segunda-feira, 30 de novembro de 2009

reclamo (anúncio de mim mesmo)

Amanhã nada disto existirá

A bailar no veio translúcido do instante

A insuportável exsurgência da manhã

A distante evanescência das quimeras

De ter sido na imponderabilidade do vento

Nada disto consiste em querer ou ter ou poder

Uma fome alada que resiste

Na planície úbere do não ser

E viro a página

Estar vivo é só a possibilidade de perdição

E em ondas de luz que de cima me revelam

Só o que ficou o resto da alba que não houve

Tudo se precipita em abismos de lume

Na alvorada nova do esquecimento

O cheiro a creolina no charco de ter nascido

O aqui envolto em turvação

Ganha pé o mais ambárico dos vinhos

Não são de fiar as coisas demasiado perfeitas

Tudo vem de fábrica plastificado

E esterilizado

Já nada se gasta só por ser usado

A não ser a habituação a nós

Torna-se espessa e ganha um corpo subtil

De cave fechada repleta de inutilidade

Em fundo uma música quase ignorada

Dos codeine velvet club torna desculpável a decisão

De desfazer os baús na feira da ladra

Da escrita

2 comentários:

Anónimo disse...

Também quero anunciar-me, porque sei que "Amanhã nada disto existirá". O que fica, é o que sempre cá esteve. Começo a escrever a parir de: «Não me procuraríeis se não me tivésseis encontrado já...» creio de Santo Agostinho.
"De cave fechada (e) repleta(o) de inutilidade é o nosso rosto: esse lugar de vazio que nos escuta em labirinto, em música!

Grata por este belo texto que me ajuda a fechar baús e a abrir outros...

Um sorriso amável :)

Paulo Feitais disse...

:)
e há o que excede tudo isso e até a ideia de excesso, de excessividade, de excedência...

há duas categorias que aponta 'isso' - o rosto e o sorriso...

talvez...


:)