domingo, 3 de janeiro de 2010

Viver e suas variantes





Elliot Erwitt. Mother and child.




A dupla dor-delícia de ser quem se é e a serenidade são gêmeas bivitelinas. Conhecemos bem as diferenças entre ambas, e no entanto nos passam certo sentimento de univocidade – como dois conjuntos matemáticos com uma área em comum que de algum modo os define. São duas, mas uma precisa da outra para existir inteira.

A experiência mais completa de existir e a serenidade são semelhantes ao que os químicos chamam de elementos simples, irredutíveis. Convivem em harmonia e criam intervalos de prevalência; equilibram-se na gangorra dos dias, uma ajudando a definir e identificar a outra. Fertilizam a argila de que somos feitos como o adubo e a água fazem com a terra que recebe uma planta.

Só se vive plenamente sendo capaz de mergulhar nessas duas instâncias. Uma é necessária à outra; são como espelhos com sinais trocados, e por isso podem se contemplar e fortalecer mutuamente. Sem serenidade a experiência de estar vivo é menos intensa; os acontecimentos não se desdobram de todo, não mostram todas as faces que resultaram naquele e não em outro acontecimento. Entendem-se os motivos pela metade, criam-se julgamentos apressados, falhos, e fica muito fácil distanciar-se das pessoas por não ser capaz de compreendê-las. Sem serenidade (essa paz de dentro, que independe de sossego externo e até da própria paz social), o ego toma conta da situação – e o ego pode ser considerado uma instância emburrecedora por excelência.

Nem é tão difícil criar esse estado interior a que chamamos de serenidade. Começa com um olhar sinceramente interessado no que vai dentro de si; olhar-se como se fosse “de fora”, imaginando ver outra pessoa e suas alternativas.  Outra vantagem da serenidade é recriar a solidão como quem decora uma casa, ver novidades até no dia-a-dia, reavaliar a rotina, tornar o tédio um sentimento mais distante. Sozinho ou acompanhado, é possível aproveitar melhor o que a vida oferece de bom quando se é capaz de relativizar os maus momentos.

E como é improvável, senão impossível, que alguém consiga atravessar a vida sem sofrimento, ao menos vai encontrar em si um espaço mais confortável para seu próprio uso e para quem estiver próximo, porque a serenidade é resultado de uma espécie de ginástica interior, e dá força e agilidade mental a quem a conquista.



2 comentários:

Paulo Borges disse...

Grato pela sábia reflexão. Pode-se dizer que a serenidade é um valor comum a todas as culturas.

Cristina Castro disse...

Muito obrigada! Ainda hoje, escrevi: Preocupação/Compreensão - Tristeza/Alegria - Medo/Vontade - Raiva/Criatividade - Euforia/Serenidade, assim oscilo eu neste oceano de Amor! Os opostos que me fazem mover e escolher!