segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

neste quarto alugado sinto a pulsação dos prédios, o crescer dos muros para o ceú, as borboletas que não aguentam a distância de um anão. e caem sobre a terra como limões secos e vazios. eu olho e penso que nada existe para lá do chão, que água e fogo são alucinações. são deuses mascarados. ou até mesmo resíduos de paixões. ou pode ser tudo isso numa só jarra que mais tarde beberemos. santa é a minha vontade de renunciar o mundo. de me ferrar enquanto escrevo.

lembro: eu era uma casa assombrada. nela não havia nada. nem pó nem flores nem esqueletos nem nada. talhei nas paredes a minha psicobiografia e vi a extensão do meu grito. escadas que desciam e não se subia, roupas de inverno a esperar que venham corpos. e tomara à minha cabeça ser uma tocha iluminada para entender essas roupas de inverno. como um incrédulo renasci. fundei a minha habitação, os meus monges, as minhas coisas belas e profanas.

nasci num quarto às escuras igual ao interior de um fruto. a minha mãe tinha um ventre bem arquitectado, poderoso como uma transparência e nele percorri cidades inteiras, provei leguminosas e sismei com verdes andorinhas. quando crescer evitarei remédios para a calma, lerei poemas e pronto: um riacho progride na dor da minha encosta, e eis-me: absoluto, tal boi puxando a paisagem para dentro da moldura.

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