quinta-feira, 5 de novembro de 2009

De uma mesma luz


Em Göreme, a velha Maçam,

a Carikli Klise,

ficou pegada da sandália no percurso do judeu

e sombra do turbante luminoso do neto de Ismael

sobre o amigo da última casa de David,

a partilhar o deus da terra,

a partilhar o deus do céu

com um chamam.

Predicavam os anjos no frescor da igreja alheia

o som do meio-dia,

o paraíso

na cor diversa

com olhares múltiplos

de uma mesma luz.

4 comentários:

Donis de Frol Guilhade disse...

É um sentir de "transfuga", da "trans-fuga" de tudo em tudo, que perpassa este belo, ainda muito cifrado, poema.

Há uma tessitura de códigos e sinais que nele se entrecruzam e não simplificam (nem têm que simplificar, aliás) a vida ao leitor.

Quanto maior a estranheza do dizer poético, quanto mais estranho e "estrangeiro" o sentido nele se afigure (ainda que possa ser apenas desfoque da nossa de-cifra), mais um poema é perplexivo, questionante e interrogante para quem o não prefira tresler, ou o não faça pelo lado da capitulação do esforço de ler, face ao mais imediato rapto ou fuga do sentido mais tido por comum.

A poesia não tem de ser "fácil", ainda quando a sua linguagem seja, ao que pareça, "simples".

A palavra é sempre água de variegadas temperaturas, ondulações e profundezas.

É, além do mais, nível de si, sempre intranquilo: só a água parada, estagnada, o não é.

E essa apenas convém aos girinos da metamorfose: os de pele de salamandra, que ardem até no que lhes é estintor das chamas do que são. Mas esses são raros, como a chama que lhes é sangue.


Na partilha do que seja da terra ou do céu, "no frescor da igreja alheia", escuta-se "o som do meio-dia", como aqui é dito.

Com escreve Iolanda, de forma tão exacta quão perfeita: "o paraíso na cor diversa" é feita dos "olhares múltiplos de uma mesma luz".

O certo é que tendemos, talvez em amiúde demasia, a preferir a variedade de luminosidade forçada a um único olhar: é isso, porventura, que nos dificulta o toparmos o "paraíso na cor diversa".

Donis de Frol Guilhade disse...

Corrijo(no primeiro parágrafo):

onde se lê "que perpassa este belo, ainda muito cifrado, poema",

deve ler-se "que perpassa este belo, ainda que muito cifrado, poema".

Paulo Feitais disse...

Desgraça-nos para a Graça mais plena a leitura deste poema que faz dos versos gumes e da alegria de lê-los, lumes de mais...
Grato!
:)

Iolanda Aldrei disse...

Um abraço a tanta luz, para a luz retomar, meus amigos