sexta-feira, 17 de junho de 2011

Filosofia e Poesia - Uma mesma luz, outra mesma linguagem.


O que é, na verdade, o conhecimento para a Filosofia? E para os Poetas, seus irmãos, será outro que o conhecimento do ser!? Para os Poetas, que encontram a palavra na semente de onde ela germina, na Origem da Saudade do Céu, conhecer é ser linguagem estelar. Não para a razão de ser, a linguagem, o mais soprado som da voz que a silencia, mas antes para o espanto de ser o mundo uma outra linguagem, um outro ser no mesmo ser desvelado. Conhecer é participar do ser, porventura seja “isso” a criação de outro que seja o fio, o anel dessa passagem pela (des)razão do ser que há. Para os Poetas, profetas da cegueira, é a visão que melhor conhece o que não tem como, pois de dentro e de fora do mistério é. Esse de que falam os poetas, o denso e obscuro mistério que em tudo habita e em tudo é constelação de nada, extingue-se na voz e na boca, para o nascer futuro de outra boca que o diga. A morte é a revelação de toda a claridade na obscuridade do mistério. Nisso, o poeta é “apóstolo” de uma ciência rara de ser e de estar, do “é” e do “há”.

No vórtice dessa avalanche de plenitude de ser desocultado, os Poetas abrem à filosofia uma via de rosas, um florir que ao sublime chamamento da alma sobe em jardins de antes de haver mundo e haver. Porque a boca do ser desenha o Silêncio que o poeta fala, para ouvir. Que bocas desenham, os poetas-filósofos, que não a outra face do mesmo milagre? Os filósofos a dizem na selva de uma linguagem, uma metalinguagem, para além da linguagem. Ansiosos, talvez, de tocar o nada com um dedo. Uma via hermenêutica que o Poeta revela, como se as nascidas palavras lhe crescessem na boca, na desordem harmónica de um caos sibilado em vozes. Cada uma seguindo o labirinto da sua mesma e esquecida Voz. O poeta é também a sua mesma lembrança, a sua Saudade de ser.

Afinal nada somos mais do que simples imagens do cosmos, com os braços abertos e o coração em estrela. Conhecer é participar do todo com o corpo e a voz. Mistério da encarnação, Logos de súbito acontecimento acontecido. Relâmpago e fulgor. Dizer é fazer acontecer, silenciar é orar. A ninguém oram os poetas e os filósofos. São bocas interditas. Tocam a luz e a treva com os dedos. Num mesmo gesto de ser.

Cada coisa é o seu mesmo mistério e espelho dele. Os Poetas e os Filósofos não pensam o mundo, não o explicam, que o mundo o não pode ser, sob o risco de deixar de ser, evidentemente, mistério e ser. Os poetas e os Filósofos estão no pensamento do mundo, percorrendo um labirinto debaixo de outro labirinto. Uma espiral enrolada sobre outra espiral girando em sentidos inversos e a vibrações complementares. O Poeta quer ser completo com o mundo, não apenas o que o homem também é: semente, luz, plano, vibração, um nada de uma vibração musical que crie o mundo e o nosso mesmo Silêncio de ser e de conceber, e, simultanamente, a mais completa sinfonia que reside nesse mesmo mistério.

Por isso mesmo, os poetas criam-se a si mesmos, e não têm que pedir desculpa a Deus. O Poeta deixa que a Palavra seja Silêncio e o silêncio se sagre em palavra. Os Poetas, pobres bocas pedintes, inspiram o mesmo mundo e envenenam a alma de mistérios segredados. Participam dos mitos, criando-se nadas com voz. Caminham por desertos de que conhecem os contornos indistintos das montanhas mágicas e sobem pelos anéis do sol, como se sagrados, no cume de si lhes nascessem asas ou bicos para furar a transparência de si mesmos, até ao recôndito abismo, de onde o Nada talvez grite e cante a uma mesma voz. Os poetas-filósofos são um terrível e sublime lugar de rios cruzados. Linhas de voz, pautas de sinfonias inventadas, dentro da vibração multiversal do mundo. Desocultam, desvelam, criam o ser e o não ser. Vão por florestas, clareiras, de novo, abraçadas: a terra e a terra. O mundo e o seu mistério engolem a voz, sopram-na para dentro de um poço tapado. (Des)labirintam-se em verdade. Encontram-se em montanhas tocadas pela voz que canta o ser da voz que o diz.

2 comentários:

  1. Texto para silenciar.
    Silenciar até o sibilar da brisa imperceptível, beijando as pedras e arvoredo do que nos seja o ermo íntimo: adequado des-pojar para uma mais inteira e abísmica nudez de saber o sabor incomparável de lê-lo.

    As "bocas interditas" a que se alude são, creio, a clave de Si do tom, e a tónica da nota Sol: sem Dó!

    Porventura a única chave capaz de fazer em nós o necessário silêncio - para haver "ouvidos para escutar" o [de] que não Há voz...

    (Donis e os demais diabretes agradecem a Treva areopagítica d' "esta mesma luz, outra mesma linguagem"...)

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  2. Não tenho lágrimas
    estou mais baixo
    junto à cal
    Vejo o solo extinto
    não oiço ninguém
    e não regresso
    Adormecer talvez
    junto a uma estaca
    com uma pequena pedra
    sobre as pálpebras
    Não era um barco
    nem uma guitarra
    Era uma pedra
    que girava
    Ligado a uma sombra
    o corpo só se afirma
    quando nela se apaga
    restituindo o espaço
    ao espaço
    e só então caminha
    dentro de si mesmo
    e com as coisas
    Um tremor de proa
    um fulgor fulvo
    os passos ligeiros sobre o veludo da
    areia
    as vogais lúcidas na superfície azul
    o leque das árvores demorado e leve
    as raízes da água entre blocos dourados
    eis o espaço de súbito fraterno
    (ligando o sonho à vida na leveza
    de uma pálpebra)
    Tacteio sobre o branco
    quase adormeço
    Sinto vagamente
    um aroma de inocência
    o mar

    Do fundo surgem
    uns olhos de diamante

    o vento
    Como quem levanta uma lâmpada
    sem ruído
    no nocturno cais de um quarto
    será que o mundo escuta
    e um segredo simples nos ilumina?
    Talvez o silêncio seja um barco
    que desliza sobre a sombra de uma estrela
    Onde a força do vento
    nos meus dentes?
    Porque esse arvoredo
    está na tua garganta
    e te cobre os ombros

    Um gesto que procura
    a origem (de si próprio)
    É por aqui mas o caminho é trémulo
    e não se sabe se a palavra vai desenhar
    um ombro de água clara
    ou se o vento nos conduz
    a um círculo de pedras
    O que escrevo por vezes é como se um
    corpo de sombra
    no meu corpo abrisse
    o espaço de um silêncio
    um espaço intacto e puro

    António Ramos Rosa*

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