso-me a compactuar com a hipocrisia dos homens, que só se lembram que há mendicantes, crianças e velhos, moribundos e desamparados, povos em guerra…, quando a Páscoa é, oficialmente, solenizada.
A memória dos homens, seja a curto ou a longo prazo, não deve continuar minguada; a memória dos homens não deve somente ser testada, assim como a sua humanidade (ou pseudo-humanidade), quando o socialmente instituído é festejado.
Torna-se óbvio que o Espírito da Páscoa jamais se deve restringir ao dia de Domingo, pelo calendário determinado. O Espírito da Páscoa deve, ao invés, estar presente, sempre, em todas as mentes e em todos os dias das nossas vidas, tão efémeras quanto a de Cristo.
O tinir do sino, que pelas ruas e praças difunde o seu som de apelo, anunciando a chagada, a cada casa, da cruz de Cristo, nunca é capaz de eliminar ou de abafar o som da miséria humana, pelo menos para aqueles que escutam todos os ecos, para além dos ensurdecedores ruídos, que enxergam mais longe, para além das aparências, dos convénios, dos pré-conceitos, ou do chamado politicamente correcto (odeio esta expressão!).
Urge abanar as consciências, incitar as mentes à mais profunda reflexão; é imperativo fazer renascer, em todo o seu fulgor, o Espírito Crítico, por detrás de todas as máscaras, de todos os discursos vazios de conteúdo, meramente convenientes para uma escassa minoria.

Isabel Rosete

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